MODELO
DE DESENVOLVIMENTO
Para além do crescimento econômico…
ACERVO ONLINE | BRASIL
por Diogo Ferraz e Daisy Aparecida do
Nascimento Rebelatto
A crise que afeta a economia brasileira
desde meados de 2014 impõe urgente reflexão sobre os caminhos para o
desenvolvimento do país. A história recente mostra que o ápice da melhora dos
indicadores econômicos em 2010, com taxa de crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) em 7,5% e taxa de desemprego em 7,4%, não foi suficiente para
sustentar uma conjuntura favorável para a continuidade da expansão econômica do
Brasil. Os indicadores macroeconômicos do último ano, como o crescimento pífio
de 0,7% do PIB e a estrondosa taxa de desemprego de 13,1% em 2017, demonstram
que não existem evidências sólidas de aquecimento da economia, que as medidas
ortodoxas não têm gerado resultado positivo o que faz com que, necessariamente,
este tema deva estar no centro do debate político durante a eleição
presidencial de 2018.
Embora o Governo Federal e o Congresso
Nacional demonstrem preocupação com a melhora dos indicadores macroeconômicos,
as medidas adotadas podem gerar retrocesso na área social e para o processo de
inovação do Brasil. O receituário ortodoxo, cuja eficácia é duvidosa, estimula
aplicação de tetos e cortes orçamentários bilionários, que no Brasil estão
previstos para os próximos 20 anos, e a privatização de áreas estratégicas para
o país. Este tipo de política leva à bancarrota importantes conquistas sociais,
direitos trabalhistas, acesso ao microcrédito, educação, saneamento básico,
moradia e ciência e tecnologia.
De que forma um modelo que retira do
Estado o papel de indutor do desenvolvimento da nação alcançará melhores
indicadores sociais? O modelo proposto tem penalizado trabalhadores urbanos,
mas principalmente, trabalhadores rurais, milhões de desempregados ou aqueles
que retornaram para a informalidade, assim como a mão de obra jovem, em
especial, os pobres e negros das favelas ou das cidades interioranas. Há de se
mencionar ainda a perda do poder de compra daqueles que recebem baixos
salários, os aposentados e as famílias que dependem de algum auxílio social,
pois são os primeiros atingidos quando a crise se instala. O resultado deste
cenário tem sido o aumento da violência, que migrou dos grandes centros urbanos
para, também, contaminar as pequenas e médias cidades, instalando uma crescente
sensação de insegurança social, econômica e política.
Deste engodo econômico com medidas
simplórias e dúbias em resposta às profundas questões da sociedade, nasce a
necessidade de discutir abertamente uma estratégia que priorize, de uma vez por
todas, a verdadeira inclusão social, tendo como base a diversificação dos
setores econômicos, de forma que a indústria brasileira retome sua participação
relativa no crescimento do país.
Embora o agribusiness no Brasil seja
importante para a economia, sabe-se que o modelo agrário-exportador possui
limitações [1], sendo suscetível a crises e a volatilidade internacional dos
preços das commodities, à incerteza em relação às safras e a promoção de postos
de trabalho que exigem pouca escolaridade, o que conduz para a baixa
remuneração [2]. De forma alguma se pretende menosprezar o setor agrícola
brasileiro, cuja importância está assentada na história do país. O que se
coloca em discussão é a possibilidade de diversificação da matriz produtiva e
um esforço na direção de aumento de valor agregado nos itens da pauta de
exportação, na mão contrária de recentes decisões macroeconômicas que têm
penalizado o desenvolvimento industrial e a inovação tecnológica.
Uma agenda governamental que priorize a
diversificação produtiva terá como resultado o aumento da complexidade
econômica do Brasil. Isto resulta na elevação da participação relativa de
setores tecnologicamente intensivos e na criação de novos setores como [3], por
exemplo, na área de biotecnologia, criando um impacto positivo para o
crescimento do PIB e, mais importante, no desenvolvimento social brasileiro.
Este fenômeno promissor pode ser esperado
porque, por um lado, os novos investimentos geram novos negócios, com a criação
de produtos inovadores, com maior valor agregado e competitividade
internacional. Por outro lado, a nova conjuntura a partir desta matriz
diversificada, requer trabalhadores tecnicamente qualificados e profissionais
com alto conhecimento em processos tecnológicos. Para acompanhar o processo, a
classe trabalhadora precisa de acesso à educação de qualidade, o que se reverte
em salários mais elevados. Além disso, a reformulação da estrutura produtiva
requer ainda o desenvolvimento de centros médios urbanos, com melhores condições
de saneamento básico, infraestrutura para a mobilidade urbana e para o
escoamento da produção, acesso da população aos centros hospitalares,
equipamentos médicos tecnológicos e centros educacionais de qualidade [4].
Estudos internacionais têm apontado que em
diversas sociedades a complexidade da economia possui maior impacto no
desenvolvimento humano do que o crescimento do PIB [4]. Outros estudos
demonstram que os países asiáticos como, por exemplo a Coréia do Sul, Japão e
Singapura, embora não tenham vivenciado taxas de crescimento chinesas,
conseguiram transformar sua matriz em centros produtivos de tecnologia com
competitividade internacional, absorvendo o conhecimento de empresas
estrangeiras e combinando o conhecimento adquirido com as atividades produtivas
das empresas nacionais. Junto com a reestruturação econômica e produtiva destes
países asiáticos, houve a transformação social que melhorou o capital humano, a
renda e a qualidade de vida dos cidadãos.
