Crise
argentina deixa Brasil sob alerta, diz dirigente da ABDI
À espera de uma antecipação de parte do
empréstimo no valor de US$ 50 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), a
Argentina vive o pior momento da gestão do presidente Maurício Macri, deixando
aceso o sinal de alerta no Brasil, já que o país vizinho é o terceiro maior
parceiro comercial atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Dados do Ministério
da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), de janeiro a agosto, os
argentinos consumiram 7,28% das exportações brasileiras, uma alta de 1,11%,
comum saldo favorável ao Brasil de US$ 4,28 bilhões. A avaliação é do
economista Jackson De Toni, gerente de Planejamento e Inteligência da Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)
Apesar de toda essa situação, “não há
motivo para pânico”, diz ainda De Toni, Ele observou que, mesmo diante de um
cenário de austeridade que, certamente, levará a uma queda do consumo interno,
o país vizinho tende a fechar 2018 com crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) entre 1% e 2%. E se o aporte de recursos do FMI for concretizado como o
esperado, De Toni acredita que isso dará maior credibilidade sobre a capacidade
de pagamentos por parte da Argentina ainda que isso custe caro à população e
ainda careça de estratégias para retomar o crescimento.
O economista pontuou que embora tenha
“tomado medidas para recuperar investimentos, conter o déficit público e retomar,
em certo sentido, o desenvolvimento da economia argentina, ” Macri não foi bem
sucedido e foi forçado a adotar o atual plano de contenção para sanear as
finanças em decorrência tanto de questões internas quanto da política monetária
dos Estados Unidos. Com juros mais atrativos, fica latente a migração dos
investidores para aquele mercado.
Quanto ao impacto sobre o Brasil que
exporta para a Argentina, principalmente, automóveis, - o correspondente à
quase metade da pauta de exportações e com uma participação de 75% sobre as
vendas das montadoras para todo mundo-, De Toni prevê que ele será mais
concentrado neste segmento, embora reconheça a importância dessas trocas
comerciais que incluem ainda as importações na área agrícola
Para o economista, o Brasil tem fatores de
proteção como, por exemplo, reservas cambiais de quase US$ 400 bilhões. A
Argentina tem US$ 50 bilhões. Citou ainda a forte desvalorização do peso
argentino em meio a um ataque especulativo resultando em uma inflação de 40% ao
ano ante uma variação entre 4 a 5%, no Brasil, e a consequente elevação dos
juros de 45% para 60% ao ano, muito acima da taxa brasileira oscilando em torno
de 6,5%.
Outra diferença entre as duas economias,
apontadas por De Toni, é que a Argentina depende De recursos do FMI, enquanto o
Brasil tem uma previsão de investimentos diretos este ano de U$ 65 bilhões, um
volume imenso para países latino-americanos.
Indústria
automobilística
O presidente da Associação Nacional dos
Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) Antonio Megale, manifestou
“preocupação”, com o quadro da Argentina, mas, mesmo assim, tem expectativas de
uma saída positiva para o país vizinho. “Se o governo argentino for
bem-sucedido nessas negociações com o FMI, vai conseguir conter essa maior volatilidade.
A gente imagina que o mercado argentino possa se estabilizar nos próximos
meses. O país precisa de lastro para conter os ataques especulativos do
câmbio”, avaliou.
Por enquanto, conforme informou, a
desaceleração desse mercado, para onde seguem 75% das exportações do setor,
seguido do México (7%), está sendo compensada pelo bom desempenho do consumo
doméstico e também pela exploração de novos nichos entre os quais estão os
negócios com os russos. Porem, o grande desafio do setor para diversificar a
sua clientela, são os investimentos tecnológicos em pesquisa e desenvolvimento.
No começo deste ano, segundo ele, havia
uma previsão de enviar para o país vizinho entre 900 a um milhão de veículos,
mas este número deve cair para algo entre 700 mil e 800 mil. Pelo acordo
comercial em vigor até 2020, nessa parceria, a troca de mercadorias é livre de
impostos. A cada 1 US$ exportado, é possível importar o mesmo valor sem
impostos.
O presidente da Câmara de Comércio Brasil-
Argentina, Federico Antonio Servideo, informou que desde abril, quando começou
a ficar mais forte a crise cambial, vem ocorrendo uma desaceleração da
atividade econômica, que levou a um recuo das encomendas do Brasil. Na previsão
dele, deve ocorrer uma queda média em torno de 20% nas encomendas argentinas
nesses últimos quatro meses de 2018.
De acordo como executivo, o ambiente é bem
diferente do registrado no começo do ano. Só no setor da indústria
automobilística, os argentinos tinham comprado 36% mais no primeiro trimestre
comparado a igual período do ano anterior. Agora, no entanto, “a capacidade de
consumo das famílias argentinas vai ser, significativamente, afetada pela crise
cambial e pelas medidas de contenção de despesas e da taxação sobre as
exportações”.
Em defesa de Macri, ele destaca que além
da herança de problemas macroeconômicos do governo anterior, o atual presidente
enfrentou quebra de safras e só não pode adotar as atuais medidas antes para
evitar um sofrimento maior à população. “Quando ele assumiu, havia 30% da
população vivendo abaixo da linha de pobreza”.
Os respingos dessa desaceleração econômica
já podem ser notados quando se compara o desempenho das exportações brasileiras
para a Argentina no acumulado de janeiro a agosto, aponta o economista Clemens
Nunes, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo.
Nesse período, segundo ele, houve queda de 1,11%, enquanto durante todo o ano
de 2017, houve um crescimento de 30% sobre 2016. “ A Argentina é um grande
destino da produção da nossa indústria e um dos impactos importantes vai ser,
principalmente, o setor industrial exportador”, disse.
Ele alerta também sobre a possibilidade de
um contágio aos países emergentes porque essa crise pode provocar uma elevação
do prêmio de risco aos investidores e, no caso do Brasil, poderia levar a uma
maior desvalorização da moeda frente ao dólar. Quanto ao dinheiro obtido com o
FMI, o economista considera esse aporte de recursos “dá condições para que o
governo ganhe algum tempo e implemente um programa econômico capaz de debelar
essa crise”. Porém ele vê risco de, no futuro, o país vir a ter uma situação
pior tendo de, mais uma vez, sentar à mesa de negociações para novo empréstimo.
André Alírio, economista e operador de
Renda Fixa da Nova Futura Investimentos, avalia também que o país não está
imune à crise Argentina, mas, igualmente, lembra que a fragilidade em relação
ao parceiro comercial é bem menor pelas vantagens macroeconômicas como, por
exemplo, no fato de ter folga nas reservas cambiais ao redor U$S 380 bilhões.
“Isso diminui o contágio que poderia advir da pressão existente sobre os países
emergentes”, afirmou.
O economista Antonio Correa de Lacerda,
entende que as medidas do governo argentino “vão implicar em uma recessão se
traduzindo em vários problemas com queda de arrecadação, aumento do desemprego
e tudo isso terá um impacto direto no Brasil que tem a Argentina como um dos
principais parceiros comerciais”.
Segundo ele, de uma forma indireta, há um
risco do efeito comparação por parte dos investidores que poderão associar a
proximidade entre as duas nações. “O fato de estarmos na mesma região, isso
pode levar os próprios mercados a especularem quanto a problemas existentes
entre a Argentina e o Brasil”. Contudo, ele reconhece que as vantagens
financeiras do Brasil podem amenizar esse risco de contágio.
Edição: Aécio Amado
Fonte: Agência Brasil
0 Comentários