Bens
culturais
Carlos Frederico Marés de
Souza Filho*
A
cultura não existe isolada do mundo natural, indefinida, sem contato com a
natureza. E não é apenas o resultado da história, mas também da geografia
A
cultura é produto do meio em que o ser humano está inserido. Assim como o
conhecimento, ela é fruto da realidade e da necessidade de modificação. A intervenção
humana na natureza, intervenção cultural, a modifica, mas também é
profundamente modificada por ela.
Por
isso, o meio ambiente, quando entendido de um ponto de vista humanista,
compreende a natureza e as modificações que nela introduziu e vem introduzindo
o ser humano. Assim, o meio ambiente é composto pela terra, a água, o ar, a
flora e a fauna, as edificações, as obras de arte e os elementos subjetivos e
evocativos, como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições,
marcos ou sinais de fatos naturais ou da passagem de seres humanos. Dessa
forma, para compreender o meio ambiente é tão importante a montanha, como a
evocação mística que dela faça o povo.
Alguns
desses bens existem independentes da ação humana e são chamados de bens
ambientais naturais; outros são frutos de intervenção humana e são chamados de
bens ambientais culturais, ou simplesmente de bens culturais.
O
interesse pelos bens culturais pode ser restrito ao povo que vive essa cultura,
mas pertence também a toda a humanidade que tem o direito à existência de
diferentes culturas ou à sociodiversidade.
A
sociodiversidade é indissociável da biodiversidade. Ambos são fundamentais para
a civilização e a cultura dos povos. A ameaça do desaparecimento do patrimônio
cultural (conjunto dos bens culturais) é assustadora, porque é ameaça de
desaparecimento da própria sociedade. Enquanto o patrimônio natural é a
garantia de sobrevivência física da humanidade, que necessita do ecossistema –
ar, água e alimentos – para viver, o patrimônio cultural é garantia de sobrevivência
social dos povos, porque é produto e testemunho de sua vida. Um povo sem
cultura ou dela afastado, é como uma colmeia sem abelha rainha, um grupo sem
norte, sem capacidade de escrever sua própria história e, portanto, sem
condições de traçar o rumo de seu destino.
Da
mesma forma que devemos preservar a biodiversidade, devem ser preservados os
bens que se identificam com uma cultura.
Bens culturais
materiais e imateriais
Todo
bem cultural tem em si uma evocação, representação, lembrança, isso é, sobre a
materialidade do bem existe uma grandeza imaterial que exatamente lhe dá o conteúdo
cultural. O bem cultural pode ser uma cachoeira, uma casa ou uma obra de arte,
mas a sua qualidade cultural não está na materialidade, e sim no que ela
representa. Não é o material da casa, nem a água da cachoeira, nem a tela e as
tintas que revestem a materialidade de valor cultural, mas o que de forma
intangível o ser humano lhe atribuiu, seja como beleza, seja como evocação
mística ou lembrança histórica. Portanto, todo valor cultural é uma
imaterialidade. Muitos bens culturais, para existir, dependem de um bem material,
que chamamos de suporte. Outros porém existem independentemente do qualquer
material, como a língua, a religião, as festas, o conhecimento.
Para
preservar os com suporte, é necessário preservar os respectivos suportes, mas
para preservar os sem suporte, é necessário lhes dar um suporte adequado. É
claro que a língua, por exemplo, é mantida de geração em geração, independentemente
da escrita, mas para preservá-la é necessário torná-la gráfica, anotando a
pronúncia e o significado, o mesmo se dá com a dança e com o conhecimento em
geral. Daí a importância dos dicionários, enciclopédias e almanaques.
O
conhecimento é um bem cultural extraordinário e coletivo. Não apenas os
conhecimentos tradicionais ligados aos povos e suas tradições, mas todo
conhecimento. São bens culturais o saber, o saber fazer e o descrever como fazer.
Esses bens podem ajudar a preservar os outros bens e os suportes dos bens
culturais.
Portanto,
todo bem cultural é imaterial, mas alguns estão intrinsecamente ligados a um
suporte de tal forma que sua preservação depende da preservação do suporte único.
A proteção dos bens
culturais
É
claro que cada povo protege os seus bens culturais, sua língua, hábitos e
costumes, mas isto no mundo moderno não basta e é necessário que haja a
intervenção do direito e das leis. Assim, no Brasil, desde 1937, a lei protege
os bens culturais por meio do instituto do tombamento, que é um registro em
livro próprio no qual se descreve o bem cultural que integra o patrimônio
cultural brasileiro. É o Decreto-lei n° 25, de 30 de novembro de 1937.
A
Constituição de 1988 reforçou essa proteção e definiu como patrimônio cultural
brasileiro “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Nisso evidentemente
incluiu as diversas culturas indígenas e, para não deixar dúvidas sobre a
abrangência do conceito, especificamente incluiu os documentos e sítios históricos
dos quilombos.
Dessa
forma, no Brasil, cada povo - indígena, cigano, quilombola e demais populações
tradicionais - tem seu patrimônio cultural protegido, porque, de uma ou outra forma,
são formadores da sociedade brasileira. É claro que para que esses bens
culturais sejam protegidos é sempre necessária a criação de um suporte
material, como um filme, fotografias etc. Portanto, o trabalho de proteção deve
ser feito pela liberdade e espaço para que se manifestem e também pela guarda
de suportes adequados.
Existem
leis brasileiras e convenções internacionais de proteção. Entre as nacionais
mais importantes estão o Decreto-lei n° 25 (lei de Tombamento), de 30 de
novembro de 1937, a lei n°3.924, de 26 de julho de 1961 (monumentos Arqueológicos)
e o Decreto n° 3.551, de 4 de agosto de 2000 (registro de bens imateriais).
Entre as Convenções, estão a que constitui o Patrimônio Cultural da humanidade (Unesco,
1972) e a que salvaguarda o patrimônio cultural imaterial (Unesco, 2003). Há,
ainda, no Brasil, leis estaduais e municipais.
Almanaque Brasil Socioambiental (2008)
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