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A crise migratória venezuelana requer resposta internacional
por Adriana Erthal Abdenur, Maiara Folly e Lycia Brasil
O êxodo
venezuelano se aproxima da crise migratória do Mediterrâneo, segundo a ONU.
Estima-se que entre 2.700 a 4.000 pessoas atravessem a fronteira de países
vizinhos todos os dias. Embora o discurso de que a situação no Brasil esteja
“fora de controle” ganhe força, o país está longe de ser destino prioritário de
venezuelanos. Os ataques recentes nos municípios fronteiriços não são episódios
isolados. Iniciativas locais pautadas no populismo acabam por incentivar a
xenofobia e ignoram que o acolhimento de refugiados não se trata apenas de
imperativo moral, mas de obrigação legal do Brasil sob o direito internacional
e leis domésticas.
A
hiperinflação – que, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), deve
chegar a 1.000.000% ainda este ano – somada à escassez de alimentos e
medicamentos e à profunda repressão política do governo de Nicolás Maduro
provocam um fluxo migratório sem precedentes na América Latina. Em meio a esse
fluxo, migrantes mais vulneráveis, inclusive crianças, mulheres e indígenas,
ficam particularmente expostos a maus-tratos, exploração, tráfico de pessoas e
violência, inclusive de natureza sexual.
Índices
epidêmicos de violência na Venezuela agravam o êxodo de indivíduos que deixam o
país temendo perseguição e até morte. Caracas, a capital venezuelana, é
atualmente considerada a segunda cidade mais violenta do mundo. Isso ajuda a
compreender porque 80% dos venezuelanos têm “muito” ou “parcial” medo de serem
assassinados.
De acordo
com a Organização Internacional da Migração (OIM), 2,3 milhões de venezuelanos
já deixaram o país desde 2015. Desse total, cerca de 50 mil pessoas vieram para
o Brasil. Embora esse número represente apenas 2% do total de refugiados
venezuelanos, a tímida política de acolhimento e a concentração de migrantes em
cidades fronteiriças começam a provocar reações xenófobas por parte da
população local.
O ataque
recente a um acampamento de venezuelanos no município fronteiriço de Pacaraima,
que forçou o regresso de 1.200 deles ao seu país de origem, não se trata de um
episódio isolado. Em fevereiro deste ano, duas casas foram incendiadas na
capital roraimense de Boa Vista, provocando queimaduras graves em cinco
venezuelanos. No mês seguinte, moradores de Mucajaí, no sul de Roraima (RR),
expulsaram cerca de cinquenta venezuelanos de um prédio abandonado e atearam
fogo em seus objetos. No dia 31 de agosto, a violência tornou-se fatal: um
venezuelano foi assassinado com tiros e facadas em Rorainópolis (RR).
A
tentativa de imposição de soluções como a instalação de barreiras sanitárias,
exigência de passaporte para o acesso a serviços públicos e o fechamento de 2
mil quilômetros de fronteira com a Venezuela alimentam um discurso xenofóbico e
incitam a violência contra os recém-chegados. Além de discriminatórias, tais
medidas têm custo elevado – tanto humano quanto financeiro – e ineficácia
comprovada.
Longe de
impedir a migração, políticas restritivas tendem a resultar na proliferação de
coiotes – pessoas que cobram para garantir a o cruzamento de fronteiras de
maneira perigosa e clandestina – e no aumento do tráfico de pessoas, inclusive
para fins de exploração sexual. Também contrariam acordos internacionais
assinados pelo Brasil e a recém-sancionada Lei de Migração (Lei 13.445/2017),
que retirou a questão migratória da esfera da segurança nacional e passou a
enxergar o migrante como um sujeito de direitos.
Com
população quatro vezes inferior à do Brasil e um PIB seis vezes menor, a
Colômbia tornou-se lar para mais de 870 mil venezuelanos. Desde janeiro, mais
de meio milhão de venezuelanos entraram no Equador, por onde parte
significativa deles pretende seguir viagem até o Peru. Apesar desses dois
países terem passado a exigir passaporte para que venezuelanos acessem seus
territórios – medida já suspensa pela justiça no Equador – nenhum deles optou
pelo fechamento da fronteira e seguem abertos a receber solicitações de
refúgio.
Para que
a política de portas abertas seja mantida, é fundamental que as
responsabilidades de acolhimento não recaiam exclusivamente sobre os países
vizinhos. Embora alguns passos tenham sido dado nesta direção, como a alocação
de recursos pelos Estados Unidos (USS 31 milhões) e União Europeia (35,1
milhões de euros) em apoio a esforços de assistência humanitária na Venezuela e
em países vizinhos, muito ainda precisa ser feito para gerenciar uma das
maiores crises de deslocamento forçado da história na América Latina.
Nesse
sentido, é bem-vinda a proposta das Nações Unidas de criar uma equipe composta
de especialistas de sua agência para refugiados (Acnur) e da OIM com o objetivo
de garantir uma resposta regional coordenada à crise migratória. Uma maior
cooperação entre governos latino-americanos pode trazer benefícios importantes,
como a garantia de regularização migratória mais agilizada e o aumento da
previsibilidade com relação a novos fluxos migratórios, o que facilitaria
atendimentos emergenciais e o desenvolvimento de medidas mais estruturadas de
recepção e integração local, sobretudo em áreas de fronteira.
Contudo,
para ser bem sucedida, a iniciativa não deve contar apenas com a solidariedade
regional que se fragiliza à medida que o número de venezuelanos em busca de
refúgio aumenta. Com apoio da ONU, a comunidade internacional, incluindo
agências de fomento ao desenvolvimento, organizações internacionais e
humanitárias e o setor privado, deve agir coletivamente em resposta à crise
migratória.
O
acolhimento de refugiados é uma obrigação legal. Somente através de um
compartilhamento de responsabilidades equitativo será possível aliviar o
sofrimento dos venezuelanos que são forçados a deixar os seus lares em busca de
alimento, medicamentos e proteção.
*Adriana
Erthal Abdenur é coordenadora da Divisão de Paz e Segurança Internacional do
Instituto Igarapé, onde Maiara Folly e Lycia Brasil são pesquisadoras.
Fonte: diplomatique
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