Era Vargas (1930-1945)
Escrito por Isabela
Moraes/Portal Politize!
Os quinze
anos consecutivos da presidência de Getúlio Vargas constituem o período
intitulado “Era Vargas” (1930-1945), e não correspondem à totalidade do período
de governo varguista. Poucos anos depois, em 1951, Getúlio retornou à
Presidência por mais três anos, até que, em 1954, ’saiu da vida para entrar na
história’.
Em toda a
história política brasileira, Getúlio Vargas talvez seja o personagem mais
emblemático. Nos quase vinte anos em que governou o país, a ambiguidade da
política de Vargas o tornou uma imagem cultuada tanto pela direita quanto pela
esquerda. Por um lado, Getúlio foi responsável por importantes direitos
sociais, como o voto feminino e os direitos trabalhistas; por outro, governou o
país de forma autoritária durante o período ditatorial conhecido como “Estado
Novo”.
Neste
post, o Politize! te ajuda a compreender as diferentes etapas da Era Vargas e
explica os principais acontecimentos desse marcante período político.
Revolução de 30
A chegada
de Getúlio Vargas ao poder se deu por meio da Revolução de 30, que pôs fim ao
domínio político das elites paulista e mineira. Durante anos, esses dois
estados dominaram a política brasileira, através de um sistema de alternância
de poder na Presidência da República. Essa aliança ficou conhecida como
“República do Café com Leite”, em alusão à produção de café e leite que era
base econômica desses dois estados, respectivamente. A partir dessa aliança, as
elites oligárquicas garantiam seus interesses econômicos por meio de uma
política externa agroexportadora.
Em 1930,
no entanto, o então presidente Washington Luís (paulista) rompeu com a aliança
que sustentava a República do Café com Leite, ao nomear outro paulista para a
presidência. Em represália, o governador de Minas Gerais, juntamente com os
estados da Paraíba e do Rio Grande do Sul, formaram a Aliança Libertadora (AL),
com o objetivo de derrubar o governo de Washington Luís e impedir a posse de
seu sucessor. Faziam parte dessa aliança
as oligarquias desses estados e militares.
Assim, o
gaúcho Getúlio Vargas chegou ao poder por meio do Golpe de Estado organizado
pela Aliança Libertadora, comumente chamado de Revolução de 30. A partir de
então inicia-se o Governo Provisório de Getúlio Vargas – intitulado dessa
maneira por haver expectativa de que novas eleições fossem convocadas.
Governo Provisório (1930-1934)
Logo no
início de seu governo, Vargas buscou romper os laços entre o Estado e as elites
tradicionais que governavam até então. Para fazer isso, ele adotou políticas de
centralização do poder, como o fechamento do Congresso, e a abolição da
Constituição de 1891. A ideia do novo Presidente era de reestruturar o Estado,
para romper completamente com os antigos grupos poderosos que o controlavam.
Também
com esse intuito, Vargas adotou medidas de substituição dos antigos cargos
políticos, vinculados às elites tradicionais. Os governadores dos estados foram
substituídos por pessoas nomeadas pelo novo Presidente, os chamados
interventores. Em geral eram nomeados para esse cargo tenentes que participaram
da Revolução de 30, como forma de compensá-los por sua participação no movimento.
Com essa substituição, pretendia-se aniquilar o poder local dos coronéis (que
até então governavam através da chamada “política dos governadores”).
Como o
nome desse período indica, a expectativa era de que o governo fosse apenas
transitório e convocasse novas eleições rapidamente. O descumprimento dessa
expectativa, juntamente com as ousadas transformações implementadas por Vargas,
provocaram reações das oligarquias locais. Em São Paulo as elites tradicionais
convocaram a população para um levante contra o governo, pedindo a realização
de novas eleições e a convocação de uma Constituinte. Esse movimento ficou
conhecido como “Revolução Constitucionalista de 32”.
O levante
paulista foi suprimido pelo Governo, mas suas demandas foram parcialmente
atendidas. Pressionado pelo movimento paulista, Vargas convocou uma Assembleia
Constituinte para a elaboração de uma nova carta Constitucional, promulgada em
1934.
A
Constituição de 1934 foi inovadora em seu caráter liberal e progressista, que
pretendia uma expansão dos direitos sociais para a população. Uma das
principais novidades dessa Constituição foi a garantia de direitos
trabalhistas, com o estabelecimento da jornada de trabalho de 8 horas, das
férias e da previdência social. Destaca-se também a mudança na legislação
eleitoral, com o estabelecimento do voto secreto e ampliação da participação
política, através da implementação do voto feminino. Por fim, também é evidente
o caráter nacionalista da Constituição, com políticas de defesa de riquezas
naturais.
