Manifestação das Diretas Já em Brasília. Foto: Agência Brasil (arquivo).
A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Escrito por Marília Ruiz e Resende /Portal Politize!
CONTEXTO: AUGE E DECLÍNIO DA DITADURA MILITAR
Para começar, vamos voltar um pouco e estudar mais sobre o regime
militar e o período que antecedeu a volta da democracia no Brasil. O Regime
Militar pode ser didaticamente dividido em 2 fases: a de expansão do
autoritarismo (1964-1974) e a de abertura política (1974-1985).
A EXPANSÃO DO AUTORITARISMO (1964-1974)
Quanto a essa primeira fase, cabe destacar que o sistema partidário do
país foi extinguido pelo AI-2, que determinou o fim dos partidos até então
existentes. Após esse decreto, as autoridades federais permitiram a formação de
dois novos partidos: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), que apoiava o
governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que o combatia. A ARENA
era amplamente majoritária no Congresso e dispunha de total apoio oficial do
governo, enquanto o MDB estava permanentemente ameaçado de ter seus deputados e
senadores cassados.
Nessa época já aumentava a resistência à ditadura, apesar da repressão e
da censura à imprensa. Apesar de grande parte dos opositores do regime terem
optado pelo silêncio, muitos se aliaram ao MDB como forma de resistência àquela
situação de controle nacional por parte dos militares, enquanto outros optaram
pela realização de movimentos de guerrilha urbana. Entretanto, a luta armada
acabou por fortalecer o regime, pois deu-lhe a oportunidade de criar métodos
cruéis no combate aos opositores, tais como a tortura, prisão política e, não
raro, assassinatos. Os protestos estudantis também foram marcantes. Um
acontecimento notável foi o assassinato do estudante Edson Luís pela polícia, a
tiros, durante uma manifestação no Rio de Janeiro.
Entre as personalidades políticas, a oposição ao regime se deu através
da Frente Ampla. Políticos como Juscelino Kubitschek, João Goulart (no exílio)
e até mesmo Carlos Lacerda se organizaram nesse movimento, que acabou extinto
em 1968 pelo general Costa e Silva. Não parece estranho que Lacerda, que
colaborou com a ascensão dos militares ao poder, tenha passado para a
resistência ao regime? De fato, essa mudança de postura foi muito recorrente
entre os que apoiaram a implantação da ditadura. Muita gente se assustou com a
longa permanência dos militares no poder e com o caráter cada vez mais violento
do regime. Essa situação levou Lacerda a afirmar: “na medida em que ajudei
esses aventureiros a tomarem o poder, tenho o dever de mobilizar o povo para
corrigir esse erro do qual participei”.
O “MILAGRE ECONÔMICO”
Ao se falar sobre a fase de expansão do autoritarismo, é impossível não
abordar o famoso milagre econômico. No governo do general Emílio Garrastazu
Médici (1969-1974), foram comuns os slogans de “ninguém segura este país”,
“este é um país que vai pra frente” ou ainda, “Brasil: ame-o ou deixe-o”.
Durante esse governo, tivemos um crescimento econômico sem precedentes na
história brasileira, que nos levou ao status de país campeão de crescimento
econômico mundial na década de 1970 e que fez com que nosso PNB (Produto
Nacional Bruto) chegasse a ser o décimo do mundo.
As causas para esse “milagre” foram internas e, principalmente,
externas. O governo concedeu, nesse período, muitos incentivos fiscais,
favorecendo novos investimentos por parte de empresários brasileiros, além de
investir vultosos recursos em nossa economia. Mas os principais responsáveis
por esse crescimento foram fatores externos. No início dos anos 1970, o
comércio internacional entrou em uma fase muito dinâmica, de modo que as
exportações brasileiras aumentaram muito, colaborando muito para o crescimento.
Além disso, as autoridades concederam uma vasta gama de privilégios às
multinacionais, que passaram a investir em peso no Brasil. Enquanto isso, os
bancos internacionais concediam empréstimos gigantescos, o que também alimentou
esse rápido crescimento na economia brasileira.
O período do milagre foi, habilidosamente, explorado pelos governos
militares, por meio de grandes propagandas em prol do regime. A vitória da
seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970 acabou se tornando um verdadeiro
ícone desse momento de nacionalismo e otimismo. Foi também nessa época que
foram construídas obras públicas faraônicas, como a Transamazônica, a ponte
Rio-Niterói e a Usina Hidrelétrica de Itaipu. Os projetos-impacto, de grande
efeito propagandístico para o regime, também estavam presentes, como o Mobral
(para alfabetização de adultos) e o Rondon (para assistência médico-sanitária a
populações carentes).
