DESVENDANDO
A COREIA DO NORTE
Escrito por Bruno André Blume/Portal Politize!
Escrito por Bruno André Blume/Portal Politize!
Desfile militar na Coreia do Norte.
Conheça
um pouco da história do país comandado por Kim Jong-un
Em abril de 2017, a Coreia
do Norte envolveu-se em uma crise diplomática com os Estados Unidos e a
comunidade internacional – mais uma de muitas em sua história recente. O
pequeno país asiático, comandado por um regime ditatorial desde o fim dos anos
1940, apresentou ao mundo mísseis balísticos em uma parada militar, que colocou
outras nações em alerta.
O governo norte-coreano
também declarou que, se fosse alvo de um ataque nuclear, responderia pelos
mesmos meios. Isso ocorreu após o presidente dos Estados Unidos Donald Trump
afirmar que conta com a China para “tratar do problema” norte-coreano. Ao longo
dos primeiros meses de 2017, a Coreia realizou diversos testes com mísseis – o
mais recente ocorreu nesta última semana de maio.
Um dos países mais isolados
do mundo, a Coreia do Norte é muitas vezes vista como um enigma. O regime
político é considerado dos mais brutais e seus líderes e ex-líderes são vistos
como divindades pela população. Afinal, o que é e como surgiu esse país?
ORIGENS
Em 1910, o Japão ocupou a
península coreana, que antes disso havia sido uma monarquia por mais de 500
anos. A ocupação japonesa só se encerrou ao fim da Segunda Guerra Mundial, em
1945, quando a União Soviética declarou guerra ao Japão e ocupou a Coreia.
Observando o movimento da
potência rival, e temendo que a Coreia viesse a ser totalmente dominada pelos
soviéticos, os Estados Unidos não tardaram em negociar uma divisão da
península, na altura da latitude 38. A porção de terras ao sul desse ponto,
onde está localizada a capital Seul, foi ocupada pelas tropas americanas,
enquanto o norte, onde fica Pyongyang, ficou sob controle soviético. Em suma, a
Coreia tornou-se uma das fronteiras da Guerra Fria, conflito tácito entre EUA e
URSS que dominaria a geopolítica mundial até o início dos anos 1990.
Logo após a ocupação das
forças estrangeiras e da divisão da península, Josef Stalin, líder da União
Soviética, ordenou que fosse escolhido um líder comunista para o território
ocupado por suas tropas (que mais tarde viria a ser a Coreia do Norte). Foi
escolhido Kim Il Sung, que havia lutado na resistência anti-japonesa e se
tornado famoso por um ataque a tropas do Japão na província coreana de
Pochonbo, em 1937. Até hoje, o episódio é destaque na história do país e na
biografia de Sung, que viria a ser o líder supremo da Coreia do Norte por mais
de quatro décadas. Após a segunda guerra, Kim foi preparado pelos soviéticos
para se tornar o novo líder coreano.
Os Estados Unidos procuraram
viabilizar eleições populares na Coreia, para que se formasse um único governo
sobre a península. Entretanto, a União Soviética se opôs a essa possibilidade.
Após três anos sem avanços entre as partes, foi fundada oficialmente a
República da Coreia, mais conhecida como Coreia do Sul, em 15 de agosto de
1948, presidido por Syngman Rhee. Não muito tempo depois, foi fundada também a
Coreia do Norte, com o nome oficial de República Democrática Popular da Coreia,
cujo primeiro-ministro era Kim Il-Sung. Ambos os governos se declaravam como os
legítimos governantes de toda a península. A Organização das Nações Unidas
(ONU) declarou apoio ao governo da Coreia do Sul, no fim de 1948.
GUERRA
DA COREIA
Com a divisão oficial da
península, a maior parte das tropas americanas deixou a Coreia do Sul em 1949.
