CATALUNHA E PAÍS BASCO: MOVIMENTOS
SEPARATISTAS NA ESPANHA
Escrito por Victor
Rossetti/Portal Politize!
Entenda
a história do país em 9 passos.
Você
deve ter ouvido falar que o vice-presidente da Espanha assumiu o controle da
Catalunha, no nordeste do país. Após a tentativa de independência em relação à
Espanha, a região catalã perdeu mais um pouco de sua autonomia local. Mariano
Rajoy, atual presidente espanhol, destituiu o governo catalão e anunciou que
serão realizadas novas eleições. Mas devemos lembrar que esse não foi o único
movimento separatista que ocorreu na Espanha. Houve também o do País Basco, no
norte da Espanha e sul da França.
Vamos
conhecer um pouco mais sobre ambos os movimentos?
PRIMEIRAMENTE, O CASO DA CATALUNHA
A
Catalunha localiza-se no nordeste da Espanha e, há muito tempo, é culturalmente
independente. Pode-se dizer que o desejo de independência política não é
recente. É fato que a Catalunha é uma das regiões mais ricas da Espanha. Ela
concentra cerca de 12% da população do país, representa aproximados 19% do PIB
(Produto Interno Bruto) nacional e quase um quarto das exportações espanholas.
A
Catalunha é uma região autônoma reconhecida pelo Estado espanhol, mas não é
independente dele. Segundo os opositores do movimento separatista, essa
condição de independência é ilegal do ponto de vista constitucional. O que isso
significa? A Catalunha, como região autônoma, possui algumas características
próprias: o idioma catalão e o direito de ter um Parlamento próprio, que decide
autonomamente os investimentos em saúde, segurança e educação local. Mas essa
autonomia não é total! E por quê? A Catalunha possui fortes laços com o governo
espanhol, o que é garantido pela Constituição de 1978.
COMO FUNCIONA O GOVERNO CATALÃO?
A
Generalidade da Catalunha é o sistema institucional no qual se organiza
politicamente o governo autônomo catalão. Sua sede é o Palácio da Generalidade,
que fica em Barcelona.
É
importante explicar que a Catalunha nunca foi independente nem se estabeleceu
como uma nação. Mas há muitos séculos possui um Governo próprio, que garante a
permanência de vários aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos próprios
da região. Ela esteve compreendida dentro do Reino de Aragão, antigo território
cristão que mais tarde integrou-se a outros territórios, resultando na atual
Espanha. A Catalunha possui um organismo político próprio desde esse período,
por volta do século XV.
Portanto,
a história da Catalunha sempre esteve ligada à história espanhola. O momento em
que isso ficou mais evidente foi o período ditatorial pelo qual passou a
Espanha, como falaremos adiante. Por enquanto, vamos voltar no tempo para
entender a história completa?
Em
1700, o monarca espanhol da casa de Habsburgo, Carlos II, faleceu sem deixar
herdeiros. Era preciso buscar seu sucessor, certo?
Em
testamento, Carlos II legou a Coroa espanhola a Filipe de Bourbon, neto de Luís
XIV, então rei de França, também da família Bourbon. E agora? Os Bourbons já
governavam a França. Se Filipe subisse ao trono espanhol, a Espanha também
teria um membro Bourbon no poder. Muito poder para uma dinastia só, certo?
Muitas nações concluíram que seria. E se houvesse uma união entre França e
Espanha? Bem, Madri e Barcelona aceitaram a nomeação do futuro Felipe V, como
veio a ser reconhecido.
Outras
nações, no entanto, como Áustria, Holanda, Inglaterra e Dinamarca, sob reinado
de outras dinastias, como os Habsburgos, temeram um pacto franco-espanhol e
estabeleceram a Grande Aliança. O que aconteceu a partir disso? Houve um
confronto armado que durou entre 1702 e 1714, envolvendo a maior parte das
nações da Europa Ocidental. Esse embate pelo trono espanhol aconteceu
basicamente entre os Bourbons e os Habsburgos.
Em
1714, próximo do fim da Guerra de Sucessão, a cidade de Barcelona foi
enfraquecendo conforme as tropas franco-espanholas foram proporcionando um
cerco cada vez mais intenso, a fim de manter o território catalão, sem perdê-lo
para outras nações. Nesse período, a Catalunha já era um território com algumas
autonomias políticas, mas foram perdidas na guerra contra os Habsburgos.
O
sentimento nacionalista catalão, se assim podemos chamá-lo, voltou a crescer na
segunda metade do século XIX e no início do XX. Em abril de 1931, ocorreu a
proclamação da Segunda República Espanhola (1931-1939). Em 1932, a Catalunha
alcançou seu status de autonomia política, após um referendo que ocorreu na
cidade de Núria. Percebeu quanto tempo a Catalunha demorou para retomar vários
aspectos de sua autonomia?
