Pesquisa divulgada na Science identifica povoamento das Américas
Uma pesquisa para identificar o povoamento da
América do Sul e a relação com a América do Norte, a Sibéria e a Austrália, foi
publicada nesta quinta-feira (8) na revista norte-americana Science. O trabalho
se baseia no estudo genético de fósseis encontrados no Brasil, em populações de
Lagoa Santa, em Minas Gerais, e do homem de Spirit Cave, a múmia natural mais
antiga do mundo, encontrado em Nevada, nos Estados Unidos.
O trabalho, que contou com a participação de
pesquisadores do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ); da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Museu Nacional, da
Universidade da Dinamarca, foi apresentado no auditório do Zoológico, ao lado
do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
O líder do projeto, pesquisador dinamarquês
Eske Willerslev, da Universidade de Copenhagen, disse que estava muito
satisfeito por dois motivos: um pela publicação na revista Science dos estudos
realizados junto com seus colegas em uma “maravilhosa colaboração” e o outro
por saber que a pesquisa em conjunto vai se estender ao futuro.
Os pesquisadores querem saber como se
formaram essas populações, quantas ondas de migrações ocorreram e em que medida
influenciaram a formação dos povos que, atualmente, habitam essas regiões.
Lagoa Santa
O início das escavações em Lagoa Santa, onde
foi encontrado o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil brasileiro, foi feito
pelo arqueólogo e paleontólogo dinamarquês Peter Lund, que, no fim do século
19, levou o material ao seu país onde, para a continuidade dos estudos, foi
arquivado no Museu Nacional da Universidade de Copenhagen.
De acordo com o pesquisador do museu
dinamarquês, Peter de Barros Damgaard, que trabalha com Willerslev, durante
muito tempo o material ficou parado até os pesquisadores fazerem a primeira
análise, com sucesso, datando e sequenciando os esqueletos. Agora, aos estudos,
estão sendo anexadas amostras que foram resgatadas pelo Museu Nacional do Rio
de Janeiro, meses antes do incêndio do dia 2 de setembro deste ano.
“Temos já resultados positivos, não só
datando as amostras, mas também sequenciando genomas completos”, disse
Damgaard.
O pesquisador Luiz Souza, da Universidade
Federal de Minas Gerais, disse que a importância de Lagoa Santa na descoberta
está no tipo de solo da região. “É um solo calcário que permitiu tanto os ossos
de populações pré-históricas, como de animais da época, ficassem mais
preservados até agora, o que é difícil de se encontrar em outros ambientes. O
fato do solo de Lagoa Santa ter essas propriedades particulares permitiu que
até no século 19, inclusive, e ainda hoje, há escavações nesses locais e
encontrando mais ossos”.
Luzia e migrações
Os pesquisadores se debruçam, agora, na
avaliação de como podem fazer uma análise genética do fóssil de Luzia, que,
para eles, pode explicar a relação da população de Lagoa Santa com os povos
nativos da América do Sul e da Austrália. “É para saber como entrou este sinal
genético que conecta os povos da América do Sul com os povos da Austrália
comparados aos índios da América do Norte”, explica Damgaard.
Na visão do pesquisador, Luzia é a chave para
explicar esse mistério. “Estamos olhando cinco genomas que estamos publicando
agora, e nos reconstruídos a partir do Museu do Rio, que nos mostraram alguns
meses antes do incêndio. Eles têm mais ou menos 10 mil anos, só que a Luzia tem
aproximadamente 12 mil anos. Isso são dois mil anos de diferença em que várias
coisas podem ter acontecido”, disse.
Em Lagoa Santa também foi notado um sinal
genético que mostra que há 10 mil anos ocorreu um encontro do povo local com
outras populações australomelanésias [Austrália e Melamésia], que não existia
na América. “Isso causa uns problemas de interpretação nesse tipo de dado,
porque tem duas opções. Uma de que a América do Sul já estava colonizada por
povos austrolomelanésios, que não moravam na América do Norte e se misturaram
com grupos que entraram na América há 10 mil anos, ou que entraram em outras
ondas antes de 10 mil anos atrás, antes da primeira colonização americana e se
misturaram na América do Sul”, afirmou.
Os estudos apontam que há 25 mil anos houve
uma onda migratória que partiu da Sibéria e se expandiu para a Austrália e de
lá seguiram para o continente americano. Com essa migração, existe a
possibilidade de povos da América do Sul terem sinal genético
australomelanésio. “O que podemos saber é que há 10 mil anos existia um sinal
na América do Sul que não existia na América do Norte. Como interpretar isso?
Há duas opções: uma de que realmente a América do Sul era ocupada por grupos
australianos antes dos nativos americanos ou grupos que tinham esse sinal
entraram junto com os primeiros colonizadores não se misturaram e foram direto
para a América do Sul".
Além disso, há seis mil anos houve uma
segunda onda migratória, que, conforme o pesquisador, parece que começou na
América Central e vai para o norte e para o sul.
A pesquisadora Cláudia Carvalho, do Museu
Nacional, informou que o crânio de Luzia tem uma datação de 11.500 anos. Para
ela, com o material encontrado em Lagoa Santa, o pesquisador Peter Lund
revolucionou a ciência, porque não tinha material mais antigo. Segundo ela, o
que o trabalho atual mostra é que há uma nova interpretação com mudança de
paradigmas sobre o povoamento da América e que voltam para a América do Sul.
“E tentar discutir novamente uma pergunta que
às vezes é recorrente de tempos em tempos, porque temos essa diferença entre a
América do Norte e a América do Sul e porque a gente não pode simplesmente o
tempo todo imaginar um processo simples pela terra ou interior do continente.
Uma das hipóteses citadas, absolutamente plausível, é que de passagem pela
costa, que pode ter diferentes ambientes, mas tem uma relação grande com a
água, que entre aspas, seria muito mais fácil do que em outras situações”,
disse a pesquisadora, lembrando que, no caso da costa brasileira, tem a
distribuição de grupos pré-históricos que se espalham muito rápido pela região.
Para a professora Cláudia Carvalho, a
publicação na Science mostra que a pesquisa no Museu Nacional está viva apesar
do incêndio. “Esse é um trabalho de parcerias que dá para pensar no futuro,
porque o que se tem hoje são mais perguntas, a gente não tem apenas respostas.
A gente tem uma direção, um dado, mas que vai levar a gente cada vez a mais
perguntas sobre a ocupação da América.”
Fonte: Agência Brasil
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