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Curdos: o maior povo apátrida do mundo


Curdos: o maior povo apátrida do mundo
Escrito por Renan Lima/Portal Politize!
Trinta milhões. Essa é aproximadamente a quantidade populacional de um povo que luta a mais de dois séculos por reconhecimento étnico e geográfico. A história do povo curdo é marcada por resistência, luta e principalmente, pelo papel de transformação cultural na região em que habita. Nesse post aprenderemos um pouco mais sobre os curdos, quem são, pelo que lutam e que papel desempenham no oriente médio.
Primeiramente, quem são os curdos?
Os Curdos habitam atualmente uma região que abrange quatro países: Turquia, Irã, Iraque e Síria. Ao todo, a região é território de Árabes, Persas e Turcos e cada um desses povos tem uma concepção diferente a respeito de sua identidade. Os Árabes tratam os curdos como “Árabes da montanha” devido a região montanhosa do sul da Turquia, os Turcos os consideram não como curdos, mas como os “turcos da montanha” e os Persas acreditam que os curdos são apenas uma etnia persa. Portanto, os árabes como os Persas e turcos não enxergam o povo curdo como uma etnia com seus próprios princípios e tradições. Ou seja, trata-se um povo que por onde quer que olhe, enxerga a negação de suas culturas e valores.
O nome Curdistão deriva da palavra suméria “kurti” que significa ‘povo da montanha’. Habitam uma área correspondente a 450.000km² e como falado anteriormente, várias etnias dividem esse espaço de terra com os curdos. Por tratar-se de uma região rica em água e em solo fértil para o plantio agrícola, a região ao longo da história sempre foi cobiçada por várias potencias estrangeiras, fazendo com que os curdos se caracterizem como um povo que sempre ofereceu resistência contra interferências de potências internacionais.
Surge o embate entre Curdos e Turcos
Se pararmos para analisar todos os embates entre curdos e turcos voltaremos cerca de dois séculos atrás. Porém, um dos pontos mais marcantes desta história acontece em 1925. Junto com o surgimento do estado moderno da Turquia após o declínio do império otomano, surge também o movimento nacionalista curdo em forma de revolta popular em busca de um Curdistão independente.
A Turquia reagiu severamente, matando mulheres e crianças e a partir desse evento, a existência do povo curdo, que segundo os historiadores é mencionada pela primeira vez com língua e cultura ainda durante a quarta era do gelo (20.000 – 15.000 A.C), passou a ser negada e assim permanece até os dias atuais.
Durante séculos, a população curda se desenvolveu sem conceber-se realmente como uma nação. Este processo só é iniciado a partir da década de 70, quando movimentos estudantis ligados a esquerda na Turquia passam a reconhecer e começam um trabalho de conscientização de uma identidade curda. Tal processo inflamou mais uma vez os nacionalistas turcos, que viam nesse processo mais uma tentativa de independência curda.
O PKK como forma de resistência e luta curda
O Parti Karkerani Kurdistan (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) como organização política surge exatamente em 27 de novembro de 1978, formado por seis jovens curdos, o PKK nasce com o objetivo de devolver ao povo curdo a chance de se autodeterminar, poder expressar suas culturas, poder ter acesso a segurança e saúde pública, e principalmente, poder voltar a falar sua língua de origem. Coisas que a partir de 1925 foram negadas pela Turquia.
De início, o PKK focou suas atuações em regiões rurais da Turquia, pois sabiam que se fossem para a cidade seriam combatidos. Porém o país turco vivia um de seus piores momentos e em 1980 o exército turco depôs o governo civil e tomou o poder. Os ativistas do PKK temendo que isso acontecesse, refugiaram-se nas montanhas, ficando apenas alguns membros na região de origem de criação do partido, todos os que ficaram foram presos pela junta militar.