Governo Constitucional (1934-1937)
A nova
Constituição elaborada por Getúlio foi bem recebida pela população, que teve
seus direitos ampliados a partir da nova Carta. Esse sucesso costuma ser
apontado como a principal razão para sua reeleição em 1934 (na verdade,
eleição, pois antes Vargas chegou ao poder por meio de um Golpe de Estado).
O segundo
governo varguista é considerado a segunda fase da Era Vargas, período conhecido
como Governo Constitucional, em referência a recém promulgada Constituição.
Internacionalmente,
os anos de 1930 foram marcados pelo crescimento das hostilidades no continente
Europeu, onde se traçava o caminho para a Segunda Guerra Mundial. Na Itália,
Benito Mussolini governava sob um regime fascista desde 1925. Na Alemanha,
Hitler ascendia ao poder e instaurava o nazismo. A União Soviética, por sua
vez, era liderada por Josef Stalin. Dessa forma, a Europa vivia um momento em
que as hostilidades entre o fascismo e o comunismo estavam prestes a
desencadear o maior conflito da história.
Fascismo e comunismo à moda brasileira
No
Brasil, a influência dessas duas ideologias se fez sentir. Inspirada pelo
fascismo italiano, surgia aqui a Ação Integralista Brasileira (AIB), um
movimento político de extrema-direita liderado por Plínio Salgado. Sob o lema
“Deus, pátria e família”, o integralismo brasileiro defendia um governo forte e
centralizado, o fim das liberdades democráticas e a perseguição ao comunismo. A
inspiração fascista era bastante visível: os integralistas utilizavam uniformes
de aparência militar com o símbolo ∑ nos ombros, e faziam cumprimentos com os
braços estendidos, em referência ao nazismo.
O
comunismo, por sua vez, também inspirou a emergência de um movimento político
no Brasil. Denominado Aliança Nacional Libertadora (ANL) o movimento comunista
brasileiro caracterizava-se por sua defesa da reforma agrária, pelo anti
imperialismo (ou seja, contra o domínio dos Estados Unidos e das potências
europeias sobre o Brasil), e pelo desejo de uma revolução proletária. A ANL era
liderada por Luís Carlos Prestes, que em 1920 comandou a Coluna Prestes
(movimento que, junto ao tenentismo, do qual Vargas fez parte, combatia as
oligarquias tradicionais). Sob o comando
de Luís Carlos Prestes a ANL organizou a chamada Intentona Comunista, em 1935,
um levante comunista contra o governo de Getúlio Vargas.
O governo varguista dá seus primeiros sinais de autoritarismo
Com a
emergência desses movimentos políticos, Getúlio Vargas vê seu governo ameaçado.
Embora as tentativas de levantes tenham sido facilmente contidas pelo governo,
Vargas as utiliza como justificativa para decretar um estado de Sítio no país.
Sob
justificativa de uma “ameaça comunista” a eleição presidencial de 1937 é
cancelada. Um suposto plano comunista para a derrubada do governo, intitulado
Plano Cohen, é divulgado (hoje, sabe-se que o plano foi inventado pelo próprio
governo para justificar medidas de exceção). Em resposta a essa suposta
tentativa de Golpe, Vargas dissolve o Legislativo e anula a Constituição de
1934. Inicia-se, então, a terceira fase da Era Vargas, denominada Estado Novo.
Estado Novo (1937-1945)
O Estado
Novo consiste no período da ditadura varguista, que teve início com o
cancelamento da eleição presidencial de 1937 e a instauração de um governo de
exceção. Para dar respaldo ao autoritarismo desse período, foi elaborada uma
nova Constituição, a Constituição de 1937, conhecida como “Polaca” por sua
inspiração Polonesa.
A nova
carta constitucional favoreceu a concentração do poder no Executivo, com a
abolição das demais instituições democráticas. Os partidos políticos, como a
AIB e a ANL foram colocados na ilegalidade, e a perseguição a oposição foi
institucionalizada, inclusive com a permissão da prática de tortura.
Um dos
casos mais emblemáticos da violência do Estado Novo foi a extradição de Olga
Benário Prestes para a Alemanha. Olga era alemã e judia, enviada ao Brasil pela
Internacional Comunista para ajudar Luís Carlos Prestes a liderar o movimento
comunista no país, mais tarde os dois viriam a se casar. Capturada pelo governo varguista quando
estava grávida, Olga Benário foi entregue à Alemanha nazista, e morreu em um
campo de concentração.
Como é de
praxe em governos autoritários, Vargas criou o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) , para controlar a imagem do governo perante os olhos da
população. Encarregado de fazer propaganda do governo, o DIP era responsável
pelo programa “Hora do Brasil”, que passava diariamente nas rádios. Além disso,
esse Departamento também era responsável por censurar as artes e a
imprensa.
O Estado
Novo, no entanto, manteve (e fortaleceu) os principais traços de Getúlio
Vargas: seu caráter trabalhista e nacional desenvolvimentista.