Em março daquele ano, o presidente norte-coreano Kim Il Sung pediu apoio a
Stalin para uma invasão do sul da península, segundo a historiadora Kathryn
Weathersby. Embora o pedido tenha sido negado em um primeiro momento, foi
aceito no início de 1950, quando Mao Tse-Tung, líder da revolução chinesa (que
havia acabado de acontecer) ofereceu ajuda para Kim. Apesar de Stalin ter
preferido não envolver tropas soviéticas no conflito, a União Soviética
forneceu apoio estratégico à Coreia do Norte.
Foi dessa forma que se
iniciou, em junho de 1950, a Guerra da Coreia. A invasão do sul por parte das
tropas do norte foi bem sucedida e, em questão de um mês, a península estava
quase totalmente sob controle de Pyongyang. Mas esse quadro não durou muito
tempo: em setembro daquele ano, uma coalizão da ONU e dos Estados Unidos
contra-atacou, invadiu a península, retomou Seul e expulsou as tropas
norte-coreanas para a Manchúria, no nordeste da China. As forças de Kim Il Sung
não se deram por vencidas e retornaram com o reforço de tropas chinesas, que
retomaram Seul em 1951. Pouco tempo depois, as forças do norte perderam
novamente os territórios para tropas estadunidenses.
Nessas idas e vindas do
conflito, houve muitas mortes de ambos os lados: 178 mil entre os aliados da
Coreia do Sul e algo entre 367 mil e 750 mil do lado da Coreia do Norte e
aliados. O cessar-fogo foi acertado apenas em 1953. Até hoje, a península
coreana continua dividida em dois, com regimes bastante distintos em ambos os
lados da fronteira – e uma tensão permanente.
DESENVOLVIMENTO
DO REGIME NORTE-COREANO
Economia
Hoje em dia, a Coreia do
Norte é associada a atraso, isolamento e subdesenvolvimento, enquanto a Coreia
do Sul é vista como exemplo de desenvolvimento para o mundo inteiro. Mas nem
sempre foi assim. Nas décadas de 1960 e 1970, o país comunista ainda tinha
nível de renda semelhante ao vizinho do sul, segundo indicam dados econômicos
do período.
Grande parte disso pode ser
explicado pela ajuda financeira fornecida pela União Soviética, que na época
ainda era uma potência econômica, bem como da China, também comunista. Mas não
foi apenas isso. Após a guerra, a Coreia do Norte intensificou a planificação
econômica. As terras foram coletivizadas e houve maciço investimento estatal na
indústria pesada no país. Por um tempo, o resultado foi positivo: o governo
conseguiu manter uma qualidade de vida razoável e promoveu a urbanização do
país.
Mas os bons indicadores
econômicos foram perdidos progressivamente ao longo dos anos 1970. No início da
década, Pyongyang procurou importar tecnologia ocidental para tornar sua
indústria de mineração mais sofisticada. Com o choque do petróleo de 1973,
porém, os preços dos principais minérios norte-coreanos caíram no mercado
internacional, de forma que o país não conseguiu mais honrar suas dívidas. Além
disso, a planificação econômica baseada em indústria pesada chegou aos seus
limites e a Coreia do Norte passou a perder sua competitividade diante do resto
do mundo.
Em situação crítica, Kim Il
Sung mais uma vez recorreu à União Soviética, que ampliou sua ajuda financeira
nos anos 1980. Mas essa aliança também foi por água abaixo após o regime
soviético chegar ao fim, em 1991. Sung morreu em 1994, mesma época em que o
país chegou ao fundo do poço: uma onda de fome se instalou entre 1994 e 1998.
Enquanto isso, no sul da
península, a Coreia do Sul passou de economia agrária, com nível de riqueza
equivalente ao do Brasil, a um dos países tecnologicamente mais avançados do
mundo em cerca de 30 anos, com consequente aumento da renda nacional e da
qualidade de vida. Hoje, a Coreia do Sul possui renda semelhante a países
europeus como Itália e Espanha, enquanto o vizinho do norte é um dos países
mais pobres da Ásia – além de possuir um dos regimes políticos mais fechados do
mundo.
