MP
cobra cumprimento de medidas de reparação a atingidos por tragédia de Mariana
Diferentes segmentos do Ministério
Público e da Defensoria Pública se articularam para questionar violações que
estariam sendo cometidas contra os atingidos da tragédia de Mariana (MG). Elas
expediram uma recomendação à mineradora Samarco, às suas acionistas Vale e BHP
Billiton e à Fundação Renova, em que elencam direitos dos impactados que
estariam sendo desrespeitados. Entre eles, citam a dificuldade de acesso à
informação, a negação do auxílio emergencial a algumas pessoas e a falta de
negociação sobre as indenizações.
O documento, expedido em 26 de março, é
assinado pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho
(MPT), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do
Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública de
Minas Gerais e Defensoria Pública do Espírito Santo. O prazo dado para a
resposta das mineradoras é de 20 dias a partir do recebimento da recomendação.
A tragédia de Mariana, em novembro de
2015, ocorreu em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, pertencente à
mineradora Samarco. Na ocasião, foram liberados no ambiente cerca de 39 milhões
de metros cúbicos de rejeitos, que provocaram devastação da vegetação nativa,
poluição da Bacia do Rio Doce e destruição de comunidades. Dezenove pessoas
morreram. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do país.
Para reparar os prejuízos, o governo
federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco, a Vale e BHP Billiton
assinaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). Trata-se de um
acordo que prevê um investimento da ordem de R$ 20 bilhões ao longo de 15 anos.
O TAC vem sendo implementado, mas é contestado pelo MPF em uma ação que tramita
na Justiça.
Um dos pontos negociados no acordo foi a
criação da Fundação Renova, organização que seria responsável pelas ações de
reparação, tendo uma gestão própria, mas financiada com recursos das
mineradoras. Além da recuperação ambiental, cabe a ela conduzir a concessão de
auxílios negociados, o cadastramento dos atingidos e a reconstrução das
comunidades destruídas, cujas obras ainda não se iniciaram.
Violações
De acordo com os órgãos, denúncias de
violações de direitos humanos vêm sendo apresentadas pelos atingidos. "A
recomendação visa alertar as empresas sobre a obrigatoriedade de cumprimento da
vasta legislação incidente sobre os vários aspectos do caso, que inclui
dispositivos constitucionais e tratados internacionais", informam em nota.
Umas das preocupações é com dificuldades
para o acesso à informação e o uso de dados. Ao aderir aos programas de
reparação, os atingidos estariam sendo obrigados a concordar com uma cláusula
que impõe multa de R$10 mil em caso de uso externo dos documentos. As
instituições cobram a revogação dessa cláusula. Também estariam sendo
fornecidas informações equivocadas, induzindo os atingidos a erro. Uma delas,
por exemplo, é a alegação de que o direito à reparação dos danos pode
prescrever, de forma a forçar a rápida aceitação das condições oferecidas pelas
empresas.
MPs e Defensorias acusam ainda a
Fundação Renova de condicionar o acesso ao programa de indenização à renúncia
do direito de propor futuras ações judiciais e até mesmo à renúncia de ações já
propostas. De acordo com as instituições, este comportamento viola o princípio
da justiciabilidade. Outro questionamento diz respeito a uma cláusula do TTAC,
que estabelece o direito a assistência jurídica dos atingidos que não possuem
condições de como arcar com tal custo. Os órgãos cobram a Fundação Renova o
custeio essa assistência, sem efetuar nenhum desconto no valor das
indenizações.
O cadastro dos impactados também é
motivo de questionamento. Os MPs e as Defensorias avaliam que o prazo fixado
para a Fundação Renova, até junho deste ano, é ilegal e consideram que todos os
pedidos de pessoas que se consideram atingidas devem ser analisados.
"Abstenham-se de usar recortes geográficos para impedir o cadastramento de
indivíduos que se entendem atingidos, haja vista a negativa ter de vir de forma
fundamentada e com análise caso a caso, sem utilização de critérios abstratos e
generalizados", recomendam.
Auxílio
emergencial
O TTAC instituiu ainda um auxílio
emergencial, que é pago mensalmente por meio de um cartão concedido a quem
perdeu renda em decorrência da tragédia. A quantia é de um salário mínimo,
acrescido de 20% para cada dependente, além do valor de uma cesta básica. O
benefício está assegurado ao menos até o final de 2018, conforme acordo
judicial assinado entre a Fundação Renova e o MPMG.
No entanto, existem casos de dificuldade
para acessar esse benefício como mostrou reportagem. Um deles é o de Adelina
Aparecida Coelho Rola, moradora do distrito de Gesteira, em Barra Longa (MG).
Ela fazia bordado para vender em uma feira e, além do rejeito levar toda a sua
produção, ela não teve condições de retomar o trabalho. A Fundação Renova
chegou a afirmar tinha dificuldades para reconhecer o trabalho informal.
Na recomendação, MPs e Defensorias
cobram que seja reconhecido "o direito ao cartão emergencial também em
situações nas quais as pessoas atingidas tenham tido suas rendas indiretamente
afetadas pelo desastre, ou em situações em que não tenham considerado a renda
familiar suficientemente afetada".
Outra irregularidade apontada envolve a
ausência de negociação sobre o valor das indenizações, restando aos atingidos a
única opção de aceitar ou não valores pré-determinados pela Fundação Renova,
com base em uma tabela que quantifica danos materiais e morais. Dessa forma, a
situação concreta de cada um estaria sendo desconsiderada.
O caso dos pescadores também foi
abordado. Eles devem receber pagamento de seguro-desemprego, uma vez que a
pesca está interrompida, mas só estão sendo reconhecidos como atingidos aqueles
que residem até um quilômetro dos cursos d’água e da região costeira afetados.
Além disso, mesmo alguns nessas condições enfrentam dificuldade por não
possuírem carteira emitida pelo Ministério da Pesca e Agricultura.
Outro
lado
Em nota, a Fundação Renova afirmou que
faz parte de um sistema formado por mais de 70 entidades comprometidas com a
reparação dos impactos causados pela tragédia. "A recomendação aborda
questões que já vêm sendo tratadas e estão passando por evoluções. Os reflexos
desses avanços nos programas são resultado de uma construção coletiva contínua.
A Fundação Renova prestará todas as informações sobre o avanço dos programas,
seguindo sua política de transparência e seriedade no trato com todos os
envolvidos", acrescenta o texto.
Por sua vez, a Samarco, a Vale e a BHP
Billiton divulgaram uma nota conjunta em que reiteram o compromisso com as
negociações em curso para realização de acordo com as partes envolvidas. As
empresas declararam que "os esforços de compensação e remediação estão a
cargo da Fundação Renova e foram definidos pelo acordo firmado com os entes
federativos da União e dos Estados do Espírito Santo e de Minas Gerais".
0 Comentários