ABOLIÇÃO
DA ESCRAVATURA BRASILEIRA
Escrito por Diogo Abreu Leão /Portal Politize!
Escrito por Diogo Abreu Leão /Portal Politize!
Data da assinatura da Lei Áurea, o 13 de
Maio é comemorado como o Dia da Abolição. Sendo comum conferir à Princesa
Isabel a responsabilidade quase total pelo evento. Entretanto, a abolição da escravatura ocorreu
gradualmente, com suas discussões se desenrolando ao longo de todo o período
imperial. É interessante perceber que a data sequer é comemorada pelo movimento
negro. Isto em decorrência dos termos em que se deu a libertação dos escravos.
Liderado por interesses nacionais, mas sem
ignorar pressões externas, o abolicionismo era mencionado desde o tratado de
reconhecimento da independência. Sendo alvo de várias iniciativas nas décadas
seguintes. Você conhece os detalhes do processo da abolição da escravatura, que
repercute até hoje?
A
PRESSÃO INTERNACIONAL DO SÉCULO XIX
Ainda enquanto domínio português, o
território brasileiro sofria pressões pela abolição do tráfico de escravos,
especialmente por parte da Inglaterra. Se na primeira metade do século XIX as
discussões concentravam-se na abolição do tráfico humano, somente a partir de
1850 cresceram as pressões, no sentido de proibir a própria escravidão.
No século anterior, a Inglaterra fora
pioneira na Revolução Industrial e tinha grande interesse na busca de novos
mercados para seus produtos. Além disso, saiu das Guerras Napoleônicas,
encerradas em 1815, como principal potência marítima do mundo, segundo o
historiador Eric Hobsbawn. A maior parte dos escravos era transportada pela via
marítima a partir do continente africano e este comércio era um dos negócios
mais lucrativos da época. Assim, a força da marinha britânica tinha capacidade
de exercer forte pressão sobre esse comércio.
Os interesses ingleses eram múltiplos e
não se concentravam em preocupações humanitárias. Na verdade, o tráfico possuía
forte impacto sobre os interesses econômicos britânicos. Isto porque poderia
reduzir os custos de produção de países concorrentes e afetar os mercados
consumidores de produtos britânicos, pois o fim do tráfico liberaria
expressivas quantidades de capitais, que poderiam ser utilizados em outras
áreas. Assim, a Inglaterra exerceu forte pressão pelo fim do comércio de
escravos que, nesse período, não se confundia com o fim da escravidão.
Já em 1815, no Congresso de Viena que
encerrou as Guerras Napoleônicas, Portugal tinha como um de seus principais
interesses adiar a abolição do tráfico, que era a principal fonte de mão de
obra no território brasileiro. No Congresso, ficou acertado que o tráfico
ficaria proibido ao Norte da Linha do Equador, garantindo a manutenção do
transporte entre a África e o Brasil.
A Independência do Brasil, proclamada em
1822, só foi reconhecida por Portugal em 1825, com o auxílio da mediação
inglesa. Como resultado da negociação trilateral, o recém independente Brasil
renovou tratados de comércio que Portugal havia firmado com a Inglaterra, nos
quais ficou estipulado o compromisso com o fim do tráfico até 1830.
Em 1831, a chamada Lei Feijó estipulou o
fim do tráfico de escravos do Brasil, como prometido aos britânicos. Ela
“Declara livres todos os escravos vindos de fora do Império, e impõe pena aos
importadores dos mesmos escravos”. Mas a medida teve pouquíssima aplicabilidade
prática, motivo pelo qual ficou conhecida como (dando origem à expressão) “para
inglês ver”.
De fato, em 1822, período da Proclamação
da Independência, cerca de um terço da população brasileira era formada por
escravos. Em 1850, os escravos compunham 30% dos cerca de 7,5 milhões de
habitantes. O que demonstrou um aumento em seu número absoluto (dados do livro
A Ordem do Progresso).
