Refugiados Rohingyas
A
CRISE HUMANITÁRIA NO MIANMAR: VIOLÊNCIA CONTRA OS ROHINGYAS
A República da União de Mianmar é um
país localizado no sul do continente asiático, que possui fronteiras com
Bangladesh, Índia, China, Laos e Tailândia. Essa variedade de vizinhos
proporcionou ao Mianmar um vasto contato com diferentes grupos étnicos,
permitindo a inclusão dessa diversidade no seu território. A princípio, parece algo
bom, certo? No caso do Mianmar, esse “mix cultural” não ocorreu de maneira
pacífica, o que resultou em conflitos entre grupos étnicos de classes
dominantes e minorias. Esses conflitos internos acontecem há décadas e até hoje
não foram resolvidos. Entenda o motivo neste artigo!
O
MIANMAR
A nível mundial, o Mianmar possui uma
das maiores diversidades étnicas, contabilizando 135 etnias apenas em seu
território, com aproximadamente 52 milhões de habitantes. Em razão disso, desde
1948, quando conquistou sua independência dos britânicos, foi palco para uma
série de conflitos entre o governo central e grupos minoritários, que buscavam
formar Estados separados ou autônomos.
No sul e sudeste asiático, a religião
compõe uma peça central da sociedade, por vezes influenciando processos
políticos. A religião principal do Mianmar é o Budismo, representado por 87,9%
da população. Em seguida, aparecem os cristãos, que somam 6,2%. Os muçulmanos,
animistas e hindus compõem 4,3%, 0,8% e 0,5% respectivamente, de acordo com o
Ministério do Trabalho, Imigração e População do Mianmar.
A população budista ‘bramá’ ou
‘birmane’, por ser o maior grupo étnico no país, domina o campo
político-econômico, possuindo uma série de benefícios. Ao longo da formação do
país, esse grupo exerceu sua influência inúmeras vezes para defender seus
interesses. Assim, conflitos entre o governo central e grupos étnicos com menor
representatividade, como os muçulmanos Rohingyas, tornaram-se comuns.
MIANMAR:
UM PAÍS RUMO À DEMOCRATIZAÇÃO
Desde a independência em 1948, conflitos
separatistas na então chamada Birmânia foram responsáveis por uma grande
instabilidade política que culminou na instalação e manutenção de um regime
ditatorial. Em 1962, um golpe comunista depôs o governo civil e instalou um
governo militar que permaneceu no poder até 2016.
Em um contexto de precarização da
economia, violência policial e escândalos de corrupção, um movimento que viria
a ser conhecido como Revolta 8888 tomou forças, encabeçando a luta pela
redemocratização do país. Em resposta aos protestos, o governo passou a aplicar
a Lei Marcial, utilizando-a para retaliar os efeitos do movimento pró-democracia
– o que gerou um total de 3 mil pessoas mortas.
Além disso, o governo militar mudou o
nome do país de Birmânia, como era chamado pelos colonizadores ingleses antes
da independência, para Mianmar. A mudança tinha como objetivo representar uma
‘libertação’ do passado colonial, mas ambos os nomes possuem a mesma origem: o
nome da etnia dominante do país, Bramá.
Devemos destacar, porém, os efeitos
políticos dessa mudança. Até hoje, os simpatizantes do regime militar usam o
nome Mianmar, enquanto aqueles engajados em uma luta pró-democracia continuam
usando o nome Birmânia, por não acreditarem que um governo ilegítimo possa
fazer uma mudança tão grande quanto a do nome do país.
Em decorrência da pressão nacional e
internacional, em 1990 os militares promoveram eleições diretas para formação
de uma Assembleia Constituinte. O que eles não esperavam era que o partido NLD
(da sigla em inglês Liga Nacional pela Democracia) conseguiria 475 das 485
cadeiras para a Assembleia.
Aung San Suu Kyi, líder do NLD, foi uma figura
importante nesta conquista. Filha única do general Aung San, herói da
independência birmanesa, Suu Kyi acabou se envolvendo na luta pelo fim da
ditadura militar por acaso, pois até então morava em Oxford, na Inglaterra, e
havia retornado ao Mianmar para cuidar de sua mãe doente.
Os militares, revoltados com o
resultado, anularam a eleição e condenaram Suu Kyi a 20 anos de prisão. Por
conta de sua luta e resistência, ela ganhou o Nobel da Paz em 1991.
Apenas em 2008, após os protestos
antigovernamentais chamados de Revolução do Açafrão, o país iniciou uma suposta
abertura gradual, prometendo uma nova Constituição popular a ser aprovada por
meio de um referendo. Porém, os militares estipularam um dispositivo legal que
impedia que mães de filhos estrangeiros, ou de dupla nacionalidade, disputassem
a Presidência. Essa era precisamente a situação de Suu Kyi, mãe de dois meninos
que nasceram em Londres.
