ISLÃ: COMO É A RELIGIÃO MUÇULMANA?
Escrito por Danilo Araújo/Portal Politize!
A religião muçulmana é o islã ou seja,
muçulmanos são os seguidores dessa religião. Embora seja um equívoco
recorrente, muçulmanos e árabes não são sinônimos! Ser árabe significa
pertencer ao grupo étnico que habita principalmente o Oriente Médio e a África
setentrional, enquanto ser muçulmano significa apenas ter fé no islamismo. É
fato que a maioria dos árabes é muçulmana, mas não é uma regra, afinal o
inverso não é verdadeiro: a maioria dos muçulmanos não é de árabes, haja vista
o considerável percentual de fiéis muçulmanos em gigantescas populações
asiáticas como Índia e Indonésia.
Neste post, você entenderá conceitos do
islamismo, desde suas origens, suas leis, sua relação com a figura da mulher e
sua representatividade mundial, além de desmistificar dogmas extremistas que
conduzem algumas minorias ao terrorismo. Vamos entender como funciona essa
religião?!
PRIMÓRDIOS DO ISLAMISMO: CONTEXTO HISTÓRICO
A palavra islã tem valor nominal e também
verbal, isto é, nomeia e indica ação. Significa submissão, submeter-se;
obediência ou ação de obedecer a Deus (Allah, em árabe). Datado do século VII
da era cristã, período de início do calendário islâmico (distinto do calendário
gregoriano, o que seguimos), o marco inicial do islamismo se dá pela figura de
Maomé (Muhammad, em árabe), profeta que teria recebido do anjo Gabriel os
princípios básicos que norteiam a fé islâmica.
As profecias de Maomé foram organizadas no
Alcorão (ou Corão), o livro sagrado do islamismo. O profeta, que era
analfabeto, começa a receber as revelações aos 40 anos de idade, após uma vida
quase toda como mercador. Conta-se que esse processo durou 23 anos. Esse é
apenas o primeiro de diversos pontos que fazem os muçulmanos atribuírem valor
divino aos dogmas que sustentam a religião e que estão no Alcorão.
Muçulmanos defendem que Maomé foi o
mensageiro final do islã, ou seja, não o único, mas o último de uma sucessão de
mensageiros que foram enviados por Deus. A fé islâmica não desconsidera outros
nomes, inclusive o de Jesus Cristo, a quem consideram simplesmente como um
profeta. No que se refere a Maomé, ele foi quem trouxe a profecia final, isto
é, através dele Deus completou sua mensagem à humanidade.
Dessa forma, muçulmanos não contestam a
existência de outras mensagens profetizadas à humanidade como as dos Livros de
Abraão, da Torá de Moisés, dos Salmos de Davi e do Evangelho de Jesus Cristo.
No entanto, muitos estudiosos, historiadores e eruditos, entre muçulmanos,
judeus e cristãos, não asseguram a originalidade dessas escrituras. Eles
concordam que todas provêm da mesma fonte – Deus –, mas, dadas tantas
alterações e traduções, perdeu-se o conteúdo original. Por isso, os muçulmanos
defendem que o Alcorão, revelado e mantido em sua forma original, em árabe,
traz a mensagem final, preponderante e imutável, corrigindo qualquer lacuna,
equívoco e erros humanos penetrados na difusão de outras escrituras.
PILARES DA RELIGIÃO MUÇULMANA: AS 5 LEIS
FUNDAMENTAIS
1. Proclamação de fé
Trata-se da Shahada, que é o testemunho do
muçulmano de que ninguém merece ser adorado, a não ser Allah, e que Maomé é seu
mensageiro. Qualquer pessoa que fizer essa declaração se torna muçulmana. Não é
necessário que haja formalidade ou celebração
2. Oração
Ritualisticamente, os muçulmanos fazem
oração, a Salah, 5 vezes ao dia. A Salah preza pela manutenção da fé islâmica e
pela reafirmação da submissão a Deus.
3. Caridade compulsória
O terceiro pilar é a Zakah, uma espécie de
caridade que vai além do caráter facultativo e beneficente que a palavra
pressupõe, pois é tida como uma obrigação do muçulmano que detém melhor
condição financeira de prestar apoio aos carentes e necessitados. Tal obrigação
equivale a 2,5% anuais do patrimônio individual.
4. O jejum do Ramadã
Ramadã é o nono mês do calendário islâmico e
deve ser passado em jejum pelos muçulmanos saudáveis. Sawm, o jejum, consiste
na completa abstenção de comida, bebida e atividades deleitosas (como sexo,
jogos e diversões) do nascer ao pôr-do-sol.
5. Peregrinação à Meca
Entre os dias 8 e 13 do mês de Dhu al-Hijja,
último do calendário islâmico, os muçulmanos celebram o Hajj. Trata-se da
peregrinação que, ao menos uma vez na vida, todo muçulmano que goze de
condições físicas e financeiras deve fazer à cidade sagrada, Meca, na Arábia
Saudita. A tradição remonta a Abraão, considerado o “pai de todos os profetas”.