AS
CONTROVÉRSIAS POLÍTICAS
Seria muito difícil associar
automaticamente a questão abolicionista a um determinado partido político. De
fato, embora fosse uma reivindicação eminentemente liberal, as principais leis
abolicionistas foram aprovadas por gabinetes liderados pelo Partido
Conservador. Sendo este partido menos coeso sobre a questão.
Na verdade, poderíamos traçar uma batalha
parlamentar que se dava entre três grupos principais: os escravistas, que
defendiam a manutenção da escravidão; os emancipacionistas, que buscavam a mera
libertação jurídica dos escravos (e foram o grupo vitorioso); e os
abolicionistas, que apoiavam não apenas a libertação, mas a concessão de
direitos aos ex-escravos, com sua plena inserção na sociedade.
Aos grupos parlamentares somavam-se
revoltas negras, como a muito conhecida Revolta dos Malês. Bem como movimentos
populares, que faziam propagandas em jornais e organizavam compras de
alforrias. Nomes como os de André Rebouças, Abílio Borges, Luiz Gama, José do
Patrocínio ou Joaquim Nabuco desempenharam funções importantes no ativismo pela
abolição.
Para a classe dominante, um argumento
corrente era que se devia realizar uma “abolição por cima”, evitando risco de
subversão. De fato, uma expressão muito utilizada para o período é o “receio do
haitianismo”. Fazendo alusão ao medo de ocorrer no Brasil rebelião similar à
que permitiu a independência do Haiti. Que foi liderada por escravos contra
seus senhores.
Assim, essa classe dominante alegava que
uma libertação legal daria margem a uma ideia de direito, favorecendo
reivindicações e rebeliões que colocariam em risco a própria integridade
brasileira. Defendia, então, que deveria ocorrer uma libertação concedida pelos
senhores de escravos, que fosse vista como um ato de generosidade e favorecesse
a obediência.
O FIM
DO TRÁFICO: LEI EUSÉBIO DE QUEIROZ
A Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, foi
responsável pelo fim do tráfico de escravos, após a aplicação quase inexistente
da Lei Feijó. Na verdade, o período entre 1831 e 1850 seria marcado pela
intensificação do tráfico, o que reduziria a oposição à Lei Eusébio, dada a
grande disponibilidade de mão de obra escrava e o alto nível de endividamento
dos latifundiários.
A Lei de 1850 seria aprovada sem grande
oposição durante a “Trindade Saquarema”, um gabinete liderado pelo Partido
Conservador, sendo uma das prioridades dos ministros da Justiça e dos Negócios
Estrangeiros, Eusébio de Queiroz e Paulino José Soares de Sousa.
O tema era especialmente relevante após a
Lei Aberdeen, de 1845, que permitia a abordagem a navios suspeitos de
transportarem escravos. A lei seria considerada um desrespeito à soberania
nacional e fortemente criticada no Brasil, causando embates com a Inglaterra,
em virtude de suas abordagens a navios brasileiros.
Os motivos do embate podem ser percebidos
pelo nome original da lei, chamada de “Brazilian Act” (algo que poderia ser
traduzido como a “Lei do Brasil”), em clara intervenção sobre assuntos
domésticos. Como forma de evitar as abordagens inglesas, o Brasil chegou a
recorrer à utilização de navios estadunidenses no transporte, os chamados
“clippers”, a fim de evitar a fiscalização. Essa Lei funcionaria como uma forma
de pressão que não podia ser ignorada, embora oficialmente a abolição já
houvesse ocorrido.
Em 1850, o Brasil entraria em guerra com
Juan Manuel Rosas, então líder da Confederação Argentina. A busca pela simpatia
internacional à causa brasileira favoreceria mais o fim do tráfico, que sofreu
influência de pressões estrangeiras.
LEIS
ABOLICIONISTAS
Em 1871, a Lei Rio Branco, popularmente conhecida como “Lei do Ventre Livre”, enfrentaria dificuldades maiores em sua
aprovação, em um contexto de fortalecimento dos movimentos abolicionistas. A
década de 1860 desempenharia importante função nesse sentido, com a abolição
ocorrendo nos EUA no pós-Guerra de Secessão (1861-1865). Além da participação
de negros nos batalhões brasileiros de voluntários da pátria, na Guerra do
Paraguai, sob promessa de alforria.
