Alto Paraíso de Goiás (GO) - Área de cerrado desmatada para plantio no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)/Marcelo Camargo/Agência Brasil
Desmatamento
e ocupação desordenada ameaçam conservação do Cerrado
Com mais da metade de sua área degradada,
o Cerrado ainda aguarda o título de Patrimônio Nacional pela Constituição
Federal, como já obtido por outros ecossistemas do Brasil. Depois da Amazônia,
o Cerrado é o maior bioma da América do Sul. No Dia Mundial do Meio Ambiente,
especialistas alertam para os danos irreversíveis que o intenso processo de
degradação pode trazer não só para o bioma, mas também para a sociedade, ao pôr
em risco a disponibilidade de água e a regulação do clima.
O Cerrado se estende por mais de 2 milhões
de quilômetros quadrados (Km2) do território brasileiro, o que equivale a quase
24% do país. Contudo, a área com vegetação íntegra do bioma já foi reduzida a
cerca de 20% de sua cobertura original.
Um estudo do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (Ipam) mostra que em 15 anos o desmatamento no Cerrado
foi mais intenso que na Amazônia. De 2000 a 2015, o Cerrado perdeu 236 mil
quilômetros quadrados, enquanto a perda na Amazônia, bioma duas vezes maior,
foi de 208 mil quilômetros quadrados. Só no ano de 2015, o volume desmatado do
Cerrado correspondeu a mais da metade da área devastada da floresta amazônica.
“A gente vê a expansão do agronegócio de
maneira desenfreada no Cerrado, como se isso fosse totalmente natural. Esse é
um dos motivos de tentar chamar a atenção para essa situação do Cerrado, que é
um bioma que está se esvaindo rapidamente, sendo convertido em pastagens e
áreas agrícolas de uma maneira desordenada”, alerta a bióloga Nurit Bensusan,
coordenadora adjunta do programa de políticas e direitos do Instituto
Socioambiental (ISA).
Segundo relatório do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Cerrado é o bioma mais afetado nas
Américas pelas queimadas e pela produção de culturas como a soja e a
cana-de-açúcar. O processo de expansão da fronteira agrícola, com a exploração
predatória, como a produção de carvão vegetal e a pecuária, vem reduzindo
gradativamente a extensão do bioma nas últimas décadas.
Patrimônio
nacional
Para especialistas, o reconhecimento do
Cerrado como Patrimônio Nacional é fundamental para a conservação do bioma. A
Constituição de 1988 concedeu o título à Floresta Amazônica brasileira, Mata
Atlântica, Serra do Mar, ao Pantanal Mato-Grossense e à Zona Costeira e
estabelece que essas áreas e seus recursos naturais devem ser usados “dentro de
condições que assegurem a preservação do meio ambiente”.
Tramita desde 2003 no Congresso Nacional
uma proposta de emenda à Constituição que pretende incluir o Cerrado e a
Caatinga ente os biomas considerados patrimônio nacional. A PEC já foi aprovada
no Senado e aguarda, desde 2010, apreciação do plenário da Câmara dos
Deputados.
“Não faltam elementos para reconhecer a
importância do Cerrado como um ambiente fundamental para garantir a qualidade
de vida dos brasileiros, por outro lado, ele está sempre em desvantagem, as
políticas de conservação do Cerrado não são implementadas ou faltam políticas”,
avalia a bióloga Nurit.
“Ainda há um grande desconhecimento por
parte da população brasileira do que é a realidade de ocupação do Cerrado e
como este processo nos afeta. O reconhecimento como patrimônio nacional tem um
peso importante para sua proteção, não é uma questão local. A conservação do
Cerrado tem repercussões e benefícios para o Brasil inteiro”, completou a
professora Mercedes.
Fragmentos
As consequências da degradação poderão, no
futuro, inviabilizar o próprio agronegócio. A mudança no ambiente alterou o
regime de chuvas e de produção de alimentos no ecossistema que tem a maior
produção agrícola e pecuária do país.
“Metade do Cerrado foi destruída, mas o
que sobra dos outros 50% não são áreas inteiras, são áreas fragmentadas,
pequenas ilhazinhas de cerrado. E as áreas fragmentadas não conservam aquela
diversidade biológica, a mesma flora e fauna das áreas inteiras, mesmo que essa
área esteja protegida por uma unidade de conservação”, explica a bióloga Nurit.
“Essas áreas muito fragmentadas não têm
condições de sustentabilidade ou de continuar mantendo as funções ecológicas
que geram serviços importantes para o ser humano, como a disponibilidade de
água e regulação do clima”, completou Mercedes Bustamante, professora do
Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília.
As áreas desmatadas do Cerrado são
responsáveis ainda pela elevada emissão de gases de efeito estufa. Segundo
estudo recente do Observatório do Clima, em 2016, o desmatamento do Cerrado
emitiu 248 milhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa, volume que
corresponde a mais que o dobro da emissão da indústria e equivale a 11% de todo
o carbono que o Brasil lançou no ar no mesmo ano.
Meta de redução
Os dados mais recentes do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que a área desmatada no Cerrado
entre 2013 e 2015 foi de quase 19 mil quilômetros quadrados, uma média atual de
9,4 mil quilômetros quadrados por ano. Antes de 2008, essa média era de 15,7
quilômetros quadrados. Segundo o Ministério das Cidades, que coordena o
Programa de Monitoramento Ambiental dos Biomas Brasileiros, o resultado mostra
redução de 37% no ritmo de desmatamento.
O ministério ressaltou que o percentual se
aproxima da meta de redução em 40% do desmatamento do Cerrado estabelecida pela
Política Nacional de Mudança do Clima até 2020. Mesmo com a redução, a pasta
informou que “o governo continuará atuando até conter todo o desmatamento
ilegal no bioma”.