Foi
durante esse período de exceção que Getúlio criou a Justiça do Trabalho (1939)
e a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), em 1943. A CLT unificou as leis
trabalhistas existentes e estabeleceu novos direitos trabalhistas, como o
salário mínimo, o descanso semanal remunerado, e condições de segurança no
trabalho. Essas políticas, que beneficiaram a vida da classe trabalhadora,
concederam a Vargas o apelido de “pai dos pobres”.
O nacional
desenvolvimento, principal característica do governo varguista, foi bastante
forte nesse período, com a criação de diversas companhias nacionais, como a
Companhia Siderúrgica Nacional (1941); a Companhia Vale do Rio Doce (1942) e a
Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945).
Durante o
Estado Novo, as hostilidades que vinham se formando (ou que nunca cessaram)
desde a Primeira Guerra resultaram em um novo conflito de escala mundial. Em
1944 o Brasil une-se aos Aliados, para lutar ao lado dos Estados Unidos e da
União Soviética contra os regimes fascistas da Itália e da Alemanha. O fato de
Vargas, que governava sob um regime autoritário, ter participado na Guerra
contra o fascismo é considerado um pouco controverso. Essa escolha se deu pelo
fato de o Brasil ter forte relações econômicas com os Estados Unidos, que
naquele momento prometiam financiamento para a indústria brasileira.
A
participação brasileira na Segunda Guerra expôs as contradições do governo
varguista, por mandar seus homens para morrer lutando contra o autoritarismo na
Europa, enquanto o autoritarismo era também a realidade nacional. Em outubro de
1945 Vargas foi deposto por meio um golpe de Estado organizado pela União
Democrática Nacional (UDN) e pelos militares.
Com a
deposição de Getúlio chega ao fim o período denominado Era Vargas, mas esse
ainda não seria o fim de Getúlio Vargas na Presidência, como veremos a seguir.
O retorno à Presidência (nos braços do povo)
Em 1951
Vargas voltou à Presidência da República como candidato do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), dessa vez eleito pelo voto popular. Esse período é comumente
denominado Segundo Governo Vargas, ou Governo Democrático de Vargas.
O
nacional desenvolvimentismo de Vargas foi a principal característica de seu
segundo governo. A defesa dos recursos naturais do país foi sua principal
bandeira, com destaque para a campanha em defesa do petróleo brasileiro,
conhecida pelo lema “o petróleo é nosso!”. Em 1953, para proteger esse recurso
e impulsionar a indústria brasileira, Vargas fundou a Petrobras.
Essa
posição nacionalista de Getúlio, no entanto, não agradou a todos. Alguns
setores da sociedade, mais ligados ao capital internacional, viram com maus
olhos as políticas defendidas pelo governo. Dentre esses grupos, destaca-se a
UDN, que antes havia sido instrumental para o golpe que derrubou o Estado Novo.
O governo
varguista, que já enfrentava resistência por aqueles que defendiam uma menor
intervenção estatal na economia, viu-se ainda mais enfraquecido quando um
atentado coloca em risco a vida de Carlos Lacerda, porta voz da UDN e um dos
principais opositores ao governo. Vargas foi acusado de ser responsável por
esse evento, conhecido como atentado da Rua Tonelero.
Saída da vida, entrada na história
A UDN e
as Forças Armadas passaram a pressionar para que Vargas renunciasse, mas o
Presidente recusou-se. Com seu governo desmoronando, Vargas suicida-se no
Palácio do Catete em 24 de agosto de 1954. Em sua carta testamento, Getúlio
relembra suas principais políticas e argumenta que estava sendo atacado por
aqueles que viam seus interesses ameaçados:
“Depois
de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais,
fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e
instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo
nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à
dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei
de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão
do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na
potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a
funcionar, a onda de agitação se avoluma. (…) Eu vos dei a minha vida. Agora
vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no
caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.” (Carta
testamento de Getúlio Vargas, 23 de agosto de 1954).
A morte
de Getúlio Vargas, o pai dos pobres, provocou grande comoção nacional. Na manhã
do dia 24 de agosto, centenas de pessoas aguardavam em frente ao Palácio do
Catete para carregar o caixão do Presidente até o velório. As ruas do Rio de
Janeiro foram tomadas pela população comovida.
A Era Vargas retratada nas artes
Esse
marcante período da história brasileira é retratado em diversas obras
literárias, como o livro Agosto, de Rubem Fonseca. Também no cinema a Era
Vargas é retratada em obras bastante emocionantes. “Getúlio”, dirigido por João
Jardim, retrata os eventos do conturbado mês de Agosto que resultaria na morte
do Presidente. Por sua vez, o filme “Olga”, de Jayme Monjardim, conta a
trajetória de Olga Benário no movimento comunista brasileiro, retratando a face
mais obscura do período do Estado Novo. Vale a pena conferir!
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