A Lei do Ventre Livre permitiria que os
filhos de escravos permanecessem com seus senhores até os 08 anos, quando estes
optariam por manter sua posse até os 21 anos ou entregá-los ao Estado, mediante
indenização pelo governo. Previa ainda a possibilidade de processos por
maus-tratos, restringindo a permissão de castigos corporais. A criação de
organizações e a promoção de eventos destinados a estimular a libertação de
escravos exerceram outra fonte de pressão pela abolição.
Por sua vez, havia forte resistência de
latifundiários, que pleiteavam o fim natural da escravidão. Por um lado, se
estava proibido o tráfico, não seria possível a entrada de novos escravos em
território brasileiro. Por outro, a Lei Rio Branco impedia o crescimento
natural dentro do Brasil. Assim, segundo eles, o fim ocorreria naturalmente.
Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe ficaria conhecida como “Lei dos Sexagenários”, representando mais uma tentativa de
negociação que um avanço abolicionista. A Lei Saraiva-Cotegipe previa a
alforria dos idosos, aos 60 anos (podendo chegar aos 65), mas garantia o
direito à indenização dos senhores de escravos.
É possível afirmar que a Lei dos
Sexagenários representou um retrocesso em relação a outros projetos apresentados
na Assembleia Legislativa. Isto porque estes outros projetos previam a alforria
sem indenização. De poucos efeitos práticos, faria concessão aos abolicionistas
no sentido de proibir o tráfico interprovincial, que crescera substantivamente
após 1850. Contudo, não seria suficiente para conter um movimento abolicionista
radical. Que desejava uma abolição completa imediata, que conferisse direitos
aos libertos e garantisse sua inserção na sociedade.
Em 1884, os estados do Ceará e do Amazonas
aboliram individualmente a escravidão, aumentando a pressão sobre o Império.
Assim, às vésperas da abolição, o Vale do Paraíba seguia como a única zona
ainda apegada à escravidão, o que pode ser percebido pela aprovação da Lei
Áurea com grande maioria no Congresso.
A Lei
Áurea, em 1888, formalizaria a abolição, no momento em que a proporção de
escravos já se reduzira substantivamente. Se o censo populacional de 1872
apontava que 15% dos cerca de 10,1 milhões de habitantes brasileiros eram
escravos, em 1887 estima-se que somente 700 mil dos 14,3 milhões de pessoas
ainda eram escravos (cerca de 5%).
LEGADO
DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
A Lei Áurea foi apenas o culminar de um
processo de abolição que ocorreu de forma gradual, ao longo de boa parte do
século XIX. Na verdade, não é possível afirmar que esse processo já esteja
encerrado, com diversos debates acerca da “escravidão moderna”. Ou de
“condições de trabalho análogas à escravidão”.
A Abolição Brasileira contou com muitos
marcos legais, ocorridos em contextos diversos, com peculiaridades próprias.
Expressando os embates internos e as pressões internacionais sobre o tema,
deixando legados de várias naturezas.
Já em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz foi
acompanhada de uma Lei de Terras e do incentivo à imigração. Buscando favorecer
a substituição da mão de obra escrava pela assalariada.
Ao final do Império, a Lei Áurea teve
efeitos distintos. Por um lado, não foi capaz de garantir direitos aos
ex-escravos, permitindo a marginalização social do negro. Por outro, não
satisfez os latifundiários, que não receberam indenizações por seus escravos.
Muitos dos quais aderindo ao Movimento Republicano, ficando conhecidos como
“Republicanos de última hora” e auxiliando na derrocada da Monarquia.
A abolição brasileira foi a última da
América Latina e teve influência sobre a Proclamação da República. Sendo um
tema rico e de grande validade para os interessados na história brasileira e
seus impactos sobre a atualidade.
Fonte: http://www.politize.com.br
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