A proclamação da República no Brasil
Escrito por Fábio Monteiro/Portal Politize!
O Iluminismo no Brasil
Os
processos de independências da América Portuguesa e Hispânica foram
influenciados pelos ideais iluministas, assim como pelo avanço das tropas
napoleônicas sobre a Península Ibérica. Porém, na América Hispânica, os ideais
liberais de liberdade, republicanismo e federalismo provocaram a fragmentação
territorial e a ascensão de diversas repúblicas autônomas.
Já no
Brasil, a independência também foi influenciada pelos conselhos da imperatriz
Leopoldina e de José Bonifácio tendo em vista a manutenção de aspectos
conservadores. Dito de outra forma, o processo de independência do Brasil foi
gradativo: teve início no famoso “Dia do Fico”, em 9 de janeiro de 1822, passou
pelo celebrado “Dia do Grito”, em 7 de setembro do mesmo ano e foi concluído em
junho de 1823 com as vitórias militares das tropas de Pedro I na quase
esquecida Guerra do Jenipapo.
A
proposta era manter os limites territoriais herdados da colônia, garantir
avanços políticos liberais, mas sem grandes abalos estruturais na sociedade. A
solução encontrada foi a “teoria da dupla-cabeça”: fundar uma Monarquia
Constitucional centrada na liderança política de dom Pedro I e, junto dele, uma
Carta Magna inspirada na teoria dos três poderes e um imperador forte e
personalista.
Dessa
maneira, a primeira Carta de 1824 foi outorgada e prevaleceu por 67 anos, sendo
a mais longeva que o país já teve. Em meados de 1870, eventos como a Guerra do
Paraguai e os movimentos abolicionistas demonstravam novas possibilidades
políticas ao país. A proclamação da República estava em andamento.
A pressão pela abolição
Nunca é
demais relembrar que o Brasil foi o país que recebeu o maior contingente de
migração forçada da história da humanidade. A partir dos estudos do historiador
Luiz Felipe Alencastro, isso significa dizer que, em três séculos de tráfico
negreiro (1550-1850), o país foi o destino de 14900 viagens que para cá
trouxeram cerca de cinco milhões de almas africanas escravizadas.
Ainda em
meados de 1850, a corte brasileira, no Rio de Janeiro, tinha a maior
concentração urbana de escravizados existentes no mundo desde o fim do Império
Romano: eram cerca de 110 mil escravizados em um universo de 266 mil
habitantes. Apesar de prometida à Inglaterra desde 1810, somente a partir da
década de 1860 o Senado brasileiro se sentiu pressionado pelos movimentos
abolicionistas a levar adiante o fim desta economia infame.
Os
estudos da cientista social Angela Alonso são bastante esclarecedores a
respeito desses “movimentos” dentro do abolicionismo, pois ela identifica que,
enquanto Joaquim Nabuco mantinha mais uma atuação diplomática e contida na
defesa de um abolicionismo pelas vias legais, André Rebouças dedicava-se mais à
produção intelectual e era mais radical, apostava numa abolição associada à
reforma agrária.
Entre
ambos, ainda havia a figura pública atuante de José do Patrocínio, um
articulador social capaz de realizar festas, eventos teatrais e encontros
públicos para conquistar cada vez mais audiência para a causa humanitária.
Ambas lideranças competiam com o abolicionismo reformista – isto é, lento e
gradual pela via das leis – que já estava em marcha desde a proibição do
tráfico negreiro, de 1850 e chegando à Lei do Ventre Livre, de 1871.
A influência da Guerra do Paraguai
Nesse
momento, a Guerra do Paraguai contribuiu para deslocar o apoio político das
elites econômicas rumo ao republicanismo. Deixando de lado as causas e o
desenvolvimento dessa que foi a maior guerra brasileira, é preciso reconhecer
que, além dela desarranjar os fundamentos da escravidão, também trouxe os
militares de baixa patente para o primeiro plano político. A publicação do Manifesto
Republicano em 1871 passou então a dar um novo sentido político ao país.
A partir
da década de 1870 os ideias republicanos começaram a ganhar mais peso político:
os militares de baixa patente que participaram da Guerra do Paraguai haviam
tido contato com as realidades republicanas na região platina. Imbuídos de um
ideal romântico, chamaram para si a responsabilidade de capitanear uma espécie
de salto histórico em direção a algo mais moderno, a República. Este “ideal
romântico” era algo próprio do Positivismo, uma filosofia francesa que defendia
“o amor como princípio, a ordem como base e o progresso como um fim”.