Portanto, o PKK fica dividido entre ser um partido exilado nas montanhas ou retornar ao Curdistão e oferecer resistência contra os militares turcos. A segunda opção venceu e o PKK torna-se mais uma vez, alvo de militares turcos.
Na década de 1990, o então presidente turco Turgut Ozal tentando por panos quentes ao conflito, reconhece a identidade do povo curdo, o que anima o PKK que, por sua vez, oferece um cessar fogo. Porém, o presidente turco foi vítima de um infarto e veio a óbito, alguns radicais do PKK também não obedeceram a ordem de parar com os conflitos e assim, a relação entre curdos e turcos perdeu uma das maiores chances de chegar a um fim pacífico.
O Sequestro de Abdullah Ocalan e premissas do PKK
A década de 1990 foi considerada como uma década perdida tanto para o PKK como para a junta militar turca devido a inúmeras baixas dos dois lados em um conflito que parecia não ter mais fim.
No ano de 1998, o então presidente do PKK Abdullah Ocalan decide viajar para o continente europeu no intuito de promover uma solução política para o embate. Porém Abdullah quando fez uma conexão no Quênia foi sequestrado por uma aliança de serviços secretos promovida pelos EUA, Israel e Turquia. E assim, mandado de volta ao país turco. Tal acontecimento mudou drasticamente a posição ideológica do PKK.
Para o partido, a luta bélica era a única forma de lutar pelos direitos do povo curdo, e só a utilizavam como forma de auto defesa. Com a prisão de Abdullah, a Turquia acreditou que o PKK estaria exterminado, mas o que aconteceu foi justamente o contrário, nasce um novo partido, com novas posições filosóficas, políticas e ideológicas. Dentre elas podemos destacar:
Toda a abordagem política do partido passa a ser moldada pelo socialismo democrático;
O partido não busca mais a criação de um estado-nação. Passa a lutar pelo reconhecimento de seu povo e de sua cultura dentro dos países que fazem parte;
Busca uma reforma política profunda em todos os países que almeje um sistema democrático sólido, que reconheça todas as etnias existentes;
Luta para a implementação de um regime de confederação curda nas regiões onde habitam. Tal confederação democrática serviria de modelo político a ser seguido pelos países do Oriente Médio. Tal confederação teria administração política e econômica autônoma e os poderes do estado seriam limitados em sua área;
Democratização da política como um dos desafios mais urgentes.
Conscientização democrática da população. O povo curdo precisa engajar-se politicamente, lutando por instituições democráticas curdas para fomentar a participação política;
Livre acesso a informação como pilar democrático;
Direito a educação na língua nativa e acesso ao sistema público de saúde;
Proteção do meio ambiente e liberdade de expressão e decisão.
Na prisão-ilha turca, o líder do PKK escreveu em um dos seus livros
“como um movimento político que pede reconhecimento cultural, democratização de políticas e inclusão social pode ser considerado como um partido terrorista? terrorismo é exterminar mulheres e crianças, terrorismo é impedir que um povo possa falar sua língua nativa.”
As mulheres curdas no conflito armado
Não podemos deixar de falar a respeito do importantíssimo papel que as mulheres exerceram na guerra contra o Estado Islâmico, e exercem ainda hoje. Porém, antes de relatar como e porque entraram na guerra contra o EI, precisamos deixar claro que o papel da mulher na sociedade curda, ao contrário da grande maioria dos países do Oriente Médio, é um papel de igualdade e em muitos casos, de liderança.
Está escrito em uma das premissas do PKK, o gênero feminino não deve ser tratado com desonra ou apequenado, é preciso criar uma teoria feminista que defenda a posição feminina em todo o oriente médio, ao contrário não haverá mudança significativa.
Por não terem um estado-nação de fato, o povo curdo criou organizações de âmbito político, econômico e militar em cada país em que habita com o objetivo de melhor representar seu povo. Dentre essas organizações estão o PKK, o PYD (Partido da União Democrática), YPG (Unidade de Proteção Popular) e o YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres).
