Entre vaqueiros, o doutor Guimarães Rosa aguarda a comida ficar pronta: feijão, arroz, farinha e carne seca, incrementada por um pouco de pimenta. Foto: Eugênio Silva/Reprodução/O Cruzeiro
Personagem - Guimarães
Rosa (1908-1967)
“O
que melhor me alegra e entusiasma, todavia, aqui páginas a fora, é a repetida
presença dos ‘gerais’ belíssimos da minha terra, com as suas ‘veredas’
específicas. Esses ‘gerais’, que arrancham infindável paisagem, feitos de campos
e areiões e o agreste das chapadas – sempre o chão de arenito. Lá e além, um alagado,
pai de rios às vezes, marcado pelos buritis. Beirando os rios, e entre os rios
e as chapadas verde velho, vai dupla faixa atapetada, capim de um verde
infantil. São as veredas dos gerais. Quem mora na vereda é ‘veredeiro’, quem
mora nos gerais é ‘geralista’. O gado lá se chama ‘brabeza’. Ó seu Chico Jacinto,
lhe compro a sua ‘brabeza’. A quanto? – A cinquenta mil réis por cabeça, quanto
o senhor puder agarrar... E indo, e indo, nunca se afastando da água, se alonga,
os buritizais. Cada buriti é um rei, e há reis em multidão. Aos gritos, às centenas,
vivos, verdes, nos cachos de cocos, bicam e revoam maitacas, sofrês e
periquitos...”
(Trecho do prefácio
de João Guimarães Rosa ao livro inédito Gerais e cerradões de Alexandre Barbosa
da Silva, escrito em 1946 e publicado na Revista do Brasil, ano 1, no 1, Rio de
Janeiro, 1984, pág. 35.)
Escritor
consagrado, João Guimarães Rosa nasceu no Cerrado, em 1908, na pequena
Cordisburgo, cerca de 100 km de Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais.
Autor do romance Grande Sertão: Veredas, considerado um dos maiores clássicos
da literatura brasileira, Guimarães Rosa se definia como homem do sertão e nele
se inspirava para criar seus personagens e histórias. “Eu carrego um sertão
dentro de mim e o mundo no qual eu vivo é também um sertão”, escreveu em 1991,
na revista Manchete.
Em
Grande Sertão: Veredas, ele conta a história do jagunço Riobaldo em suas
andanças pelo sertão mineiro. O romance é rico em neologismos e invenções narrativas
e se constrói sobre uma rebuscada poesia nascida do falar regional mineiro. Guimarães
Rosa, além de escritor, formou-se em medicina, profissão que exerceu por alguns
anos. Depois, fez concurso para o instituto Rio Branco e tornou-se diplomata.
Tanto
Riobaldo quanto Manuelzão, personagem principal da novela Uma Estória de Amor,
têm muito do vaqueiro Manuel Narde, o Manuelzão, amigo e companheiro de viagens
do escritor. Segundo Manuelzão, Guimarães Rosa, nas vezes em que o acompanhou
pelo sertão, fazia perguntas incessantemente. “Ele perguntava mais que padre”, anotando
compulsivamente as informações sobre os elementos naturais e humanos daquelas
regiões: plantas, receitas, mitos, casos, histórias etc.
Além
do Grande Sertão, sua obra inclui Magma (poemas, 1936), Sagarana (contos,
1946), Com o Vaqueiro Mariano (1947), Corpo de Baile (contos, 1956), Primeiras
Estórias (contos, 1962), Tutaméia – Terceiras Estórias (contos, 1967), bem como
as publicações póstumas Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970).
Fonte: Almanaque Brasil Socioambiental (2008)
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