Diferentemente da Amazônia, o
monitoramento da degradação do Cerrado não é avaliado anualmente, mas, segundo
o Ministério do Meio Ambiente, ainda este ano serão lançados os dados
referentes a 2016 e 2017, e o Cerrado passará a contar com dados anuais. Também
está em fase de testes o chamado Deter Cerrado, que fará monitoramento em tempo
quase real do desmatamento, além de auxiliar nas ações de fiscalização.
O governo federal aprovou, em dezembro de
2016, a 3ª fase do chamado PPCerrado, plano de prevenção e controle do
desmatamento. O programa, que será implementado até 2020, prevê o ordenamento
fundiário e territorial, monitoramento e controle, promoção de cadeias
produtivas sustentáveis e instrumentos normativos e econômicos.
No âmbito da fiscalização, o Ministério do
Meio Ambiente informou que nos últimos 5 anos foram instaurados cerca de 2,3
mil processos de infração contra a flora. Foram feitas ainda ações de prevenção
e controle de incêndios florestais e foi implantado um sistema de monitoramento
da cobertura vegetal e outro de alerta de detecção do desmatamento.
Sobre a captação de recursos, o ministério
esclarece que em breve o Brasil poderá pleitear pagamento por resultados
alcançados na redução do desmatamento no Cerrado, assim como já é feito para a
Amazônia. O Fundo Amazônia dispõe de R$ 2,5 bilhões em pagamentos e já investiu
cerca de R$ 1,7 bilhão em projetos de combate ao desmatamento.
Alta
biodiversidade
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o
Cerrado abriga 5% da biodiversidade do mundo. É a savana com a maior
diversidade de árvores e onde vivem 12 mil espécies de plantas nativas, além de
mais de 2,5 mil espécies de animais, entre mamíferos, aves, peixes, anfíbios e
répteis, e cerca de 67 mil espécies de invertebrados. No entanto, 20% das
espécies nativas e endêmicas já não são encontradas nas áreas protegidas do
Cerrado, onde pelo menos 137 espécies de animas estão ameaçadas de extinção.
O ecossistema tem cerca de 60 unidades de
conservação, que protegem cerca de 8% da área total do bioma. Ele também é
considerado o berço das águas, pois concentra as nascentes das três maiores
bacias hidrográficas da América do Sul e a cabeceira de importantes rios, lagos
e córregos responsáveis pela distribuição de água no Brasil.
Apesar do grande volume de água, alguns
estados e o Distrito Federal estão enfrentando grave crise hídrica. “Se não
tiver de fato uma política de conservação voltada para manutenção de recursos
hídricos, a gente vai sofrer. Não se trata de inventar a roda, tem soluções que
poderiam ser feitas a curto prazo e com efeitos positivos. Uma delas é evitar
desperdício, pensar num uso mais sustentável da água na agricultura, em outro
modelo de agronegócio que combine conservação e produção, além de usar menos
agrotóxicos que poluem a água”, explica a especialista Bensusan.
Importância
social
A vegetação do Cerrado está presente nos
estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,
Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo, Distrito Federal, além de
ocorrências no Amapá, Roraima e Amazonas. Na área de Cerrado, vive cerca de 40%
da população brasileira e diferentes comunidades tradicionais, como indígenas,
ribeirinhos, os chamados geraizeiros (do Cerrado do norte de Minas Gerais), quebradores
de babaçu e quilombolas.
“Os povos do Cerrado são muito
importantes, porque têm formas de vida tradicionais ligadas à natureza e que
mantêm essa vegetação e essa fauna. À medida que os modos de vida dessas
populações colapsam, a ameaça ao Cerrado duplica, porque essas pessoas têm que
migrar para outras formas de uso da terra e dos recursos naturais que são mais
predatórias, além da própria ameaça ao modo de vida dessas pessoas”, analisa a
bióloga Bensusan.
Políticas
de conservação
Um grupo de ativistas e pesquisadores
socioambientais está elaborando um conjunto de recomendações de conservação do
Cerrado para ser entregue aos candidatos à Presidência da República. As medidas
serão definidas na próxima quarta-feira (7) em reunião prevista para listar os
principais pontos abordados no Seminário Estratégia Nacional para o Cerrado,
que ocorre nesta terça-feira na Câmara dos Deputados.
As medidas são reunidas em três eixos:
conservação da vegetação e dos recursos hídricos, defesa dos direitos das comunidades
e povos tradicionais e o desenvolvimento de um modelo de agronegócio
sustentável. Entre as recomendações, estão a revisão das metas do Plano de
Mitigação das Mudanças Climáticas e a criação de fundo de captação de recursos
para o Cerrado.
Estudos
Os pesquisadores também estão trabalhando
em conjunto com a Universidade de Brasília (UnB), que começou a desenvolver
este ano um projeto de sensoriamento remoto para estabelecer conexões entre
informações de segurança hídrica, energética e alimentar e as comunidades
tradicionais que vivem no Cerrado.
O projeto vai consolidar na forma de mapas
diferentes informações do bioma, por exemplo a variabilidade do clima nos
últimos anos e as projeções futuras de mudanças climáticas com os possíveis
impactos sobre a cadeia produtiva. Os primeiros resultados devem sair até o fim
deste ano e serão levados pelos cientistas aos gestores públicos para basear as
decisões sobre o tema.
“Hoje, a questão central do Cerrado é
fazer uma boa gestão territorial que permita você ter o desenvolvimento da
agricultura sem ocupar novos espaços e ao mesmo tempo garantir a segurança de
fornecimento de água, alimentos e a utilização racional dos recursos
energéticos nessa ocupação”, explica a professora Mercedes Bustamante,
coordenadora do projeto.
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