Fossilizar-se
com uso de combustíveis fósseis ou fazer parte da revolução energética
por
Rubens Born
Os últimos três anos foram os mais quentes
já registrados na história, e 2018 caminha para se juntar ao ranking dos cinco
primeiros. Como consequência, eventos climáticos extremos têm afetado
essencialmente todos os cantos do planeta.
Da Suécia ao Canadá, da Espanha à Argélia,
todo o hemisfério norte passou os últimos meses lutando contra as altas
temperaturas. O calor recorde no Paquistão e na Índia durante o verão (de abril
a junho) resultou em aproximadamente 4 mil mortes. Em países como o Japão e a
Coréia do Sul, quase duzentas pessoas morreram por causa de chuvas intensas e
enchentes.
No hemisfério sul, ondas de calor tomaram
conta da África do Sul e da Austrália em janeiro. No Brasil, a crise hídrica e
a seca no Nordeste têm se intensificado, impactando atividades econômicas
essenciais como agricultura, pecuária e turismo, o que acirra conflitos na
região e aumenta os índices de desemprego e pobreza.
Eventos extremos como consequência de
escolhas políticas desastrosas mundo afora têm impacto direto no
desenvolvimento econômico, segurança alimentar, saúde e migração internacional,
roubando vidas, destruindo laços, raízes e formas de subsistência.
Há pelo menos duas décadas e meia, desde a
Eco-92, no Rio de Janeiro, esperamos dos governos mundiais atitudes concretas
para frear o aquecimento global e proteger a humanidade dos piores efeitos das
alterações no clima.
Ao vivenciarem os impactos reais dessas
mudanças, pessoas em diversos cantos do mundo decidiram construir por si mesmas
um futuro mais saudável, equilibrado e equitativo, que terá nas bases da
sociedade seu maior alicerce. Dada a inércia e morosidade das autoridades, a sociedade
decidiu agir, a partir de uma insatisfação popular coletiva, para não ser
vítima nem cúmplice de ações e omissões de governos e empresas perante os
desafios de promover o desenvolvimento sustentável e o equilíbrio climático do
planeta.
São cidadãos e organizações civis que
desejam um mundo onde direitos humanos fundamentais sejam respeitados, o
ambiente seja protegido e os interesses da maioria falem mais alto do que o de
pequenos grupos detentores do capital. O objetivo é devolver o poder de decisão
– e de ação – às próprias comunidades.
O movimento climático vem se transformando
no principal movimento global da atualidade. Nunca antes o clima, uma questão
definidora do nosso tempo, foi considerado um assunto central para grupos tão
diversos. Começou-se a perceber a transversalidade intrínseca de temas como os
direitos humanos, em especial aqueles relacionados a povos indígenas e outras
populações vulneráveis, emprego e justiça social, meio ambiente e defesa da
democracia.
No dia 8 de setembro, dezenas de milhares
de pessoas participarão da mobilização global Una-se pelo Clima, que tem como
foco o combate às mudanças climáticas em todo o mundo. Mais de 780 ações
coordenadas serão realizadas em 88 países nos seis continentes, mostrando que a
verdadeira liderança climática também vem das bases. O objetivo é demonstrar a
urgência de ações reais de combate aos impactos crescentes que estão sendo
vivenciados pelas populações mais vulneráveis em todo o mundo.
A mobilização mira também os líderes
políticos e tomadores de decisão presentes na Cúpula Global de Ação Climática,
que acontecerá no dia 12 de setembro na Califórnia, exigindo que eles aumentem
a ambição em seus compromissos e políticas públicas. Afinal, é sabido que são
insuficientes as atuais iniciativas dos governos nacionais para cumprir as
metas previstas no Acordo de Paris, de reduzir até 2030 as emissões antrópicas
de gases do efeito estufa.
Antes que as autoridades governamentais se
reúnam a portas fechadas para debater possíveis ações, milhares de pessoas
assumem a dianteira e tomam as ruas para mostrar que o planeta tem pressa, e
que a sociedade não ficará de braços cruzados a esperar.
Num contexto em que as alterações no clima
são inegáveis, um dos principais desafios é a mudança profunda no setor
energético mundial. E uma transição energética real só poderá ser feita
essencialmente através de duas etapas: a descarbonização e a descentralização
da geração. Isso implicará a alteração de premissas econômicas e de políticas
de desenvolvimento, voltando ações para uma progressiva redução da dependência
de energias fósseis como carvão, petróleo e gás, e uma crescente substituição
dessas fontes poluidoras por alternativas renováveis, socialmente responsáveis
e verdadeiramente acessíveis.