Todos os anos, milhões de muçulmanos vão à Meca durante o evento. Em 2018, na
semana de início, o governo saudita já indicava expectativa de 2,3 milhões de
peregrinos.
SUNITAS E XIITAS
Muito se fala a respeito de sunitas e xiitas,
duas correntes majoritárias que, após a morte do profeta Maomé, travaram
conflitos durante anos por conta de divergências quanto ao califado (sucessão de
Maomé), o que envolvia até assassinatos de líderes.
A sucessão de Maomé é a grande diferença
entre os grupos. Sunitas elegeram Abu Bakr, amigo e conselheiro do profeta,
como seu sucessor. Xiitas nunca concordaram, pois defendiam o respeito à
linhagem familiar, em que Ali Bin Abu Talib, primo e genro de Maomé, seria seu
sucessor imediato.
Sunitas representam a maioria entre os
muçulmanos e são mais flexíveis (em comparação aos xiitas) às atualizações na
interpretação de dogmas da Suna (daí deriva o nome Sunita), livro suplementar
ao Alcorão que traz relatos sobre ações de Maomé, e da Sharia, a Lei Islâmica,
em consonância com as transformações da humanidade e com a evolução das
civilizações. Por outro lado, xiitas representam um grupo tradicionalista minoritário,
que defende a manutenção da interpretação tradicional do Alcorão e da Sharia.
Não é incomum nos depararmos com notícias mundiais sobre violência e atentados
envolvendo conflitos entre esses dois grupos.
PAÍSES MUÇULMANOS: INFLUÊNCIA OU LEI?
O islamismo representa maioria populacional
no Oriente Médio e é tido como fator preponderante em quase todas nações da
região, além de algumas da África, da Ásia e do sul da Europa. Há países de
maioria populacional muçulmana, mas com um Estado laico, e outros que adotam a
teocracia, regime de governo em que ações políticas e jurídicas são submetidas
a dogmas religiosos. A influência do islamismo e sua relevância para os países
islâmicos é enorme e bastante complexa, pois envolve questões
histórico-culturais dentro de um contexto de divergências e conflitos. Nesse
quadro, há de se considerar repúblicas e monarquias.
Irã (República Islâmica do Irã) e Paquistão
(República Islâmica do Paquistão) são exemplos de repúblicas islâmicas
teocráticas, sendo a primeira mais rígida, submetida à influência do clero
islâmico, de maioria xiita, enquanto Paquistão, por sua vez, admite alguma
tolerância e converge mais com a democracia. Em se tratando de monarquia
islâmica teocrática, por sua relevância, destaca-se a Arábia Saudita (Reino da
Arábia Saudita), voltada ao islamismo sunita, marcada por intolerância
religiosa a qualquer manifestação não-islâmica.
Turquia (República da Turquia) é um exemplo
de Estado laico. Sua constituição prevê liberdade de religiosa, embora seja um
país de maioria muçulmana, estimada entre 96 e 99% da população. Não há
monarquia islâmica que seja Estado laico. O mais próximo disso que podemos
encontrar é o Bahrein (Reino do Bahrein), uma monarquia islâmica que é
relativamente tolerante com outras manifestações religiosas, pois conta com
templos cristãos, judaicos e hindus, sem registros de conflitos.
A MULHER MUÇULMANA
Há correntes muçulmanas ultraconservadoras
que entendem a mulher como um ser inferiorizado do qual o homem faz uso e do
qual deve cuidar, como mostra o versículo da surata (nome dado a cada capítulo)
do Alcorão que é intitulada “As mulheres”:
Os homens são os protetores das mulheres,
porque Deus dotou uns com mais (força) do que as outras, e pelo o seu sustento
do seu pecúlio. As boas esposas são as devotas, que guardam, na ausência (do
marido), o segredo que Deus ordenou que fosse guardado. Quanto àquelas, de quem
suspeitais deslealdade, admoestai-as (na primeira vez), abandonai os seus
leitos (na segunda vez) e castigai-as (na terceira vez); porém, se vos
obedecerem, não procureis meios contra elas. Sabei que Deus é Excelso,
Magnânimo. (Alcorão, surata 4.34)
Vale apontar a poligamia, união conjugal de
uma pessoa com diversas outras, o que o Alcorão permite apenas aos homens, que
podem ter até 4 esposas, desde que tenham condições de mantê-las e de tratá-las
igualmente.
Soma-se a isso a questão da punição às
mulheres, pois o próprio livro sagrado da religião islâmica corrobora a
aplicação de castigo por deslealdade, o que pode ser levado em consideração até
mesmo em tribunais sob forte influência da lei islâmica.