Portanto, uma das organizações militares curdas, atuante principalmente no Iraque, chamada Peshmerga luta pela proteção do território curdo iraquiano. Nesse exército, tanto homens quanto mulheres podem participar. Além dos Peshmerga, o exército YPJ é formando exclusivamente só por mulheres que sentiram a necessidade latente de defender suas culturas e familiares contra o Estado Islâmico.
Tal atuação feminina vem fazendo com que as mulheres curdas consigam aos poucos mudar uma cultura secular de grande parte do oriente médio, a qual o papel da mulher é o de se desenvolver com o único objetivo de se casar com o homem que o pai escolher e ter filhos. Nesse sentido, cresce dentro das relações internacionais o debate a respeito do feminismo no oriente médio.
Com o advento do Estado Islâmico, que autoproclamou seu califado entre o território curdo, a população passou a ser perseguida, várias cidades foram invadidas e assassinatos em massa foram efetuados pelos terroristas. Mulheres e crianças eram estupradas como um mecanismo de arma de guerra, além disso a venda de mulheres e crianças também era prática comum do Estado Islâmico. Tais atos levaram as mulheres curdas a única saída possível, o enfrentamento.
Em cada país onde a população curda se faz presente, existem mulheres em seus exércitos. 45% do exército Curdistão sírio é formado por mulheres. No Irã 50% e na Turquia, segundo declara o PKK, 15% do exército é composto por mulheres.
O objetivo das guerrilheiras curdas vai muito além do militar, visam garantir autonomia e ter voz frente a uma região em que o papel do homem e da mulher é bastante específico. Na cultura curda, a mulher é valorizada e respeitada, principalmente no setor militar. Nesse sentido, existe a ideia de que as mulheres são independentes, e podem ser iguais e até melhores que os homens e vários aspectos sociais.
O Medo de Morrer Para Uma Mulher
Fato bastante curioso entre os guerrilheiros do Estado Islâmico, é que os jihadistas temem ser abatidos pelas guerrilheiras, pois acreditam que se acontecer tal fato, não irão para paraíso após sua morte e que não vão serem premiados com as 72 virgens prometidas. Promessa que é fruto da interpretação feita pelos jihadistas de um segmento da religião Islâmica que eles seguem. Portanto, o papel das mulheres na luta contra o Estado Islâmico e na defesa do povo curdo é extraordinário.
Trump retira as tropas da região, deixando os curdos sozinhos
Com o fim da luta armada contra o Estado Islâmico, o povo curdo conseguiu voltar a ter o controle em regiões da Síria e do Iraque, porém com a queda do estado islâmico, tanto a Turquia como a Síria querem retomar os territórios. Colocando assim seus exércitos frente a frente, os curdos e os Estados Unidos formavam a terceira frente desse conflito, mas o presidente americano Donald Trump, temendo ficar sob fogo cruzado, decide retirar suas tropas, o que deu uma injeção de animo para a Turquia, que enxergou nesse ato americano um ‘sinal verde’ para atacar.
Para o presidente turco Recep Erdogan, o gesto de Trump foi considerado como um sinal verde para que a Turquia avançasse contra os curdos nas áreas recém conquistadas, afirmando que a ação militar seria para “criar uma zona segura e evitar a criação de um corredor terrorista ao longo da fronteira”.
Tal ofensiva turca avança 32km sobre o território Sírio, que por sua vez afirma que defenderá suas fronteiras “a todo custo”, desta feita crescem as rusgas entre a Turquia e a Síria. Sempre importante lembrar, que a Síria tem o apoio Russo para retomar o controle de todo o território.
Porém poucos dias após a retirada das tropas, Trump decide enviar uma força tarefa para a Turquia no intuito de evitar a ofensiva planejada por Erdogan. O vice-presidente americano, o secretário de estado e o assessor para assuntos internacionais estão a caminho da Turquia para tentar uma negociação com pouca margem de sucesso.

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