Em 2015, novas eleições elegeram o
candidato Htin Kyaw, do partido de Suu Kyi. Em contrapartida, Htin Kyaw
empossou Suu Kyi como ministra de Relações Exteriores, cargo que está
hierarquicamente acima do Presidente no Mianmar. Dessa forma, foi instalado o
primeiro governo civil no país após 54 anos de governo militar.
Democratização
seletiva?
Apesar do processo de democratização
tomar forma no país, a situação não tem melhorado para os Rohingyas e as demais
minorias étnicas. Desde 2012, ondas de violência orquestradas por grupos
extremistas de maioria budista no estado de Rakhine deixaram mais de 10 mil
mortos, milhares de casas e edificações muçulmanas destruídas e milhares de
refugiados deslocados para países vizinhos.
Essas perseguições são associadas
principalmente aos grupos nacionalistas Movimento 969 e Exército Democrático
Budista dos Karen, compostos majoritariamente por monges autodenominados
‘budistas radicais’. Apesar de se dizerem absolutamente contrários à violência
e levarem em seus nomes menções às virtudes de Buda, seus discursos têm servido
de base para atos violentos ao definir os muçulmanos como ‘o inimigo’ contra
quem se deve lutar para a proteção de uma nação budista.
Vale ressaltar que a etnia e a religião
destes povos não são históricamente conflitantes. De acordo com Juliane
Schober, diretora do Centro de Pesquisa Asiático e professora de Estudos
Religiosos da Universidade de Arizona, o que tem levado a relação entre eles a
um conflito desta proporção é a associação de privilégios políticos para um
grupo predominante, de forma a segregar os demais.
POR
TRÁS DOS REFUGIADOS NO MIANMAR: QUEM SÃO OS ROHINGYAS?
A fim de analisar os acontecimentos
recentes, é necessário entender que os Rohingyas têm sido marginalizados desde
antes da independência do Mianmar e que nunca alcançaram os mesmos direitos que
os demais cidadãos do país.
Os Rohingyas representam cerca de 3
milhões dos 60 milhões de habitantes do Mianmar e são predominantemente
encontrados no Estado de Rakhine, anteriormente conhecido como Arakan, no oeste
do país. Suas origens são difíceis de serem traçadas, pois os eventos que
levaram a expansão do islamismo ao Mianmar ainda são desconhecidos. Existem,
porém, duas teorias principais sobre sua chegada: são indígenas do Estado
Rakhine ou são bengalis que chegaram através da expansão do comércio muçulmano
datada de cerca do século VIII d.C.
Já em 1948, o governo central
recentemente independente dos Britânicos aprovou uma lista de etnias
reconhecidas oficialmente – lista essa que excluía os Rohingyas.
A partir dos anos 70, os efeitos do
governo militar birmanês intensificou ainda mais a onda de perseguição às
minorias não reconhecidas, afetando radicalmente a comunidade Rohingya. Durante
as décadas de 1960 e 1970, estouraram várias rebeliões e persistiram as tensões
entre a maioria budista e as minorias hinduísta, muçulmana e cristã por todo o
país. O governo central (dominado por budistas bramá), percebendo a diversidade
como uma ameaça ao seu poder, não só negligenciou a demarcação de novas
fronteiras, mas também restringiu a expressão étnica, política e social dos
povos minoritários.
Desde então, os Rohingyas sofrem com a
gradual supressão de direitos, tais como o acesso à cidadania (eles são
apátridas), a proibição ao casamento, às viagens sem a permissão das
autoridades, ao direito de possuir terra ou propriedade e de ensinar e suas
próprias línguas étnicas. Todos esses fatores geram um clima de completo
abandono por parte do Estado, o que resulta em desobediência civil e violência
organizadas. Atualmente, o Estado de Rakhine é uma das regiões mais miseráveis
do país, atingindo níveis de 78% de pobreza.
Para Tun Khin, ativista de direitos
humanos e presidente da Burkinabé Rohingya Organization UK, a causa da
perseguição exacerbada a esse grupo étnico deve-se ao fato de serem um alvo
fácil para os ultranacionalistas do Myanmar: “Os Rohingyas são um grupo étnico
diferente, eles têm uma aparência e religião diferentes”.
Essas longas décadas de isolamento
criaram preconceito e ressentimento no Estado de Rakhine, o que têm fomentado
um clima de desconfiança e desinformação que tornou tal segregação não apenas física,
mas intelectual.
AS
RECENTES AÇÕES E REAÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O MIANMAR
Nos últimos anos, atos violentos que
aconteceram no Mianmar tornaram-se notícia mundialmente. Em maio de 2012, uma
mulher foi violentada e assassinada por três muçulmanos. No mês seguinte, 10
homens muçulmanos foram mortos em um ônibus como forma de retaliação pelo crime
cometido contra a jovem. O tema foi discutido em Assembléia Geral da ONU e os
líderes de países muçulmanos, assim como o então Secretário-Geral da ONU, Ban
Ki-moon, exigiram mais ações para dar um fim à violência.
