MEIO
AMBIENTE
Cerrado:
não vão despolitizar nossa pauta!
por
Bianca Pyl
O Cerrado tem conseguido ganhar espaço na
mídia de massa, o que é muito bom para a sociedade em geral conhecer a
importância desse bioma que é a savana mais rica em biodiversidade no mundo.
Termos como o berço das águas, caixa d’água do Brasil, e floresta invertida
estão se popularizando. Olhos antes voltados só para a Amazônia, agora entendem
que há mais biomas fundamentais para o equilíbrio ambiental – na realidade
todos têm sua importância.
O grande problema é que muito da
informação que tem circulado despolitiza a pauta de conservação do Cerrado e de
seus povos, isto é, quer tirar a responsabilidade de quem de fato tem agido
para desmatar o bioma, secar e poluir rios e expulsar comunidades de seus
territórios.
O Fórum Mundial da Água, realizado em
março em Brasília, mostrou bem isso nos discursos empresariais que defendiam a
privatização da água como a melhor forma de “preservá-la”. Durante o evento, o
ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, afirmou que
90% da produção agrícola no país utilizam água das chuvas. Faltou só o ministro
dizer qual a fonte desse dado. A Organização das Nações Unidas (ONU) revela que
aproximadamente 70% de toda a água disponível no mundo é utilizada para
irrigação. No Brasil, esse índice chega a 72%.
Se olharmos para um episódio de conflito
pela água que aconteceu em Correntina, em novembro de 2017, região Oeste da
Bahia, podemos ver o tamanho da discrepância entre consumo das pessoas e
consumo de grandes fazendas. O município, com 30 mil habitantes – segundo o
IBGE, consome 3 milhões de litros de água por dia, enquanto uma só fazenda
consome 106 milhões. A diferença é absurda e é um dos motivos do esgotamento de
rios na região.
A população de Correntina se mobilizou e
está exigindo do poder público que revogue a autorização para a fazenda captar
essa quantidade de água do rio Arrojado. Contudo, poucos veículos de
Comunicação fizeram uma cobertura mais aprofundada do caso, muitos focaram só
no protesto dos moradores, classificando todos como “vândalos” ao ocupar a Fazenda
Igarashi para protestar. O Ministério Público da Bahia e o Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio Corrente recomendaram ao Instituto de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos (INEMA), órgão do Estado da Bahia, que não concedesse
outorgas para grandes empreendimentos na bacia do Rio Corrente – da qual o
Arrojado faz parte -, o que não foi acatado.
Disputa
de narrativa
Algumas matérias veiculadas na imprensa
falaram de forma poética sobre a “ação humana” que desmatou mais da metade da
vegetação nativa do Cerrado. Mas, as reportagens não mostram que onde era
Cerrado hoje é plantação de soja, pasto para criação de gado, plantação de
eucalipto. As pautas não aprofundaram como essa mudança de vegetação afeta
drasticamente o bioma e ciclo da água, só para citar um exemplo. O Cerrado foi
devastado porque pessoas lucraram com isso, não foi a “ação humana
desinformada”, foram empresas multinacionais e nacionais do agronegócio com
anuência de diversos governos, desde a ditadura militar.
As áreas protegidas (unidades de
conservação e terras indígenas), somam apenas 8,2% do bioma. A área plantada
com soja na região conhecida como MATOPIBA (abreviatura dos estados Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia) cresceu 253% entre 2000 e 2014, sendo que cerca de
68% dessa expansão ocorreu em áreas de vegetação nativa.
No período 2000 a 2014, a área cultivada
com soja, milho e algodão no Cerrado passou de 9,33 para 17,43 milhões de
hectares (Mha), correspondendo a um aumento de 86,7%, com predomínio da soja,
que representa 90% do total da área das três culturas avaliadas na safra
2013/14[1].
Recentemente o Ibama aplicou multas de R$
105,7 milhões a grandes empresas multinacionais do agronegócio – entre elas
Bunge e Cargill – durante a Operação Shoyo Matopiba. Durante a operação, foram
apreendidas mais de 5 mil toneladas de soja (84 mil sacas) de soja produzida
com descumprimento da lei.
Omissão
da constituição
A atual Constituição Federal reconhece a
Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense
e a Zona Costeira enquanto patrimônio nacional, somente Cerrado, Caatinga e os
pampas estão de fora, por omissão do governo.
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
está com uma petição que pede a aprovação da PEC 504 – que transforma o Cerrado
e a Caatinga em patrimônio nacional. A petição já conta com mais de 180 mil
assinaturas, inclusive com apoio de pessoas dos Estados Unidos e Europa –
locais que também têm ligação com o desmatamento do Cerrado e acirramento de
conflitos agrários (principalmente região conhecida como Matopiba).
A petição traz Pedro Piauí como
personagem, mas são muitas Fátimas, Marias, Catarinas, Antônios que lutam pela
manutenção de seus modos de vida e, consequente, a conservação do Cerrado. Eles
e elas empreendem iniciativas de recuperação de mata ciliar e nascentes, de
agrofloresta que alimenta e gera renda para suas comunidades. A Campanha
Nacional em Defesa do Cerrado te convida a conhecer a história desses povos e a
entender melhor como a vida deles está relacionada com a sua, te provoca a
buscar outras fontes de informação, a saber mais sobre as organizações criadas
e geridas por essas guerreiras e guerreiros.
Bianca
Pyl é coordenadora de Comunicação da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
Fonte: https://diplomatique.org.br
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