Tanques nas ruas em 1968. Foto: Correio da Manhã
A CONSTITUIÇÃO DE 1967
Escrito por Marília Ruiz e Resende /Portal
Politize!
CONTEXTO HISTÓRICO
A luta pelo poder nos anos cinquenta
No último texto, falamos sobre o surgimento de grupos políticos com
interesses opostos no contexto do período democrático de 1945 a 1964. Esses
grupos, representados de um lado pelos progressistas e do outro pelos
conservadores, acirraram a disputa pelo comando político nacional após a
presidência do general Gaspar Dutra (1946-1951). O conservadorismo de Dutra,
com sua vigilância sobre os sindicatos, repressão a protestos contra o governo
e manutenção dos salários a níveis baixos, foi interrompido com a vitória de
Getúlio Vargas, ex-presidente e líder progressista, nas eleições de 1950.
Vargas voltou ao poder como candidato do PTB e, para isso, utilizou-se
nas campanhas eleitorais do apelo às massas trabalhadoras e setores da classe
média. Prometia o aprofundamento da política social e nacionalista do Estado
Novo, que retornaria, agora, em um contexto democrático.
Essa campanha foi imbatível para seus adversários e assim, Getúlio
voltou ao poder em 1951. É importante atentarmos para o fato de que, em sua
campanha eleitoral, Vargas fez alianças com parte dos conservadores, apesar de
ser progressista. Desse modo, contraiu “dívidas” que precisavam ser pagas,
principalmente com os conservadores que colaboraram com sua vitória em São
Paulo e Minas Gerais. Por isso, Getúlio nomeou ministros conservadores e,
consequentemente, surgiu a primeira contradição de seu governo: apesar de
progressista, o ministério era conservador.
A partir desse momento, ocorreram intensas lutas entre progressistas e
conservadores, com vitórias para os dois lados. A grande vitória dos
conservadores pode ser vista como o fim do apoio dos militares a Getúlio,
classe social que, apesar de composta principalmente por conservadores, possuía
elementos progressistas que foram sendo esmagados pelos rivais.
Já a principal vitória dos progressistas foi a criação da Petrobrás,
empresa estatal de exploração petrolífera cujo surgimento foi amplamente
contestado pelos conservadores. Esses últimos eram a favor da intervenção de
multinacionais e do governo dos Estados Unidos nessa empreitada, o que, na
visão dos progressistas, faria do Brasil um país ainda mais dependente das
grandes potências. A opinião pública se mostrou favorável à Petrobrás, de forma
que a derrota dos conservadores nesse episódio foi inevitável.
Entretanto, a retaliação conservadora não demorou para chegar: a grande
imprensa, o capital estrangeiro, a burguesia nacional, militares e a UDN se
uniram em uma dura ofensiva contra o governo Vargas, sob a liderança do
jornalista Carlos Lacerda. Essa campanha tinha por objetivo implantar, já em
1954, um regime militar, fato que Getúlio adiou por dez anos através de seu
suicídio.
A TENTATIVA DE GOLPE EM 1954
Dentro do contexto dessa ofensiva contrária ao governo progressista, um
incidente mudou os rumos da História brasileira: na madrugada de 5 de agosto de
1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qual morreu o major da Aeronáutica
responsável por sua proteção. Esse incidente ficou conhecido como o atentado da
Rua Tonelero. O inquérito conduzido pela Aeronáutica apresentou, nos dias
subsequentes, Gregório Fortunato como o mandante do crime: nada mais, nada
menos que o chefe da guarda pessoal de Getúlio. Em outras palavras, os
progressistas teriam supostamente encomendado a morte de Lacerda, e falharam ao
acertarem o major, em vez de atingir o seu alvo. A repercussão desse incidente
foi extremamente prejudicial a Getúlio, que perdeu todo o apoio político que
lhe restava, apesar de nunca ter sido provado o envolvimento de Vargas ou de
seus assessores com o crime. Forçado a renunciar, Vargas suicidou-se na manhã
de 24 de agosto de 1954.
A notícia de sua morte e a publicação de sua carta-testamento abalaram o
país: multidões saíram às ruas nas principais capitais. Amedrontados com essa
reação, os conservadores recuaram em seu plano de instalar uma ditadura
militar. Assim, concordaram com a posse do vice-presidente Café Filho. Foi
assim que a tentativa de golpe fracassou.
A PREPARAÇÃO DO GOLPE DE 1964
Nos anos que se seguiram após o fim do governo de Café Filho e ainda no
período democrático, foram três os presidentes que o Brasil teve: Juscelino
Kubitschek – conhecido como JK (1956-1961) –, Jânio Quadros (1961) e João
Goulart – “Jango” (1961-1964).