O
CULTO A KIM IL-SUNG
Após a guerra da Coreia, Kim
Il-Sung consolidou seu poder de tal forma que a população norte-coreana passou
a tratá-lo como uma divindade. As primeiras estátuas do líder foram erguidas
ainda em 1949, segundo o historiador Jasper Becker. Il-Sung passou a ser
conhecido como o “sol da nação”, o líder que jamais poderia errar. Um artigo de
1978 do Washington Post descreve como o pai de Kim, que era um simples
fazendeiro, tornou-se uma figura sagrada no país. Ele recebeu suas próprias
estátuas e uma biografia heróica, como guerreiro comunista. Há também muitos
relatos sobre o alto nível de devoção do povo norte-coreano em relação a Kim,
que beiraria a idolatria.
Helen Louise-Hunter, em seu
livro “Kim Il-song’s North Korea“, traz relatos de norte-coreanos que afirmam
que desde pequenos, na escola, aprendiam tudo sobre o líder comunista.
Kang-Chol hwan, norte-coreano, lembra que na infância via Il-Sung e seu filho
Kim Jong-il como figuras perfeitas. A figura legendária de Kim também foi – e
continua a ser – reforçada por meio da imprensa do país, totalmente controlada.
Entre outras coisas, a imprensa norte-coreana o retratava como personalidade
amplamente reconhecida no mundo inteiro – quando, na realidade, seu governo
comprava anúncios em jornais renomados internacionalmente e os transmitia como
notícias legítimas, segundo artigo do Washington Post.
Juche
e o isolamento
Uma das bases mais
importantes desse culto à personalidade é a ideologia juche, criada por Il Sung
nos anos 1950 e adotada oficialmente pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia,
que até hoje comanda o Estado norte-coreano. Essa doutrina possui inspirações
marxistas, mas com suas próprias peculiaridades.
Segundo a ideologia juche,
as massas trabalhadoras apenas podem alcançar o socialismo por meio da
construção de uma nação dotada de auto-confiança. Por isso, é preciso construir
uma economia nacional forte e autossuficiente, politicamente independente e
militarmente autônoma. O indivíduo, segundo a ideologia juche, é o mestre de
seu próprio destino e as massas trabalhadoras são a força-motriz da revolução.
Essas ideias, aliadas ao
contexto de permanente desconfiança em relação ao vizinho do sul e às potências
ocidentais, podem ter levado ao isolacionismo em que o país mergulhou a partir
dos anos 1950. Isolar-se do resto do mundo não é exatamente novidade na
história da Coreia, que já foi conhecida como “o reino ermitão” no século XIX,
por não se abrir para contato com países ocidentais.
Até hoje, a mídia
norte-coreana é totalmente controlada pelo governo e a população tem pouco
contato com o mundo externo: os cidadãos são proibidos de deixar o território,
o acesso à internet é praticamente nulo e não há transmissão de canais de
televisão e emissoras de rádio estrangeiras. Esse isolamento teria reforçado a
alienação da população, o que também possibilitou a intensificação do culto a
Kim Il-Sung e seus sucessores. Até hoje, esse fenômeno é um alicerce do regime
ditatorial no país.
COREIA
DO NORTE PÓS-KIM IL-SUNG
Governo de Kim Jong-Il
O líder fundador da Coreia
do Norte morreu em 1994, por conta de um ataque cardíaco. Seu lugar foi ocupado
pelo filho, Kim Jong Il, que já havia sido escolhido como sucessor nos anos
1970. Criou-se assim uma espécie de regime monárquico comunista, já que o cargo
foi transmitido hereditariamente.
Foi também em 1994 que
começou um período de fome no país, que se estenderia até 1998. Uma das causas
dessa tragédia humanitária foi o fim da União Soviética, em 1991, que
prejudicou a importação de alimentos para a Coreia do Norte. Como possui um
território muito montanhoso, o país não é autossuficiente na produção de
alimentos. Por isso, nos primeiros anos pós-URSS, dependeu muito das
importações da China. O gigante vizinho, seu maior (e talvez único) aliado,
cortou sua ajuda em 1993, devido a problemas em sua própria produção
alimentícia. Além disso, nos anos de 1995 e 1996, enchentes destruíram a
produção agrícola do país, agravando o problema. Como consequência, boa parte
do povo norte-coreano foi conduzido à fome, que teria vitimado até 3,5 milhões
de pessoas.