A participação das elites
Visto por
outro ângulo, o republicanismo no Brasil foi associado à perspectiva histórica
positivista, isto é, à crença de que seria possível marchar rumo a uma evolução
social, em direção a uma sociedade baseada na liberdade, na igualdade jurídica
em um sistema representativo das vontades populares.
Esse
ideário agradava as elites cafeicultoras da época, pois o federalismo
permitiria uma nova organização administrativa capaz de dar mais autonomia e
poder para “a locomotiva econômica da nação” – a região Centro-Sul era
responsável por mais de 60% das exportações do país.
Assim, de
maneira retrospectiva, considera-se que a gota d’água que estimulou a
proclamação foi a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, em 13 maio de
1888. Isto porque a abolição era sancionada sem garantias sociais, seja aos
escravizadores, seja aos escravizados: a sorte de ambos estava lançada.
No
terceiro livro de sua trilogia “1808, 1822 e 1889”, o historiador Laurentino
Gomes chega a estimar que, caso o Império indenizasse os senhores de escravos,
seria necessário triplicar o PIB do Império. Isso significa que, diante da
ausência de indenização por parte do Império, as elites econômicas rapidamente
aderiram ao ideário republicano. Tanto é assim que criou-se a expressão “os republicanos
de 14 de maio” para expressar os humores políticos da época.
15 de novembro de 1889
Apesar de
bem conhecidos, os eventos do dia 15 de novembro de 1889 merecem ser revisados.
Liderados pelo professor de Engenharia da Escola Militar da Praia Vermelha,
Benjamin Constant, um grupo de militares de baixa patente recorre ao Marechal
Deodoro da Fonseca pedindo apoio para tirar o imperador do poder.
Deodoro,
que era monarquista amigo pessoal de Dom Pedro II e estava adoecido, adere à
causa e toma de assalto o poder, enquanto Pedro II recebia as notícias junto da
corte na cidade de Petrópolis na região serrana do Rio de Janeiro, onde a
Família Real costumava passar mais da metade do ano.
Diante do
golpe, o velho dom Pedro II permaneceu hesitante e chegou a receber cartas do
irmão de Deodoro, Hermes da Fonseca que à época era governador da Bahia,
recomendado que se alojasse em Juiz de Fora, onde tropas seriam organizadas a
fim de resistir ao golpe republicano.
Entretanto,
dom Pedro II cedeu às circunstâncias a fim de evitar o que acreditava que seria
um derramamento de sangue. A partir do dia 16 de novembro, uma população
composta por mais de 80% de analfabetos despertava sob o signo de um novo
regime que historicamente prometia liberdade, igualdade e fraternidade.
A República ontem e hoje
Existem
diversas maneiras de se ler a história republicana do Brasil. Como exemplo,
tem-se o recorte proposto pelo cientista social carioca Sérgio Abranches, para
quem estamos vivendo a nossa Terceira República, iniciada em 1988. Sendo assim,
teríamos a Primeira República sendo aquela vivida entre a Proclamação e o
Governo Vargas, de 1889 a 1930, e a Segunda República, aquela vivida na
ascensão da Guerra Fria, entre 1945 e 1964.
Nesse
sentido, é preciso destacar que a nossa história republicana foi interrompida
por dois regimes autoritários: o Estado Novo, de 1937 a 1945, e a Ditadura
Civil-Militar, de 1964 a 1985. Além disso, talvez seja interessante recordar
que, desde a Independência, tivemos sete constituições, todas elas bem
analisadas no livro “A História das Constituições Brasileiras”, de Marco
Antonio Villa.
Por volta
de 1900, a nossa capital carioca tinha cerca de 520 mil pessoas e era de longe
a nossa grande metrópole – São Paulo tinha modestos 65 mil habitantes. Naquele
momento, depois de dois anos de trabalho legislativo, tivemos a promulgação da
primeira Constituição republicana em fevereiro de 1891. Dentre as suas
novidades republicanas houve:
Separação entre Estado e Igreja;
A
implantação do federalismo e do presidencialismo, sendo o mandato presidencial
de quatro anos, o dos deputados de três anos e o dos senadores de nove anos;
O
sufrágio era permitido somente para homens maiores de 21, sendo que
analfabetos, mendigos, militares e clérigos eram impedidos de votar. Quanto às
mulheres, a Carta Magna não fazia referência a elas;
Hoje o
Brasil conta com mais de 147 milhões de eleitores e com uma Carta Magna que
chegou aos trinta anos de idade assistindo a dois impeachments e, de acordo com
o jurista Oscar Vilhena, apresentando novos desafios, tais como a necessidade
de uma reforma fiscal, de uma reforma eleitoral e de mecanismos mais eficientes
de transparência nos serviços públicos.
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