Getúlio Vargas, em passeata em 1954.
UMA BREVE HISTÓRIA DOS DIREITOS DO TRABALHO
* Rodolfo Turolla
É
consenso geral entre juristas e magistrados que os direitos trabalhistas servem
para equilibrar as posições entre os sujeitos das relações de trabalho. Volta e
meia, escutamos legisladores e outros dizendo que essas leis devem se adequar
ao tempo que vivemos, visto que a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) é
antiga – de 1943 – e talvez não leve em consideração todas as mudanças sociais
e econômicas que ocorreram nesse período.
O TRABALHO NA ANTIGUIDADE
Quantos
de nós já não escutamos esta máxima: o trabalho dignifica o homem. Às vezes, o
ditado vem na forma de outros discursos, como “seu avô já trabalhava aos 8 anos
de idade”. Em nossa sociedade, o trabalho é motivo de orgulho, quase uma carta
emancipatória. Quem trabalha adquire diversos direitos morais que só se admitem
a quem tem uma função econômica dentro da sociedade. Mas nem sempre foi assim.
Trabalho
já foi sinônimo de escravidão, servidão e de falta de capacidade intelectual.
Nos tempos antigos (Grécia e Roma, para sermos mais exatos), o trabalho era
destinado aos que não tinham habilidades técnicas para exercer outras funções,
como as políticas ou artísticas. Uma frase de Platão explica o que era o
trabalho para um grego no século III a.C, por exemplo:
“É
próprio de um homem bem-nascido desprezar o trabalho.”
Naquela
época, trabalhar não era uma boa ideia. Era fruto inclusive de debates
filosóficos, como o de Aristóteles, que discutia se havia pessoas predestinadas
para o trabalho e outras para a liberdade. Trabalhar era coisa de escravo, e
ser escravo nunca é bom negócio.
O TRABALHO ENFIM DIGNIFICA O HOMEM
A ideia
de que cumprir um papel no mundo trabalhista traz dignidade às pessoas só foi
aparecer já em nossos tempos modernos, fruto das revoluções industriais que nos
trouxeram um novo tipo de convivência social. Uma sociedade onde a divisão de
classes não era mais uma escolha divina, como na Alta Idade Média e Idade Média
Central – época em que a estratificação social era vista como vontade divina -,
ou no início do Renascimento Comercial, quando as corporações de ofício
decidiam as regras sobre as próprias atividades.
A partir
do aumento da industrialização, era necessário buscar outro motivo além do
sustento ou da vontade de Deus para o trabalho. A atividade laboral passa então
a empregar valores morais e sociais aos que a exerciam, e consequentemente
privar os que não trabalhavam desses mesmos valores. Passamos também a viver
uma nova relação entre as pessoas, com uma grande divisão: os que tinham meios
econômicos de manter um empreendimento e os que tinham apenas sua força de
trabalho como meio de garantir sua existência. Surgem assim as figuras do
patrão e do empregado.
As
condições de vida de um operário no século XIX, seja na Inglaterra, berço da
revolução industrial, ou em outros países europeus que seguiram o caminho da
industrialização, eram degradantes. Estavam expostos à fome e aos mais diversos
tipos de doenças (como a cólera e o tifo, personagens de grandes epidemias do
século XIX) que encontravam terreno fértil em cidades recém (e mal) formadas,
graças ao grande fluxo de trabalhadores vindos do campo em busca de uma nova
forma de prover sua subsistência. Essas cidades eram desprovidas de saneamento
básico: esgotos corriam a céu aberto e homens, mulheres e crianças dividiam espaço
com infestação de ratos, diversos insetos e outras pragas. Não raro, duas ou
mais famílias dividiam um quarto nas vilas operárias, que serviam tanto para
abrigar os trabalhadores quanto para garantir a dependência destes em relação
ao patronato, visto que as vilas eram de propriedade dos grandes proprietários.
O
operário encontrava tudo isso após uma jornada exaustiva de trabalho (por
vezes, de 16 horas), em condições insalubres, que levavam a graves problemas
físicos. Muitos trabalhadores com menos de 30 anos se tornavam inaptos para o
trabalho graças a sequelas deixadas por anos de aspiração de pó de carvão, por
exemplo. Na grande maioria das vezes, essa atividade sequer lhes garantia o
mínimo para suprir suas necessidades básicas. Mulheres e crianças trabalhavam
em regimes parecidos e ganhavam menos, o que deixava a produção mais barata e
aumentava os lucros. Em contrapartida, isso gerava desemprego entre homens
adultos. Essa situação contrastava com a gigantesca riqueza gerada na época.
O visível
desequilíbrio entre as partes da produção não demorou a causar conflitos,
principalmente num momento da revolução industrial em que parte da mão de obra
estava sendo substituída pela automação da produção, que traria as máquinas à
cena. A classe operária e os menos favorecidos em geral não gozavam de nenhum
amparo jurídico, embora movimentos na Inglaterra como o ludismo e o cartismo
procurassem solucionar esses problemas. Visando equilibrar essa relação e
acalmar os ânimos cada vez mais acirrados de sindicatos e outros movimentos
trabalhistas que se uniam às classes pobres contra a classe burguesa liberal,
os governos se organizaram para interromper o que poderia ser o crescimento de
novos ideais revolucionários (o socialismo, por exemplo).