Início
do programa nuclear
No governo de Kim Jong-Il, a
Coreia do Norte avançou a passos largos seu programa nuclear. Já havia
suspeitas de que o país desenvolvia um programa clandestino desde os anos 1980.
As ações de Jong-Il ocorreram mesmo após a assinatura, em 1994, de acordo com
os Estados Unidos se comprometendo a não construir armas nucleares. Esse acordo
começou a se dissolver a partir de 2002, quando o presidente George W. Bush
declarou que a Coreia do Norte fazia parte de um “eixo do mal”, ao lado de
Iraque e Irã. Em 2003, o país abandonou o Tratado de Não Proliferação Nuclear
e, três anos mais tarde, realizou seu primeiro teste nuclear, realizado
subterraneamente e considerado um sucesso pelo governo norte-coreano.
As duas maiores
reivindicações relacionadas ao programa nuclear da Coreia do Norte, segundo
Richard Rhodes em artigo na revista Foreign Affairs, são: (i) a certeza de que
o território norte-coreano não será mais invadido; e (ii) a geração de energia
elétrica por meio da energia nuclear, para repor a capacidade hidrelétrica
bombardeada pelos Estados Unidos durante a Guerra da Coreia.
Os primeiros testes com
mísseis balísticos ocorreram em 2006. Em resposta, a Organização das Nações
Unidas impôs diversas sanções econômicas ao país, na tentativa de impedir o
avanço de seu programa nuclear (veja as sanções aqui). Mas elas não foram
suficientes: novos testes balísticos foram feitos durante o regime de Jong-Il
em 2009.
Novos
testes nucleares e tensão com os Estados Unidos
Em 2013 e 2014, Kim Jong-un
voltou a realizar testes com mísseis, assim como já havia feito seu pai em 2006
e 2009. Agora, em fevereiro de 2017, a Coreia do Norte tem levado a cabo uma
série de testes, preocupando a comunidade internacional. No dia 12 de
fevereiro, lançou um míssil de médio alcance (de mil a 3 mil quilômetros de
distância). Depois, em março, foram lançados quatro mísseis balísticos com
alcance de 1.000 quilômetros, que caíram em águas próximas ao Japão.
Em resposta, o governo de
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, enviou porta-aviões à Coreia do
Sul, próximo à fronteira. O governo de Jong-un, por sua vez, realizou novos
testes, mal-sucedidos. Novas armas foram apresentadas ao mundo durante parada
militar em homenagem a Kim Il-Sung, primeiro presidente do país.
Segundo informações da BBC,
acredita-se que a Coreia do Norte possui hoje cerca de 1.000 mísseis, com
alcances diferentes. A maioria seria de curto alcance, mísseis que podem
atingir pontos a menos de mil quilômetros. Há receios de que o país tenha um
míssil de alcance intercontinental, que podem viajar mais de 5.500 quilômetros.
CONCLUSÃO
A Coreia do Norte é um país
intrigante, produto de um conflito da Guerra Fria que nunca recebeu um ponto
final e do isolacionismo imposto por seus governantes. O regime ditatorial
instalado por Kim Il-Sung se perpetua, bem como algumas de suas características
mais importantes, como o controle estatal da economia, da imprensa e da
sociedade como um todo.
Se o histórico de
isolacionismo e totalitarismo conduzirão a Coreia do Norte a um conflito de
proporções mundiais, apenas o futuro poderá dizer. Mas as ações da Coreia do
Norte, que se coloca em postura de desafio contra os Estados Unidos, colocam a
comunidade internacional em alerta. Existe o receio de um conflito nuclear,
cujas consequências seriam imensuráveis. A opacidade do programa nuclear e a
falta de informação geral sobre o país e seu governo aumentam o quadro de
incerteza.
Fonte: http://www.politize.com.br
Fonte: http://www.politize.com.br
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