O FIM DO “MILAGRE”
Apesar desse crescimento ter de fato ocorrido, em poucos anos a economia
brasileira entrou em declínio e o milagre econômico ruiu. O quadro de recessão
que surgiu após esse período de crescimento acelerado continuou após o fim do
Regime Militar, mantendo-se até o final do século XX e início do século XXI. A
classe média, que durante o milagre podia comprar automóveis, televisão a cores
e equipamentos de som, passou a ter que fazer filas nos supermercados e
açougues para comprar alimentos, antes que a hiperinflação corroesse o valor da
moeda.
Uma das causas para o fim do milagre foi a falta de preocupação com os
aspectos sociais do país. Em outras palavras, o crescimento não trouxe
desenvolvimento. Isso porque a esmagadora maioria dos brasileiros não se
beneficiou do crescimento econômico, de forma que as camadas mais ricas, nessa
época, tenham ficado mais ricas, enquanto as mais pobres permaneceram na
pobreza.
Quando a euforia da economia mundial se conteve, a partir da crise do
petróleo de 1973, as nossas exportações caíram. Para que nossas indústrias
continuassem a vender seus produtos, seria necessário um grande mercado
interno, o que não era o nosso caso. A classe média, a essa altura, já possuía
um excesso de bens de consumo duráveis, tais como automóveis e televisões, e
não tinha mais condições de consumir a grande quantidade de produtos que
entrava diariamente no mercado. Já a classe baixa, que nunca teve condições de
consumir esses bens de consumo, não poderia fazê-lo agora, por causa dos baixos
salários.
As consequências dessa queda de consumo foram a produção industrial
estagnada, arrocho salarial da classe média (quando os reajustes não acompanham
a inflação), desemprego generalizado, inflação galopante (quando os preços
sobem muito e rapidamente) e dívida externa absurdamente elevada.
Diante desse cenário, o regime militar recorreu a uma intensa
privatização do Estado, na tentativa de deslocar os prejuízos da recessão para
o setor privado. Isso permitiu que pequenos grupos econômicos controlassem
segmentos do Estado buscando seu exclusivo benefício, o que ajudou a estagnar o
desenvolvimento brasileiro e acabou por agravar a crise, que se estendeu por
muitos anos após o fim do regime. Foi nessa época que surgiram as raízes das
privatizações de que tanto ouvimos falar hoje.
A ABERTURA POLÍTICA
A partir do governo Ernesto Geisel (1974-1979), percebeu-se que se a
ditadura continuasse como estava, a insatisfação ficaria tão generalizada que
poderia levar à sua queda. Isso porque a economia só se deteriorava com o fim
do “milagre”, a sociedade civil estava cansada da falta de liberdade política e
as Forças Armadas começavam a se desgastar devido à sua longa permanência no
poder.
Assim, o governo optou por promover a abertura política – nas palavras
de Geisel, “distensão lenta, gradual e segura”. É importante ressaltar que essa
liberalização do regime não visava restabelecer a democracia no Brasil, mas sim
dar condições ao regime de sobreviver em uma época de dificuldades políticas e
econômicas.
Desse modo, a repressão policial aos poucos diminuiu, os atos
institucionais foram suspensos, o movimento estudantil se reorganizou, o
sistema eleitoral foi democratizado, a imprensa se libertou da censura, os
exilados e presos políticos foram anistiados (perdoados) e permitiu-se a
formação de novos partidos políticos.
Em meio à liberação de novos partidos, ocorrida em 1979, os que apoiavam
o governo – antiga ARENA – permaneceram unidos em um único partido, o PDS
(Partido Democrático Social), enquanto o MDB se dividiu em PMDB (Partido do
Movimento Democrático Brasileiro), PT (partido dos Trabalhadores) e outros.
Sobre a Lei da Anistia, aprovada em 1979, é importante dizer que não
somente os presos e exilados políticos foram anistiados, mas também os agentes
de órgãos de segurança do Estado que cometeram crimes de abuso do poder,
tortura e assassinato.
No ano de 1980, foi aprovada emenda constitucional que restabelecia as
eleições diretas para governador. Isso mostra que as proporções da abertura
política estavam aumentando, o que desagradava grupos mais conservadores. O
episódio do Riocentro é um ícone dessa época do país: no feriado do dia do
trabalho, militares ligados aos órgãos de repressão tentaram, sem sucesso,
explodir uma bomba em um show que contaria com a presença de grandes nomes da
música popular e milhares de pessoas. Por um “acidente de percurso”, a bomba
explodiu no colo do sargento, matando-o e ferindo gravemente o capitão que
estava ao seu lado em um carro.