JK iniciou um modelo econômico baseado na industrialização por substituição
de exportações, que levou o país à crise econômica, pois os grandes grupos
internacionais recusavam-se a fornecer o capital e a tecnologia necessária para
isso, já que os produtos brasileiros substituiriam os seus no mercado
internacional. Para continuar fornecendo recursos ao Brasil, os capitalistas
estrangeiros exigiam que o país adotasse medidas que lhes dessem o controle da
política e economia do Brasil. Anos mais tarde, o regime militar reataria esse
laço internacional, adotando as medidas necessárias para tal aliança, trazendo
capital e tecnologia para o país em um período político autoritário.
Jânio Quadros foi eleito depois do mandato de JK e, apesar do sucesso
das eleições, perdeu o apoio do povo ao adotar medidas impopulares. Tomou
também medidas que foram contrárias aos interesses dos conservadores, e sua
intenção propagandística de se alinhar com os países comunistas desagradou os
progressistas. Com todas as suas bases de apoio perdidas, Jânio renunciou.
A SUCESSÃO DE JÂNIO QUADROS
Com a renúncia de Jânio, ministros militares se mostraram contrários à
posse do vice-presidente João Goulart, que havia sido eleito diretamente pelo
povo – na época, a votação para vice era separada da votação para presidente.
Entretanto, as próprias Forças Armadas possuíam contradições internas (nem
todos os militares estavam contra Jango nesse momento; alguns queriam que ele
tomasse posse) e assim, essa outra tentativa de golpe fracassou em 1961.
Chegou-se, então, a uma solução conciliatória: o poder seria dado a Jango, mas
seria restrito pela adoção do sistema parlamentarista no Brasil. Assim, foi
feito um Ato Adicional à Constituição de 1946, estabelecendo o parlamentarismo
no Brasil. Mas, poucos meses mais tarde, o parlamentarismo foi extinto, através
de um plebiscito, de forma que Jango, agora livre da burocracia, tornou-se
presidente com plenos poderes. Assim ele conseguiria por em prática o ponto
central de sua política: as reformas de base.
A POLÍTICA REFORMISTA DE JOÃO GOULART
Jango queria promover muitas reformas: agrária, do sistema bancário, do
processo eleitoral, do sistema tributário e da legislação que dizia respeito ao
capital estrangeiro. O objetivo era reformar o Brasil como um todo, defendendo
para isso uma reforma da Constituição de 1946.
Entretanto, assim que anunciou seus planos, Jango foi acusado de ser um
“agente do comunismo internacional” infiltrado no Brasil, o que era uma grave
acusação no contexto da Guerra Fria. Mesmo assim, ele tentou implantar sua
política reformista. Os conservadores, entretanto, apoiados pelo governo
estadunidense através da Operação Brother Sam – uma empreitada que visava dar
apoio logístico e militar aos golpistas, mas que não chegou a ser necessária –,
derrubaram João Goulart em 31 de março de 1964. Era o início da ditadura
militar. Goulart teve de abandonar o país e partiu para o exílio no Uruguai,
onde morreria alguns anos mais tarde. Com Jango removido do poder, o marechal
Castelo Branco assumiu a presidência pouco tempo depois.
OS ATOS INSTITUCIONAIS E A CONSTITUIÇÃO DE
1967
Logo após os militares tomarem o poder, a Constituição de 1946 começou a
ser invalidada pouco a pouco, através dos Atos Institucionais (AIs), decretos
autoritários que davam ao presidente poderes praticamente absolutos, apesar de
haver uma Constituição em vigor.
- AI-1: decretado poucos dias após o golpe e redigido pelo autor da
Constituição Polaca de 1937, dava ao Executivo poderes para cassar mandatos
parlamentares e suspendia os direitos políticos dos cidadãos por 10 anos,
principalmente.
- AI-2: também de 1964, decretou o fim dos partidos políticos e decretou que os
crimes contra a segurança nacional seriam julgados por tribunais militares.
- AI-3: de 1966, eliminou as eleições diretas para governador.
- AI-4: determinou as regras para que fosse aprovada a Constituição de 1967,
projeto dos militares que fortalecia tremendamente o Poder Executivo e que foi
aprovada sem discussões.
- AI-5: o mais violento e duradouro de todos os atos baixados pela ditadura,
suspendia o habeas corpus, dava ao presidente poderes para fechar o Congresso
Nacional por tempo ilimitado e de suspender os direitos políticos de qualquer
cidadão. Qualquer pessoa atingida pelos efeitos do AI-5 estava proibida de
reclamar na Justiça.
Observa-se que, nos anos que sucederam 1964, a expansão do autoritarismo
foi constante. Paralelamente às medidas autoritárias, figuravam a repressão e a
violência, com prisões arbitrárias, demissões em massa de funcionários,
cassações de mandatos e vinganças pessoais. Nota-se que o regime foi
endurecendo cada vez mais, mostrando que o grupo que tomou o poder pretendia
ficar nele por muito tempo. Contudo, após dez anos de endurecimento
(1964-1974), a ditadura iniciou o processo de abertura política (1974-1985).
Fonte: politize!
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