Geralmente, em países islâmicos, há
considerável restrição à liberdade em diversos aspectos, a se destacar o que se
refere aos direitos das mulheres. Podemos apontar, por exemplo, a
obrigatoriedade do uso de indumentárias que cubram a cabeça e o restrito
direito ao trabalho formal em países como Arábia Saudita, Afeganistão, Irã,
Síria e Sudão, podendo resultar em severas punições àquelas que desobedecerem.
Em 2018, a Arábia Saudita, último país que proibia mulheres ao volante, começou
a emitir habilitação para mulheres.
Os impactos da relação entre o islamismo e a
mulher envolvem uma série de aspectos que, sobretudo aos olhos ocidentais,
confundem o que se deve à lei, à influência religiosa ou a ambas, dada a
complexidade que engendra essa discussão. Não sabemos com certeza se as raízes
da questão são as escrituras do Alcorão e a Sharia ou se o verdadeiro problema
é a forma como as palavras são interpretadas e postas em prática. Nesse
sentido, cada país carrega suas peculiaridades culturais.
EXTREMISMO, JIHADISMO E TERRORISMO
Você pode ter a sensação de que jihadismo e
terrorismo são sinônimos, mesmo porque até a televisão costuma deixar essa
impressão, às vezes. Porém, Jihad significa penitência, luta, esforço. Se
remetermos aos primórdios dos dogmas islâmicos, isso teria natureza puramente
espiritual, isto é, seria a busca do muçulmano pela plena submissão aos
preceitos da religião, de acordo com o Alcorão.
No entanto, correntes extremistas que pregam
o jihadismo radical ganharam força desde a década de 1970, tanto no Egito,
quanto na Guerra do Afeganistão. Nessa interpretação, Jihad é a luta armada e
irredutível contra qualquer manifestação que não seja o regresso ao “verdadeiro
islã”, desconsiderando, inclusive, a democracia. Daí surge a ideia de “Guerra
Santa”.
A exemplo de grupos terroristas como o Estado
Islâmico (ISIS) e a Al-Qaeda, existem extremistas defensores da guerra violenta
como necessária para a manutenção da lei islâmica. Há, por outro lado, muitos
muçulmanos ponderados, que relutam em utilizar o termo jihadismo, justamente,
por conta da associação incorreta que tem ocorrido entre um dogma religioso e
uma violência praticada por pessoas e correntes islâmicas consideradas
“pervertidas” pelos muçulmanos não radicais, isto é, pessoas que desvirtuam a
fé muçulmana.
Aqui no Politize!, já falamos sobre o Hamas,
grupo terrorista de palestinos sunitas, que há décadas não reconhece o Estado
de Israel e defende a criação de um único Estado Palestino.
De fato, o Alcorão menciona a palavra jihad
como luta contra os descrentes ou infiéis, mas não há clareza que aponte se
seria combate de caráter físico ou ideológico. A interpretação cabe a quem lê.
Em diversas crenças e religiões há distorções interpretativas de dogmas, afinal
a interpretação, assim como a fé, é sempre subjetiva.
O CRESCIMENTO GLOBAL DO ISLAMISMO
Estima-se que a população mundial já passa de
7,6 bilhões de habitantes, dos quais aproximadamente 2,2 e 1,6 bilhões
correspondem, respectivamente, aos cristãos e aos muçulmanos, as duas religiões
com o maior número de adeptos no mundo. Veja o mapa mundial dos muçulmanos,
publicado em 2009 pela Pew Research Center, que mostra o tamanho de cada país
baseado na quantidade de população muçulmana presente nele:
Estudos dessa organização apontam que, ainda
no século XXI, a religião muçulmana terá a maior representatividade no mundo em
número de fiéis.
Com exceção da América Latina, o crescimento
global de muçulmanos caminha a passos largos. Isso se deve não necessariamente
à grande taxa de natalidade dentro desse grupo, mas sobretudo ao alto número de
convertidos pela influência de imigrantes nos países. Nos Estados Unidos, por
exemplo, apesar do posicionamento anti-imigração do atual presidente Donald
Trump, o islamismo tem seu espaço conquistado e está em significativo
crescimento.
Inclusive, tem ganhado força a evidência de
crescimento da religião muçulmana à frente do próprio crescimento populacional
mundial, o que já foi apontado pela Pew Research Center, que analisou o
crescimento global de algumas religiões e estimou que o islamismo será a maior
religião do mundo em 2070.
Considerando o advento e as projeções de
crescimento global do islamismo, é inegável a relevância do assunto. Somos
livres para termos (ou não) nossas crenças, mas será que associar muçulmanos a
terrorismo e bomba, por exemplo, não é xenofobia?
Lembre-se: ser muçulmano não é uma
nacionalidade, raça ou etnia, mas a crença em Allah e nos conceitos da religião
muçulmana explicados ao longo deste texto. Esperamos ter ajudado a esclarecer o
que é islamismo!
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