Nesse
período, surge o Generalitat (governo próprio regional), liderado pela Esquerda
Republicana da Catalunha. Os nacionalistas passaram a governar a região.
Nessa
história, 1936 é um ano importante. Por quê? Ocorreu a eleição nacional na
Espanha e os partidos de esquerda saíram vitoriosos, formando a chamada Frente
Popular. Os opositores de direita, com a organização e liderança de Francisco
Franco Bahamonde (1892-1975), deram um golpe de Estado, inclusive apoiados por
várias regiões espanholas.
QUEM ERA FRANCISCO FRANCO E QUAL
MOVIMENTO LIDERAVA?
Francisco
Franco começou a ganhar reconhecimento na década de 1920, por sua atuação no
campo de batalha em campanhas na África. Ele foi promovido a general de brigada
em 1926. Com a proclamação da República em 1931, perdeu cargos de
responsabilidade. Voltaria a ganhar cargos na hierarquia militar em 1933, com a
ascensão de um governo de direita.
As
condições políticas e eleitorais da Segunda República Espanhola (1931-1939)
foram bem confusas. Cerca de 16 personagens chegaram a ocupar o governo
nacional nesse período, o que reflete a instabilidade política que dominou a
década de 1930 espanhola.
Com
a conquista eleitoral da Frente Popular em 1936, em novas eleições, Franco
perdeu influência militar. Não aceitando essa realidade e com apoio de vários
grupos dentro da Espanha, liderou o golpe político. Mas por quê? Muitos
opositores do governo de esquerda foram os chamados falangistas, simpatizantes
do nazi-fascismo. Esse grupo incluía muitos empresários, latifundiários,
militares e membros do que seria a classe-média espanhola do período. Os
falangistas, que lutavam contra o socialismo e comunismo, tinham inclusive
apoio militar e financeiro dos governos alemão e italiano, extremamente
influentes na época. Esse movimento era liderado pelo general Francisco Franco.
Depois
do golpe de Franco, grande parte das cidades e regiões industriais permaneceu
ligada ao Governo Republicano de Esquerda, que havia vencido as eleições em
1936. Assim, a Espanha encontrava-se dividida. Inicia-se a Guerra Civil
Espanhola (1936-1939).
O
governo de Francisco Largo Caballero (1869-1946), do Partido Socialista
Operário Espanhol que havia vencido as eleições em 1936, passou a sofrer
ataques constantes do movimento liderado pelo general Francisco Franco, que
venceu a Guerra Civil. Instaurou-se a ditadura por toda a Espanha, incluindo as
regiões autônomas, vivendo sob a repressão por décadas. Madri, capital da
Espanha, concentrou todos os poderes políticos. Uma das consequências dessa
ditadura foi a proibição oficial do uso do idioma catalão.
A VOLTA DA DEMOCRACIA À ESPANHA
Com
a morte de Francisco Franco em 1975, a democracia retornou à Espanha e a nova
Carta Constitucional (1978), vigente até hoje, garantiu à Catalunha uma grande
autonomia política, e assim pôde reviver a Generalitat (governo próprio). Desde
esse momento, o partido majoritário foi o nacionalista conservador
“Convergência e União” (CiU). Nesse período inicial, ainda não lutava pela
independência e, inclusive, estabelecia acordos com Madri e os demais partidos
espanhóis.
Devemos
lembrar que, em 2006, houve um referendo na região catalã, que garantiria a ela
duas condições: a ampliação dos poderes da Generalitat e o status de nação
dentro da Espanha. Esse foi o quarto Estatuto de Autonomia da Catalunha. Houve
campanhas contrárias: o Partido Popular, conservador, apresentou um recurso ao
Tribunal Constitucional espanhol contra o referendo. O judiciário, por sua vez,
interviu e retirou o direito do uso do termo “nação dos catalães”. Milhares de
pessoas saíram às ruas da Catalunha em protesto. Em 2010, devido a uma crise
econômica mundial que atingiu a Espanha e a Catalunha em grandes proporções, o
conflito se intensificou.
O
esforço dos independentistas em reunir multidões a favor da separação foi
constante, bem como a realização de referendos. Em setembro de 2017, aprovou-se
uma lei para a convocação de um referendo em 1º de outubro. Esse conflito de
interesses ocorreu todo no interior do Parlamento, onde há membros a favor e
também contrários à independência catalã. O referendo foi feito. Então, onde
estavam os opositores parlamentares? Houve reação dentro do Parlamento, mas
todas as propostas contrárias foram negadas em absoluto.
