O Brasil foi afetado pela crise com o fim do superciclo das commodities - Arquivo/Agência Brasil
Crise
de 2008 resultou em desindustrialização e crise fiscal no Brasil
A regulação no sistema financeiro que não
existia na maioria dos países desenvolvidos inicialmente salvou o Brasil da
pior crise financeira global desde a Segunda Grande Guerra. No entanto, a
desvalorização do dólar e medidas equivocadas de gestão da economia resultaram
em desindustrialização e em rombo nas contas públicas brasileiras, segundo
especialistas em economia internacional ouvidos pela Agência Brasil.
Professor da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV) Istvan
Kasznar diz que o Brasil adotou um modelo de reação diferente do resto do
mundo, na avaliação de especialistas em economia internacional. “Naquela época,
o Brasil não foi afetado à primeira vista porque tinha atrasado a desregulação
de aplicações econômico-financeiras”, diz. O principal problema, ressalta,
ocorreu na introdução de renúncias fiscais enquanto outros países reduziram
gastos e buscaram austeridade.
Para tentar manter a economia aquecida em
meio à crise que tomou proporções mundiais, o governo brasileiro adotou uma série
de medidas, como redução de impostos para estimular o consumo, congelou preços
do petróleo, subsidiou as tarifas de energia elétrica e ampliou as
desonerações. “Embora tenha havido uma política monetária austera e correta, a
política fiscal é uma das piores heranças que temos hoje, decorrente de uma
forma equivocada de se interpretar a evolução cíclica da economia”, afirma
Kasznar.
Em meio à crise internacional, o governo
anunciou a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis,
eletrodomésticos e materiais de construção. Diante da escassez de crédito,
houve redução dos depósitos compulsórios (dinheiro que os bancos são obrigados
a recolher ao Banco Central) e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF),
além de estímulo ao crédito por meio de bancos públicos.
Vulnerabilidades
A crise de 2008 desembocou no fim de uma
das principais ajudas externas que alavancou o crescimento do Brasil nos anos
2000: o superciclo das commodities. A queda do preço internacional de produtos
agrícolas e minerais expôs o país ao que o economista Reinaldo Gonçalves chama
de “vulnerabilidade estrutural”. “Nos últimos 20 anos, o Brasil aprofundou o
processo de reprimarização da sua economia, tornando-se um país ainda mais
dependente [de produtos primários]”, argumenta.
A queda do dólar decorrente das injeções
monetárias nos países desenvolvidos complicou o quadro. Com a moeda
norte-americana barata, os brasileiros passaram a viajar mais para o exterior e
a importar mais, deixando a indústria nacional sem condições de competir com os
produtos estrangeiros. O fechamento de fábricas aprofundou a desindustrialização
do país e levou à dependência cada vez maior de commodities.
Segundo Gonçalves, isso explica a
dificuldade de retomada da economia brasileira, mesmo com a situação
internacional mais favorável que há alguns anos. Ele diz que não há solução de
curto prazo e defende um projeto de desenvolvimento de longo prazo. Segundo o
professor da UFRJ, se o país apostar numa tentativa de ajuste fiscal muito
forte e rápida, com cortes de gastos públicos e privatizações de grandes
estatais, o cenário econômico pode agravar-se ainda mais nos próximos dois
anos.
“A pretexto de querer resolver uma série
de problemas que demandam o longo prazo, como a Previdência e o teto de gastos,
o que pode ocorrer é um efeito bumerangue, atingindo os segmentos sociais mais
vulneráveis. Os ricos estão se protegendo mandando dinheiro para fora, mas as
medidas de austeridade vão atingir o pequeno empresário, o burocrata, o
trabalhador, o desempregado. Há um risco de aumentar muito mais a tensão
social, que já está elevada”, observa Gonçalves.
Diversificação
Professor de macroeconomia e economia
internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Nassif diz que os
impactos da desindustrialização ainda se manifestam sobre o Brasil. Ele reprova
a política de desonerações para determinados setores praticada no primeiro
governo da ex-presidente Dilma Rousseff, ainda sob pretexto dos estímulos
econômicos iniciados em 2009, que reduziu a arrecadação sem resultar em
crescimento.
“Esse tipo de política funciona por algum
tempo, mas, no longo prazo, gera inflação e baixo crescimento. Não há garantias
de que o empresário pegue o dinheiro das desonerações para gerar empregos. A
inflação aumenta porque a demanda sobe, sem que a produção acompanhe o
crescimento. A solução para o Brasil seria mudar a estrutura da economia,
diversificando a produção e recuperando a indústria nacional”, analisa.
Gonçalves, da UFRJ, concorda e acrescenta
que a cartelização da economia brasileira prejudica a inovação e os
investimentos. “Nenhum grande grupo econômico brasileiro é referência em
inovação e tecnologia. Aqui predomina a exploração de recursos naturais e a
gestão de carteis, isso vai dos bancos, passando pelos setores do agronegócio,
da mineração até pelo mercado imobiliário”, critica.
Fonte: Agência Brasil
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