Isso vai exigir também que se avance na
eficiência e conservação energética, além da utilização e geração
descentralizada de energia, notadamente elétrica, em todos os níveis. A
eletrificação das atividades humanas, da mobilidade e do transporte público,
das residências e das atividades produtivas, será cada vez mais facilitada por
energias como eólica, solar e biomassa. Além disso, sua produção deverá ser
distribuída, fazendo com que cidadãos comuns passem de meros consumidores a
produtores e gestores de sua própria energia.
O que as populações em todos os cantos do
mundo querem ver é uma revolução no modo de produzir e usar energia. Rompendo
laços profundos com a indústria fóssil e com os modelos tradicionais de negócio
e de desenvolvimento econômico, o setor energético poderá ter um papel crucial
no desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equilibrada.
Investimento
para a transição energética
Mas uma transição energética real não pode
ficar restrita aos países ricos, já que atualmente dois terços das emissões
mundiais de gases-estufa vêm das nações em desenvolvimento. Nestas, o grande
gargalo ainda é o financiamento. Não só para infraestrutura e introdução de
fontes renováveis e justas, como também para o desenvolvimento de tecnologias
novas e acessíveis. Nós temos as fontes em abundância, mas a adesão massiva a
elas apenas poderá ocorrer quando o pagamento por elas couber no bolso das
pessoas.
Enquanto os governos se digladiam para
colocar dinheiro nas mesas de negociação para fomentar ações de desenvolvimento
tecnológico e inovação na área de renováveis, ou para políticas de mitigação e
adaptação às mudanças climáticas em países em desenvolvimento, eles também
seguem enxugando gelo e pagando bilhões para consertar o inconsertável.
Segundo um relatório da Organização
Mundial de Meteorologia (OMM), os prejuízos causados por eventos climáticos
extremos no mundo em 2017 são estimados em US$ 320 bilhões. No Brasil, segundo
o Ministério da Integração Nacional, foi transferido no ano passado um total de
R$ 200 milhões para ações de socorro, assistência humanitária, restauração de
serviços e recuperação de estruturas danificadas em cidades em estado de
emergência por causa das fortes chuvas no Sul ou da seca mais intensa já
registrada no Nordeste.
Além disso, o governo federal também dá de
bandeja bilhões de reais em subsídios fiscais à indústria do petróleo e gás,
além de investir em infraestrutura pesada para extrair e processar combustíveis
fósseis. Todo esse montante poderia estar sendo direcionado para pesquisa e
tecnologia, para iniciativas de energia renovável ou investido em programas
sociais de combate à pobreza e redução da desigualdade.
O governo não vê o que está claro na sua
frente: que a política centralizada em investimentos nas áreas de petróleo e
gás está ultrapassada, e contribui apenas para a permanência do cenário atual
de desemprego, desigualdade social e retrocessos em políticas ambientais. A
indústria do petróleo no Rio de Janeiro, a maior do país, por exemplo, teve uma
redução de 2,6% no índice de empregos no ano passado em relação a 2016,
mostrando a persistência da crise no setor. E essa trajetória de queda está em
vigor desde 2014.
Por outro lado, o segmento de energia
eólica vem crescendo significativamente no país. A atual capacidade instalada
de 13 gigawatts (GW) deverá atingir 19 GW de energia até 2023, com mais de
duzentos parques eólicos a serem entregues nos próximos anos. Isso significa
que estaríamos gerando mais empregos e justiça social se estivéssemos
diversificando o investimento em fontes de geração de eletricidade de forma
renovável, observando critérios de sustentabilidade socioambiental e equidade.
Com a proximidade das eleições
presidenciais, estaduais e legislativas, o Brasil tem em mãos a chance de mudar
de vez esse cenário. Candidatos devem apresentar propostas condizentes com a
necessidade urgente de combate ao aquecimento global e com a demanda de suas populações,
e cidadãos devem votar conscientes e cobrar o cumprimento dos compromissos
assumidos por seus representantes.
A ciência e os efeitos reais do clima
estão dando seus alertas. O que vivemos hoje é uma pequena amostra do que está
por vir caso nada seja feito. Mas não precisa ser assim. E esse é o recado que
milhares de pessoas darão ao mundo no dia 8 de setembro.
*Rubens Born é engenheiro e advogado
especializado em meio ambiente, mudanças climáticas e políticas públicas; e
diretor interino de 350.org Brasil e América Latina.
Fonte: Diplomatique
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