Cerca
de 2,2 milhões de pessoas (pouco mais de 40% do eleitorado catalão) votaram no
referendo. O resultado de quase 90% desses votantes foi o “sim” à separação da
Catalunha.
O QUE OS CATALÃES ARGUMENTAM?
O
movimento separatista catalão sustenta-se em diversos argumentos. Confira 10
deles a seguir:
1 - A
Catalunha é uma das regiões autônomas da Espanha. Os separatistas argumentam
que os aproximados 40 anos de autogoverno culminaram no fracasso dessa
condição. Segundo eles, há um processo de re-centralização acontecendo, no
sentido de que o governo de Madri estaria tentando reduzir a autonomia política
catalã. Portanto, sendo que a autonomia já não é mais suficiente, a alternativa
é a independência;
2 - Segundo
os catalães, a Espanha é um Estado autoritário;
3 - Os
separatistas acusam a Espanha de roubo. Esse debate começou em 2012. Um dos
políticos a favor da autonomia publicou que a Catalunha contribuía com pouco
mais de 16 bilhões de euros no orçamento comum da Espanha. A ideia do suposto
roubo de cerca de 8,4% do PIB da Catalunha começou a ser propagado nesse
período;
4 - Em
1978, entrou em vigor a Constituição atual no país. Segundo a campanha
separatista, essa Constituição é hostil aos catalães. Seria preciso superá-la,
desfazer-se do vínculo com ela e, por isso, propor a independência;
5 - Há
quem diga que, separados, os catalães serão mais ricos do que na condição atual;
6 - Segundo
a lei do referendo, atualmente suspensa, a Catalunha teria o “direito
imprescritível e inalienável à autodeterminação”. Para além disso, acreditou-se
que esse direito seria reconhecido internacionalmente, por nações e
instituições, como a ONU;
7 - A
votação que foi convocada para 1º de outubro foi legítimo, de acordo com o
governo catalão;
8 - Independentes,
os catalães continuariam a fazer parte da União Europeia;
9 - Segundo
o principal lema do movimento separatista: “Referendo é democracia”;
10 -
A guerra que houve 1714 foi “separatista”. Baseados em uma determinada
bibliografia, muitos separatistas afirmam que a guerra de sucessão que ocorreu
na Espanha em princípios do século XVIII foi uma guerra de secessão, de
separação da Catalunha com relação à Espanha. Segundo os separatistas, a
Catalunha foi conquistada e seus habitantes tiveram seus direitos abolidos.
Segundo essa perspectiva, o resultado final foi a submissão catalã ao poder
espanhol.
Muitos,
no entanto, têm discutido esses argumentos e contradizendo os catalães, fazendo
referência à ilegalidade do referendo realizado em 1º de outubro e do próprio
esforço separatista. Essa condição ilegal supostamente consta no artigo 155 da
Constituição espanhola, como será explicado adiante. Uma das situações mais
imediatas desse movimento de independência foi que mais de mil empresas já
iniciaram processo de retirada de sua sede social da região catalã.
QUAL FOI A REAÇÃO DO GOVERNO ESPANHOL?
De
forma imediata, a primeira reação foi logo no dia do referendo, 1º de outubro,
quando a polícia atuou na tentativa de frear a votação, incluindo o uso da
violência, como se sabe, sem sucesso. Do ponto de vista jurídico, em resposta
ao movimento separatista, o governo espanhol acionou o artigo 155 da
Constituição de 1978. Em uma reunião com o Conselho de Ministros, no dia 21 de
outubro, o Presidente espanhol, Mariano Rajoy, aprovou a ativação desse artigo.
E o que ele diz?
De
acordo com o número 1 do artigo 155 da Constituição espanhola:
“Se
uma Comunidade Autônoma não cumprir as obrigações que a Constituição ou outras
leis lhe imponham, ou atuar de forma que atente gravemente contra o interesse
geral de Espanha o Governo, com requerimento prévio enviado ao Presidente da
Comunidade Autônoma e, em caso de não ser atendido, com a aprovação por maioria
absoluta do Senado poderá adotar as medidas necessárias para obrigar àquela ao
cumprimento forçoso de ditas obrigações ou para a proteção do mencionado
interesse geral.”
Do
ponto de vista do governo espanhol, esse artigo pode conferir ao governo de
Madri plenos poderes sobre a região catalã. De forma temporária, a autonomia
conquistada pela Catalunha pode ser retirada, tanto quanto as competências do
atual governo local. Assim, Madri pode assegurar controle total sobre todo o
organismo governamental catalão, o que inclui, por exemplo, as forças de
segurança, os canais de televisão e as finanças. Para quê? O objetivo do
governo espanhol é realizar novas eleições em breve. Todos os membros do atual
corpo administrativo catalão deixarão seus cargos. Haverá punição? Segundo
consta, pode haver, principalmente sob as acusações de traição e desobediência.