Os atos violentos não terminaram em
2012! Em 2016, três estações da Polícia da Guarda de Fronteira foram saqueadas
por muçulmanos. Mais eventos como esse ocorreram nos dias seguintes,
desencadeando um estado de violência crescente. O governo do Mianmar criou
novas comissões para monitorar e investigar as alegações de abuso de direitos
humanos, entretanto, não houve resultados satisfatórios, uma vez que não são
abordadas questões centrais de identidade e cidadania dos Rohingyas.
Aung San Suu Kyi recusa-se a discutir o
assunto com profundidade, o que lhe tem rendido duras críticas da comunidade
internacional, inclusive, de companheiros vencedores do Prêmio Nobel da Paz. Em
janeiro de 2017, 23 ativistas expressaram sua desaprovação em relação às
medidas tomadas pelo governo de Suu Kyi em uma carta. Apesar das críticas, sua
popularidade foi pouco prejudicada nacionalmente.
Desde agosto de 2017, quando os
conflitos se intensificaram, a ONU calcula que aproximadamente 655 mil
Rohingyas tenham se deslocado em busca de refúgio. Além dessa grande quantia de
refugiados, calcula-se que mais de 300 mil já estavam na fronteira devido aos
êxodos anteriores. As Nações Unidas consideram que a crise de refugiados no
Mianmar é a pior desde a década de 1990, quando ocorreu o genocídio em Ruanda.
Em novembro de 2017, o Conselho de
Segurança da ONU pediu que o Governo reduzisse o uso da força militar e da
violência na região. A ONU considera que os conflitos constituem uma limpeza
étnica, acusação que continua a ser negada pelos governantes. As Organizações
Internacionais possuem pouco poder de ação sobre o país, mas a pressão para uma
efetiva adoção dos direitos humanos continua.
O
QUE O GOVERNO DO MIANMAR DIZ SOBRE O GENOCÍDIO DOS ROHINGYAS?
O Governo do Mianmar tem uma difícil
tarefa: reconciliar as demandas de 135 grupos étnicos. Não apenas os Rohingyas,
mas outros grupos minoritários também sofrem discriminação. A marginalização
afeta não somente o campo político e econômico, abrangendo também a privação de
direitos à religião, linguagem e cultura.
Em 2017, durante a visita do Papa ao
país, o chefe das Forças Armadas afirmou que ‘não há discriminação no Mianmar’,
e parabenizou os militares pela ‘manutenção das organizações que tratam de
direitos humanos’. O Governo – que nega repetidamente as acusações de genocídio
– defende que os recentes ataques são uma resposta aos crimes cometidos contra
soldados birmaneses. Em relação aos Rohingyas mortos, o governo alega que eram
terroristas, sendo também responsabilizados pela destruição de suas próprias
casas e vilas.
Para o Governo do Mianmar, o ato de
ceder direitos às minorias seria ‘desvantajoso e perigoso’, uma vez que se
tornariam uma ‘ameaça’ à população budista bramá. Alguns dos motivos que, para
eles, sustentam a perseguição aos Rohingyas são:
A crescente taxa de natalidade desse
grupo étnico;
A incompatibilidade da cultura Rohingya
e budista bramá;
A crescente participação Rohingya nas
atividades econômicas locais;
A ameaça à segurança no estado de
Rakhine devido aos recentes conflitos na região.
É importante ressaltar que tais
argumentos são baseados em motivações racistas e preconceituosas, utilizados
pelo governo para justificar suas ações, influenciando fortemente a população
birmanesa.
E
COMO ESTÃO OS ROHINGYAS AGORA?
O principal local de destino dos
refugiados Rohingyas, o Bangladesh, tem enfrentado dificuldades para acomodar o
enorme fluxo de pessoas que chega diariamente ao país. Devido a essa situação,
o Mianmar e Bangladesh estabeleceram, em 2018, um calendário para repatriar
centenas de milhares de Rohingyas. O governo aceitou receber 1500 pessoas por semana,
mas o número ainda é pequeno, estimando-se 10 anos para repatriar todos os
refugiados. Como foi acordado entre os dois países, a repatriação deve ser
sempre voluntária.
Mesmo assim, muitas famílias ainda
sentem-se inseguras em serem repatriadas, uma vez que seus direitos à cidadania
continuam a ser negados, sem qualquer garantia de segurança ou direito
reservados. Dessa forma, a ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados) defende que o retorno deva acontecer somente quando os refugiados
sentirem-se seguros e protegidos.
Fonte: http://www.politize.com.br
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