Quando se compara empiricamente a América
Latina com países asiáticos, entre 2010 e 2014, verifica-se que nenhum país
latino-americano foi socialmente eficiente em transformar complexidade
econômica em desenvolvimento humano [5]. O resultado mais preocupante é que,
dentre 26 países analisados, o Brasil conquistou a 23° posição, atrás de outros
países latino americanos como Cuba, Chile, Bolívia, Venezuela e Paraguai. Este
resultado se explica devido ao fato de o Brasil, apesar de possuir condições
para diversificar a matriz produtiva e transformar a sociedade, não tem
utilizado seus recursos de forma eficiente.
Indubitavelmente, a transformação
produtiva e a criação de novos setores requerem tempo, disponibilidade de
conhecimento e vontade política. No caso do Brasil, para que setores altamente
tecnológicos sejam criados, como para a produção de máquinas e equipamentos
hospitalares, vários anos de pesquisa e investimentos públicos e privados são
necessários. A partir desta constatação, é possível identificar a necessidade
de algumas ações. Primeiramente, há concordância de que a educação tem papel
central para o desenvolvimento do país e para a diversificação produtiva.
Entretanto, é importante destacar que a universidade pública, em conjunto com
as políticas de inserção das minorias sociais no ensino superior, é um dos
principais mecanismos para o alcance da elevação da complexidade econômica e
estabelecimento de um modelo inclusivo. Em segundo lugar, não haverá
transformação sem investimento adequado em centros de pesquisa, ciência e
inovação, o que não condiz com a atual estratégia do Governo Federal em
diminuir o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC). Neste ponto, é preciso compreender a importância de
desenvolver capital humano nas universidades brasileiras e promover parcerias
com centros internacionais de pesquisa. Por meio deste tipo de parceria, será
possível importar conhecimento tecnológico para o país. A terceira ação decorre
da necessidade de, no curto e médio prazo, aproveitar o conhecimento e o
know-how disponível no Brasil como, por exemplo, por meio de políticas que
promovam a inovação tecnológica na agricultura, gerando condições adequadas
para a criação de novos produtos com maior valor agregado e setores ligados à
Biotecnologia.
Percebe-se que a ideia de promoção de
complexidade econômica é essencial para o direcionamento de diversas políticas
públicas em diferentes áreas. Contudo, ainda é tímido este tipo de discussão
entre os pré-candidatos à Presidência da República em 2018. É preciso debater e
declarar nos Planos de Governo a estratégia de desenvolvimento, explicitando a
utilização dos instrumentos macroeconômicos para a consecução de políticas que
diversifiquem a estrutura produtiva, tornando a indústria brasileira mais
competitiva e que priorize a participação daqueles que historicamente
permaneceram à margem da sociedade.
Os holofotes durante debates políticos no
Brasil têm sido colocados em temas sobre corrupção, diminuição da participação
do Estado na economia, retomada do crescimento do PIB e continuidade das
políticas sociais estabelecidas nas últimas décadas. Neste sentido, é preciso
esclarecer que não há retomada do crescimento sem a presença do Estado
coordenando os diversos setores da economia. Por outro lado, as importantes políticas
sociais, que podem ter continuidade nos próximos governos, não são suficientes
para o alcance do patamar de país desenvolvido. Em outros termos, a forma do
atual debate político no Brasil é necessária, mas não suficiente para superar
problemas historicamente enraizados na sociedade brasileira.
O povo brasileiro clama por mudanças
profundas na área econômica, política e social. Entretanto, não pode se deixar
enganar por planos de governo momentâneos que não resolvem o cerne do problema.
É a estrutura produtiva que precisa ser sofisticada, em conjunto com o
desenvolvimento de uma estratégia socialmente inclusiva, de maneira a
estabelecer novas e promissoras diretrizes para o futuro da nação.
Diogo Ferraz, é Economista, pesquisador
visitante na Universität Hohenheim (Alemanha) e doutorando em Engenharia de
Produção na Universidade de São Paulo (EESC/USP).
Daisy Aparecida do Nascimento Rebelatto, é
Engenheira Civil, Doutora em Engenharia Mecânica e Professora Associada do
Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (EESC/USP)
Diogo Ferraz, é
Economista, pesquisador visitante na Universität Hohenheim (Alemanha) e
doutorando em Engenharia de Produção na Universidade de São Paulo (EESC/USP).
Daisy Aparecida do Nascimento
Rebelatto, é Engenheira Civil, Doutora em Engenharia Mecânica e
Professora Associada do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade
de São Paulo (EESC/USP).
Referências:
[1] Prebisch, R. (1949). The
Economic Development of Latin America and Its Principal Problems. United
Nations.
[2] Gala, P. (2017). Complexidade
Econômica: Uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza
das nações. Rio de Janeiro: Contraponto.
[3] Hausmann, R.; et al. (2014). The
atlas of economic complexity: Mapping paths to prosperity: Mit Press.
[4] Hartmann, D. (2014). Economic
complexity and human development: how economic diversification and social
networks affect human agency and welfare (Vol. 110): Routledge.
[5] Ferraz, D.; et al. (2018) Economic
Complexity and Human Development: DEA performance measurement in Asia and Latin
America. Gest. Prod., São Carlos, Ahead of Print, http://dx.doi.org/10.1590/0104-530X3925-18
Fonte: https://diplomatique.org.br
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