O QUE ACONTECEU COM O PARLAMENTO
CATALÃO?
Vamos
conhecer mais sobre o Parlamento Catalão? O Parlamento catalão é Unicameral e
composto por 135 deputados desde a redemocratização espanhola. Os deputados são
eleitos para um mandato de quatro anos, por meio de um sufrágio universal,
direto, secreto, livre e igual.
O
Parlamento catalão não deixará de existir. As novas eleições apenas colocarão
novos membros no governo, ou seja, haverá a troca de membros nos cargos
públicos da atual gestão, mas as atividades governamentais voltadas à saúde,
segurança, educação e outras esferas não serão interrompidas. Nunca na história
da jurisdição espanhola esse artigo 155 foi efetivado. Então, mesmo para o
governo espanhol, trata-se de um contexto totalmente novo. É preciso a
aprovação do senado espanhol para que esse artigo seja posto em prática. Em
seguida, o governo da Catalunha deve ser notificado.
Em
tese, uma vez notificada, a Catalunha deve transmitir suas competências ao
Governo Central, em Madri. Assim, ocorre a destituição do governo vigente.
E O MOVIMENTO SEPARATISTA DO PAÍS BASCO?
LEMBRA-SE DELE?
O
País Basco é uma região localizada entre França e Espanha. Desenvolveu-se no
local uma cultura que se diferenciou daquelas dos países que a cercam. Os
bascos possuem inclusive um idioma próprio, o euskara. O desejo de independência
que existe no País Basco não é recente. Assim como os catalães, eles não
possuem direito legal à independência. Cerca de 90% do País Basco encontra-se
em território espanhol, enquanto os outros aproximados 10% ficam no interior da
França.
Lembra-se
da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) citada anteriormente? Pois é, um dos
eventos que mais ganharam destaque nesse período foi o bombardeio aéreo na
pequena localidade de Guernica, em 26 de abril de 1937, no País Basco.
A
cidade de aproximados 6 mil habitantes teve a maior parte de seu território
destruída por um ataque aéreo realizado por aviões alemães da Legião Condor,
numa experimentação bélica nazista. Esse ataque apoiou o regime ditatorial de
Francisco Franco. Lembra-se da tela “El Guernica” (1937), de Pablo Picasso
(1881-1973)?
O
movimento liderado pelo general Francisco Franco venceu o combate civil e impôs
duras medidas aos pequenos grupos étnicos. No caso do País Basco, proibiu-se o
ensino do idioma local (euskera) e a exaltação de seus símbolos. A Catalunha
também passou por essa repressão.
COMO ESTÁ O PAÍS BASCO AGORA?
Já
ouviu falar do ETA? Trata-se do grupo separatista basco. A sigla significa
Euskadi Ta Askatasuna ou “Pátria Basca e Liberdade”, na tradução literal. O ETA
foi fundado em 31 de julho de 1959 e tinha como objetivo principal a
independência do País Basco, mantendo, assim, seus próprios aspectos culturais
e sociais.
Em
1975, houve uma mudança na história desse grupo: o falecimento do general
Francisco Franco. As Cortes Gerais da Espanha proclamaram Juan Carlos como rei
da Espanha, redemocratizando o país. Ele ainda vive, mas abdicou ao trono
espanhol em junho de 2014, favorecendo seu filho, Filipe VI.
Com
a volta do regime democrático, o País Basco alcançou a condição de região
autônoma, compreendendo um sistema próprio de impostos e até uma polícia
própria. A população basca recebeu de volta inclusive aqueles direitos
retirados durante a ditadura franquista.
Porém,
o grupo ETA não encerrou suas atividades, como muitos esperavam. Em vez disso,
alguns membros do ETA permaneceram na ativa e tornaram-se o principal eixo a
favor do processo separatista. O caminho trilhado passou a envolver técnicas
terroristas. Ao longo do tempo, houve vários atentados e cada vez mais a
simpatia e o apoio a esse grupo foram diminuindo entre a população basca. Pelo
que parece, para muitos bascos as autonomias instituídas com a Constituição de
1978 já eram suficientes.
O
grupo ETA chegou a ter cerca de 3.800 militantes. Porém, desde 1961 já foram
aproximadamente 3.300 presos pela Espanha. Em 2011, o ETA declarou o fim de
suas atividades armadas. O atual movimento separatista na Catalunha preocupa a
muitos na região basca. Mesmo com o fim do ETA, e com o clima social e político
apaziguado, há certo receio de que o histórico de conflitos e violência tenha
novos episódios.
Fonte: http://www.politize.com.br
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