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Brasil na contramão do interesse coletivo
A greve dos caminhoneiros obrigou o
governo Temer a tirar mais de R$ 200 milhões do Sistema Único de Saúde (SUS) e
da Educação para cobrir perdas da Petrobras. No total, 82 órgãos tiveram verbas
canceladas, num montante de R$ 1,2 bilhão, entre eles, os exportadores e a
indústria química. A meta é viabilizar recursos para subsidiar o óleo diesel,
mantendo os preços fixos do combustível até o fim do ano.
A Saúde perderá um total de R$ 146,6
milhões, verba que seria destinada ao fortalecimento do SUS, com incremento dos
programas Mais Médicos, Farmácia Popular e Rede Cegonha, que atende mães e
recém-nascidos, assim como para a reestruturação de hospitais universitários. A
Educação ficará sem R$ 55,1 milhões, dinheiro que seria destinado a bolsas em
universidades públicas. Além desses cortes, o secretário da Receita Federal,
Jorge Rachid, reonerou a folha de pagamento de 39 setores da economia com o
objetivo de arrecadar R$ 13,5 bilhões.
A justificativa dessas medidas é cobrir o
subsídio do diesel e o prejuízo da Petrobras, mas a responsabilidade de tais
medidas foi imputada pelo general Sergio Etchegoyen, ministro-Chefe do Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência, à população, que em peso, apoiou a
greve dos caminhoneiros: “tivemos um apoio de 90% da população à manifestação
em determinado momento. Obviamente, quem apoiava teria sua cota de
responsabilidade no financiamento disso”, disse o general.
Apesar de especialistas criticarem a
medida de cortes de gastos sociais para subsidiar o diesel e manter a política
de preços, uma das gigantes do petróleo, a Shell, defendeu publicamente a
política de preços de combustíveis adotada e conduzida pela Petrobras. O
presidente da Shell Brasil, André Araújo, considerou uma situação normal de
mercado a elevação dos preços nas bombas: “o aumento do combustível é uma
circunstância do momento, pois o dólar e o barril sofrem oscilações. Isso faz
parte da atividade normal e ocorre em qualquer lugar do mundo. Não é só no
Brasil que esse efeito sobre os combustível tem impacto na bomba”.
Se por um lado o aumento de combustível
seguindo as oscilações do mercado é normal, por outro, não é normal, dar
isenção fiscal na ordem de R$ 1 trilhão a multinacionais do petróleo,
isentando-as de taxas de importação de produtos, projetos e serviços, como
aconteceu com a Medida Provisória 795/2017, que beneficiou petrolíferas até
2040, com uma renúncia fiscal de R$ 40 bilhões ao ano, equivalente a R$ 1
trilhão nos próximos 25 anos, MP, amplamente denunciada por parlamentares e
pela Associação de Indústria de Máquinas, por trazer em seu bojo a destruição
da indústria naval brasileira e colocar o país “de joelhos” diante de empresas,
como a Shell, que não mediu esforços na aprovação da medida, fazendo lobby
abertamente até durante a tramitação da matéria na comissão mista.
Temos, portanto, no Brasil, ações e
decisões que vão diretamente ao encontro de interesses internacionais e de
encontro ao interesse coletivo. A questão do combustível é uma delas. Cerca de
80% do combustível consumido no Brasil vem do petróleo brasileiro e 20% são de
importados. O custo da produção nacional gira em torno de US$ 30 a US$ 40 o
barril, mas a referência da Petrobras é o petróleo internacional, com preço em
torno de US$ 70 a US$ 80 o barril.
Isso corre porque a estatal brasileira
possui mais de 600 mil acionistas, entre pessoas físicas, grandes investidores
estrangeiros e fundos de investimentos e para os acionistas. O que menos
importa é o interesse coletivo, como diz o professor Ildo Sauer, vice-diretor
do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) e
ex-diretor da Área de Gás e Energia da Petrobras: “o acionista está interessado
simplesmente no lucro. Ele quer que a empresa produza pelo menor custo possível
para gerar o maior lucro possível”. Assim, as medidas tomadas sacrificando a
sociedade brasileira, indo de encontro ao interesse coletivo, para manter a
política de preços da Petrobras, seguem critérios, estritamente
econômico-financeiro de acordo com a agenda dos grandes acionistas e
investidores da empresa e a responsabilidade por tais medidas é única e
exclusivamente do governo.
*Frederico Rochaferreira é escritor,
especialista em Reabilitação pelo Hospital Albert Einstein, membro da Oxford
Philosophical Society.
Fonte: https://diplomatique.org.br
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