Esse episódio contribuiu muito para o desgaste do governo, inclusive
entre os próprios militares. Não é exagerado dizer que apressou o fim do
regime. A oposição se intensificou, endurecendo sua posição, e seu movimento
mais significativo foi a famosa campanha das Diretas Já, que começou depois que
o deputado Dante de Oliveira apresentou projeto de emenda constitucional que
instituiria eleições diretas para presidente em 1984. O projeto não foi
aprovado no Congresso, devido a uma mobilização do PDS e particularmente do
então presidente desse partido, o senador José Sarney. A participação popular
na Diretas foi imensa, de modo que até hoje é considerado um dos maiores
movimentos de massas já visto na história do Brasil.
Mesmo com a pressão popular, as eleições para presidente de 1985 foram
indiretas (o Congresso escolheu o presidente). O PMDB lançou como candidato à
presidência o governador de Minas Gerais Tancredo Neves e à vice-presidência,
José Sarney, que se desligou do PDS e se filiou ao PMDB. Enquanto isso, o PDS
escolheu como candidato Paulo Maluf.
A opinião pública apoiou abertamente a candidatura de Tancredo, que
acabou sendo eleito pelo Colégio Eleitoral. Assim, sua vitória acendeu muitas
esperanças. Surgiu, nessa época, a expressão “Nova República” para denominar o
regime que substituiria a ditadura militar. Significava a esperança de que, a
partir do restabelecimento da democracia, caminhássemos para uma condição de
menor desigualdade social, crescimento econômico e combate à corrupção e à inflação.
E então, subitamente veio a doença e a morte de Tancredo. Perplexa, a
população assistiu à posse de Sarney para a presidência da República. Sarney
havia apoiado a ditadura, fora senador pela ARENA, presidente do PDS e
principal articulador da derrota da emenda Dante de Oliveira. Essa situação
permite que questionemos a eficácia desse processo de redemocratização.
A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E A CONSTITUIÇÃO
CIDADÃ
Feita essa revisão da ditadura militar, podemos falar da Constituição de
1988, que está vigente até hoje! Em 1986, durante a presidência de Sarney, houve
eleições para o Congresso Nacional (deputados e senadores). Os 559 eleitos
formaram a Assembleia Constituinte, que elaborou a nova Constituição entre 1987
e 1988. A maioria dos constituintes eram de partidos do chamado Centro
Democrático, partidos como PMDB, PFL, PTB e PDS. O presidente da Constituinte
foi o deputado Ulysses Guimarães, do PMDB. Entre os constituintes também
estavam figuras importantes, como os futuros presidentes Fernando Henrique
Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer.
O resultado de mais de 19 meses de assembleia foi a Constituição de
1988, apelidada de cidadã. É uma das mais extensas constituições já escritas,
com 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos. Mesmo assim, ela é considerada
incompleta, pois vários dispositivos que dependem de regulamentação ainda não
entraram em vigor. Confira a seguir algumas das principais determinações dessa
Carta:
- Sistema presidencialista de governo, com eleição direta em dois turnos
para presidente;
- Transformação do Poder Judiciário em um órgão verdadeiramente
independente, apto inclusive para julgar e anular atos do Executivo e
Legislativo;
- Intervencionismo estatal e nacionalismo econômico;
- Assistência social, ampliando os direitos dos trabalhadores;
- Criação de medidas provisórias, que permitem ao presidente da
República, em situação de emergência, decretar leis que só posteriormente serão
examinadas pelo Congresso Nacional;
- Direito ao voto para analfabetos e menores entre 16 e 18 anos de
idade;
- Ampla garantia de direitos fundamentais, que são listados logo nos
primeiros artigos, antes da parte sobre a organização do Estado.
No conjunto, a Constituição de 1988 se caracteriza por ser amplamente
democrática e liberal – no sentido de garantir direitos aos cidadãos. Apesar
disso, nossa Carta atual foi e continua a ser muito criticada por diversos
grupos, que afirmam que ela traz muitas atribuições econômicas e assistenciais
ao Estado. O presidente na época da promulgação, José Sarney, chegou a afirmar
que ela tornaria o país “ingovernável”, pelo excesso de responsabilidades sobre
o Estado. De todo modo, a Constituição Cidadã é considerada por muitos
especialistas como uma peça fundamental para a consolidação do Estado democrático
de direito no país, bem como da noção de cidadania, ainda tão frágil para a
população brasileira.
Fonte: politize!
0 Comentários