Intervenção
militar: Brasil passou por um dos períodos mais corruptos da história
Desinformação e enfraquecimento das
instituições são algumas das causas que explicam os pedidos da volta da
intervenção
Ana Carolina Caldas
Brasil de Fato | Curitiba (PR), 12 de
Junho de 2018 às 08:23
Recentemente a greve dos caminhoneiros
trouxe à tona novamente um fato que já vinha acontecendo em protestos de rua,
como a dos que se manifestaram contra o fim da corrupção, segurando cartazes e
faixas pedindo a volta da intervenção militar.
Isso acontece ao mesmo tempo que documentos de arquivos da Ditadura
Militar são revelados com dados estarrecedores, inclusive sobre corrupção,
enquanto o Brasil esteve sob este regime.
Foram 20 anos sob o comando dos militares,
sem eleição presidencial, com prisões, torturas bárbaras e mortes. Os que se
manifestam hoje a favor da Intervenção Militar, para especialistas e para quem
viveu a época, são frutos da desinformação histórica. Há uma ilusão de que sob
a conduta e intervenção dos militares, a gestão do país estaria em ordem.
Porém, é neste período que acontecem os maiores casos de corrupção, como por
exemplo, o da Transamazônica, uma obra bilionária inconclusa por parte dos
militares. No fim terminou sem asfalto e com menos quilometragem previstas,
custando aos cofres públicos US$1,5 bilhões de dólares.
Emerson Urizzi Cervi, professor de
Ciências Políticas da UFPR, cita a questão geracional, como uma das causas para
que o assunto volte. “Essa geração que
está pedindo por intervenção militar, na casa dos 30 os 40 anos pode ter
nascido sob o regime, mas não o viveu. Portanto não tem nenhum compromisso
histórico e não se sente responsável pelas consequências desta época no país”.
Somente agora dados reais sobre o que
aconteceu nesta época vêm sendo revelados. Cervi explica que o final do Golpe
Militar foi negociado entre forças políticas que estavam saindo e as que
estavam querendo entrar. “Não tivemos uma ditadura militar, tivemos uma
ditadura civil militar, uma parceria de militares com uma elite econômica
ascendente que queria acabar com o governo de João Goulart, que chamavam de
comunista. Portanto, vamos ter nesse regime, grandes casos de corrupção. Mas,
que nunca foram revelados, pois este era o acordo: não divulgar o que
aconteceu. Assim, tivemos uma transição negociada da democracia e a ilusão de
que não houve corrupção. O que não existia era transparência e fiscalização”.
Grandes
obras e o crescimento das Empreiteiras
O Coordenador do Grupo Tortura Nunca Mais,
Narciso Pires, lembra que empresas que vem sendo citadas em casos de corrupção
agora, encontraram terreno fértil no Regime Militar: “As pessoas não fazem
ideia do que foi a corrupção na ditadura militar, todas estas empresas, OAS,
Odebrecht, Camargo Correa, estas grandes empreiteiras se tornaram grandes deste
jeito no Regime Militar. Este modo operacional foi construído nessa época em
que tivemos o maior número de obras faraônicas, como Itaipu, Ponte Rio Niterói,
Angra dos Reis, com valores altíssimos de superfaturamento”. E continua: “A
Odebrecht era antes da Ditadura Militar uma empresa que se limitava a pequenas
obras. No Governo militar de Costa e Silva, passou de 19o. empresa para a 3a.
com maior faturamento”. Narciso foi militante, preso e torturado na Ditadura
Militar. Atualmente coordena o Grupo Tortura Nunca Mais, responsável em coletar
dados e depoimentos de pessoas que foram presas, torturadas e exiladas na
época.
Documentos
ingleses revelam corrupção dos militares
Recentemente documentos históricos da
Inglaterra revelaram que a ditadura brasileira se negou a fazer uma
investigação de corrupção na compra de navios ingleses. O governo inglês, em
1978, comunicou ao governo brasileiro a descoberta de superfaturamento na
compra de equipamentos e se ofereceu para devolver o dinheiro. O regime
militar, segundo os documentos, abriu mão de receber o valor desviado dos seus
cofres públicos e abafou o caso. A descoberta é fruto de pesquisas do
historiador brasileiro João Roberto Martins Filho, da UFSCAR.
Enfraquecimento
das instituições
Sob a Constituição, a Força Armada tem a
função de defesa nacional, porém subordinada à figura de uma autoridade civil,
no caso o Presidente da República. Cervi também relaciona o apelo a força
militar com o enfraquecimento das instituições: “Nossas instituições pós
Constituição de 88, que deveriam ser fortalecidas para serem instituições meio,
transformaram-se em instituições que querem substituir a política. Que querem
substituir a democracia. São instituições que não são eleitas, não tem controle
social nenhum, são burocratas que se sentem no direito de desqualificar a
política. De acabar com qualquer princípio democrático de cooperação e de
negociação“.
Nos anos anteriores ao início à Ditadura
Militar no Brasil, a então estudante de Pedagogia, Zélia Passos, vivia a
efervescência cultural dos anos 60: participou de um grupo de teatro político
que ia para as ruas de Curitiba, começou a se interessar pela Campanha de
Alfabetização iniciada no Governo João Goulart e chegou a levar o Método Paulo
Freire para dentro de comunidades carentes.
Conheceu na ações de luta o advogado e
militante Edésio Passos, pai dos seus filhos. Em 68, com o AI5, Zélia e sua
filha de 5 anos vão, na clandestinidade, para o Rio de Janeiro. Em 71, Edésio, em Curitiba, é preso e depois
levado para o Rio de Janeiro, onde foi submetido a interrogatórios a base de
tortura, especialmente em relação à Zélia, que fora presa em Curitiba, grávida
do seu segundo filho. Ela foi detida em dezembro de 1971. Grávida e encarcerada
chegou a ser hospitalizada e depois removida para uma sala no Hospital Militar
de Curitiba, onde ficou por vários meses. Sobre o que viveu, disse em
depoimento ao Grupo Tortura Nunca Mais, “que o ideal mais nobre de um ser
humano pode viver é o da liberdade. Você não se sentir dona da sua vida e que
outros vão decidindo seu destino, é muito ruim. Isso doía fisicamente",
relata. “Só quem viveu a perda da liberdade sabe o quanto doloroso é”,
finaliza.
Com informações com Grupo Tortura Nunca
Mais.
Edição: Laís Melo
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