VOTO DE CABRESTO: HISTÓRIA E PRÁTICAS ATUAIS
Escrito por Eduardo Belém de Andrade Neto/Portal Politize!
Instrumento
da soberania popular, o voto representa o meio pelo qual exercitamos o sufrágio
universal, ou seja, o direito de votar e ser votado. É por meio dele que
elegemos nossos representantes políticos em âmbito municipal, estadual e
federal. Atualmente, o art. 14 da Constituição Federal de 1988 prevê o voto
direto e secreto, com valor igual para todos. Porém, nem sempre foi assim!
Diferente
do atual texto constitucional, a Constituição de 1891 previa o voto aberto (não
secreto), em que era possível ver em qual candidato o eleitor iria votar.
Diante desse contexto e somado a outros fatores daquela época, o “voto de
cabresto” tornou-se uma ferramenta poderosa utilizada pelos coronéis durante a
República Velha (1889-1930). Mas, afinal, o que foi esse tal voto de cabresto?
Em qual contexto histórico e legal ele está situado? Qual a sua relação com os
coronéis? E ele ainda existe?
Todas
essas respostas nós vamos encontrar – a partir de agora – em uma breve viagem
pela nossa história!
VOTO DE CABRESTO: CONTEXTO HISTÓRICO E LEGAL
Em 15 de
novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca proclama a república, marcando
o fim da monarquia. Logo depois, em 1891, a segunda Constituição do Brasil era
promulgada, consolidando a forma de governo republicana em substituição à
monárquica. Diferente da Constituição de 1824 (Brasil Império), em que o voto
era baseado em renda (na prática, só os ricos podiam votar), a Constituição de
1891 (Brasil República) estabelece o voto universal masculino, mas deixando de
fora: mulheres, analfabetos (maioria da população daquela época), menores de 21
anos, entre outros. Percebeu alguma contradição? Isso mesmo:
representatividade! Ou melhor, a falta dela.
Uma das
características da forma de governo republicana é exatamente a participação
popular e sua representatividade na definição de políticas públicas, o que não
aconteceu em 1891. Tudo isso contou com o respaldo doutrinário do liberalismo
clássico. Mas como assim? Alguns anos antes de sua promulgação, ocorreu o fim
da escravidão (1888), surgindo assim um novo contingente de potenciais
eleitores. A partir daí, surgiu a necessidade de aperfeiçoamento de mecanismos
que garantissem a ampliação formal da participação política, mas que ao mesmo tempo
pudesse excluir – na prática – as classes menos favorecidas. Em resumo: todos
poderiam votar, desde que alfabetizados – em uma população predominantemente
analfabeta, rural e de escravos recém-libertos.
Feita
essa breve contextualização legal e histórica, vamos entrar no cenário político
e econômico em que o “voto de cabresto” tornou-se regra. Vamos lá?
AS FORÇAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS DA ÉPOCA
Já vimos
que o voto durante a República Velha era algo restrito às elites. Mas quem era
a elite daquela época? Os grandes fazendeiros donos de terras. Esse domínio
econômico e político da elite agrária ficou conhecido como coronelismo, tanto é
que a República Velha é lembrada até hoje como a república dos coronéis.
O
coronelismo sustentava o predomínio das oligarquias (sistema político
concentrado na mão de poucos) na República Velha. Como elite endinheirada
daquela época, os coronéis eram os grandes proprietários rurais com autoridade
política e econômica na região. A figura do coronel predominava na vida social
da região: era patrão, padrinho de casamento, padrinho de batismo… No final das
contas, todos tinham alguma relação com o coronel e deviam favores e obediência
às suas determinações.
Diante
dessa dependência, o povo tornou-se moeda de troca em negociatas políticas com
as oligarquias estaduais, representadas principalmente pelos governadores. Essa
rede de favores fez parte do sistema de trocas que ficou conhecida como
“política dos governadores” e funcionava da seguinte forma: na esfera
municipal, em troca de verbas e benefícios, o coronel garantia os votos em seu
“curral eleitoral” para eleger o governador. Por sua vez, na esfera estadual, o
governador de estado, em troca de apoio político e financeiro, garantia os
votos para a eleição do governo federal. No final das contas, esse sistema
viabilizou alternância de mineiros e paulistas na Presidência da República, o
que ficou conhecido como “política do café com leite”.
Continue
com a gente, pois agora vamos entender o que foi e como funcionava o voto de
cabresto!
VOTO DE CABRESTO: O QUE FOI E COMO FUNCIONAVA
O voto de
cabresto foi a ferramenta utilizada pelos coronéis para controlar o voto
popular, por meio de abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da
máquina pública. As regiões controladas politicamente pelos coronéis eram
conhecidas como currais eleitorais, sendo o povo coagido a votar nele ou no seu
candidato. Eram verdadeiros espaços de mando e desmando, onde a decisão dos
coronéis locais determinavam a ação da população.