Reivindicações
foram sendo incorporadas de maneira paliativa para que tudo se mantivesse em
funcionamento. Um exemplo são as pedidas do próprio movimento cartista, na
Inglaterra, que propunha medidas socialistas. Leis como a da jornada de
trabalho de 10 horas e a participação dos operários no parlamento, que eram
pautas do movimento, foram sendo incorporadas pouco a pouco, fazendo com que o
cartismo perdesse força política e não ganhasse crédito por essas conquistas.
Entre os anos de 1860 e 1869, as reivindicações cartistas foram quase
totalmente inseridas na constituição inglesa.
O QUE MÉXICO E ALEMANHA TÊM COM A HISTÓRIA
DOS DIREITOS TRABALHISTAS?
O
primeiro exemplo histórico de direito do trabalho não tinha propriamente esse
nome. Esses direitos trabalhistas eram chamados de “sociais” e se consolidaram
em 1917, no México, no contexto da revolução mexicana, que levou à promulgação
de uma nova constituição no país naquele ano. Nela, constavam artigos que
legislavam acerca do período de trabalho (8 horas diárias), além de estabelecer
um salário mínimo como um montante capaz de sustentar o trabalhador e sua
família com dignidade.
Logo após
a experiência mexicana, a Constituição de Weimar (Constituição do Império
Alemão) de 1919 foi promulgada. Ela também garantia “direitos sociais”, numa
ruptura com o Estado liberal e uma tentativa de ascensão do Estado social.
Esses direitos trabalhistas seguiam as convenções da recém-criada OIT
(Organização Internacional do Trabalho), que fazia parte do tratado de
Versalhes e buscava uma relação tripartite entre governos, organização de
empregadores e trabalhadores.
A grande
maioria das leis do trabalho brasileiras são pautadas nessa relação entre o
grande capital e os trabalhadores. Podemos dizer que direitos trabalhistas
emanam da ideia de garantir uma vida digna e equilibrar essa relação, que é
exatamente o papel que a OIT toma para si até os dias atuais.
E O BRASIL?
As
conquistas sociais em relação ao trabalho no Brasil são tardias, porque nosso
desligamento com a escravidão e nossa indústria também foram tardios. Porém, já
no final do século XIX, havia movimentos no sentido de garantir avanços legais,
como a Fundação da Liga Operaria no Rio de Janeiro e a lei que proibia o
trabalho para menores de 12 anos. No começo do século XX, assistimos ao
estabelecimento de normas que previam férias (15 dias por ano) e alguns tipos
de direito em relação aos acidentes de trabalho. A criação destas leis foram
impulsionadas pela abolição da escravidão, que trouxe um novo viés trabalhista
e econômico para o país.
O
operário encontrava tudo isso após uma jornada exaustiva de trabalho (por
vezes, de 16 horas), em condições insalubres, que levavam a graves problemas
físicos. Muitos trabalhadores com menos de 30 anos se tornavam inaptos para o
trabalho graças a sequelas deixadas por anos de aspiração de pó de carvão, por
exemplo. Na grande maioria das vezes, essa atividade sequer lhes garantia o
mínimo para suprir suas necessidades básicas. Mulheres e crianças trabalhavam
em regimes parecidos e ganhavam menos, o que deixava a produção mais barata e
aumentava os lucros. Em contrapartida, isso gerava desemprego entre homens
adultos. Essa situação contrastava com a gigantesca riqueza gerada na época.
O governo
brasileiro passou a buscar o equilíbrio entre os elos que formam a corrente do
capital industrial a partir do governo Vargas, com a Constituição de 1934. Nela
estavam previstos direitos trabalhistas como salário mínimo, jornada de
trabalho de 8 horas, repouso semanal, férias remuneradas e assistência médica e
sanitária. Fica exposto nessas ações que as leis do trabalho não eram apenas do
trabalho, eram também sociais.
Em 1943,
no dia 1º de maio, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O
contexto de sua criação é particular: o governo buscava legitimidade para a
figura de Getúlio Vargas. Mais do que apenas ser legítimo, Vargas, que acabara
de instituir o Estado Novo, buscava personificar a figura de “pai dos pobres”.
O país passava por uma fase de desenvolvimento: o número de trabalhadores
aumentava e suas reivindicações também. Por isso, era necessário unificar as
leis do trabalho. A CLT garantiu parte das demandas dos trabalhadores. Leis
posteriores garantiriam também 13º salário, repouso semanal remunerado e outras
conquistas que abordaremos em outros momentos desta trilha.
Outras
medidas foram tomadas na história recente, todas elas quase sempre
impulsionadas por momentos de tensão entre trabalhadores, governos e grandes
corporações. Os direitos trabalhistas, como pudemos perceber nesta breve
exposição da história dos direitos trabalhistas, giram em torno dessas tensões
e servem muitas vezes como um anestésico funcional para as grandes massas.
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