Como já
vimos, o voto naquela época era aberto, de tal modo que era possível ver em
quem o eleitor iria votar. Valendo-se dessa “brecha legal”, os coronéis
deslocavam jagunços para os locais de votação para ver em quem qual candidato o
eleitor iria votar. Caso contrariasse os interesses dos patrões, o eleitor
sofria retaliações, como: agressões físicas, perda do emprego, despejos de suas
casas e suas famílias eram castigadas.
O voto
aberto, somado às retaliações dos coronéis caso o povo contrariasse suas
ordens, daria um resultado previsível. Um solo fértil para a manipulação e
fraude das eleições. Os analfabetos não votavam (lembram?), porém os coronéis
davam um “jeitinho”: como uma das práticas de fraudes, eles entregavam aos
empregados um papel que já estava preenchido com o nome do candidato, restando
apenas depositá-lo na urna de votação. O transporte aos locais de votação
também eram garantidos por esses coronéis.
Além
disso, a prática da compra de votos ou troca por bens materiais era mais uma
maneira de fraudar as eleições. O eleitor trocava seu voto por um favor, como
um bem material (sapatos, roupas e chapéus) ou algum tipo de serviço
(atendimento médico, remédios, verba para enterro, matrícula em escola, bolsa
de estudos). A venda, por sua vez, se dava por pequenos interesses, promessas
particulares dos oligarcas aos pobres, camponeses e empregados locais. E se
nada disso garantisse a lealdade do voto, a violência seria usada como forma de
convencimento.
O
controle das oligarquias só foi abalado com o próprio desenvolvimento dos
centros urbanos brasileiros. Com o passar do tempo, o meio rural e os
instrumentos de dominação ligados a esse espaço cederam lugar para novos grupos
sociais também interessados em ampliar sua ação política.
Com a
Revolução de 1930 e a chegada de Getúlio Vargas à presidência do país, isso
ficou ainda mais evidente. Mas afinal, o coronelismo acabou? Consegue
identificar práticas atuais semelhantes ao voto de cabresto? Vamos em frente!
COMO IDENTIFICAR O VOTO DE CABRESTO NOS DIAS
DE HOJE
Do final
da república dos coronéis até os dias de hoje, muita coisa mudou. Hoje o voto
não é mais aberto, não há mais como saber em quem o eleitor votou, então é
possível escolher de forma livre e direta o candidato preferido. Porém, na
prática, podemos identificar situações que nos remetem a um voto de cabresto
moderno, mesmo com tantos avanços e conquistas.
O
fenômeno ocorre com maior frequência em cidades do interior brasileiro, onde a
principal fonte de renda é a prefeitura. As pessoas podem se ver obrigadas a
votar em determinado candidato, talvez não mais pela coerção física, mas sim
pela força psicológica, o medo. O medo de se verem sem o emprego e,
consequentemente, sem renda paralisa as pessoas que preferem votar em quem lhes
é imposto do que enfrentar o poder em prol de seus ideais.
Outros,
por sua vez, diante da realidade de miséria em que vivem, “optam” por aquele
candidato que possa suprir suas necessidades básicas em um curto prazo, por
exemplo: entrega de cestas básicas, pagamento de despesas com água e luz,
compra de material de construção, promessa de emprego, entre outros. Tudo isso
se configura como um voto de cabresto moderno.
Contudo,
graças ao fortalecimento da Justiça Eleitoral, tais práticas são denunciadas e
seus responsáveis punidos. Até outubro de 2017, desde as eleições de 2016
(eleições municipais), 49 governantes já haviam perdido o cargo por problemas
como compra de voto, abuso de poder econômico e político e propaganda eleitoral
irregular.
VOTO DE CABRESTO: REFLEXÃO DO QUE FOI VISTO
Finalizada
a leitura, podemos identificar em qual contexto histórico e legal o voto de
cabresto estava inserido e como ele foi importante para o avanço da “política
dos governadores”. Vimos a contradição imposta pelo liberalismo clássico, o
qual fez surgir uma República sem representatividade popular, visto que mulheres,
analfabetos (maioria da população da época), mendigos, entre outros, não
poderiam votar, conforme previa a Constituição de 1891.
A figura
central dessa história foram os coronéis, elite agrária da época. E em uma
posição secundária, estava a população sujeita às determinações e
arbitrariedades dos coronéis, sendo vista como “currais eleitorais”. Os
resultados das eleições eram manipulados: compra de votos, repressão física e
até mesmo mortos e analfabetos participavam do processo eleitoral.
Porém,
apesar da consolidação atual das instituições democráticas, ainda podemos
identificar práticas análogas ao voto de cabresto da república dos coronéis.
Durante o período eleitoral, principalmente nas cidades do interior, candidatos
utilizam diversos meios ilegais para manter o poder nas mãos de uma elite
política local: entrega de cestas básicas, distribuição de material de
construção, obras pela cidade às vésperas da eleição e, é claro, a compra do
voto.
Em
outubro deste ano, teremos mais uma oportunidade de eleger nossos
representantes na esfera federal e estadual. E só por meio do voto consciente e
independente, poderemos sonhar com uma democracia verdadeiramente
representativa.
Fonte: http://www.politize.com.br
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