O QUE FOI A CRISE DE 1929?
Escrito por Fábio
Monteiro/Portal Politize!
As
discussões a respeito das relações entre Estado e mercado têm conquistado cada
vez mais audiência no espaço público brasileiro. Quanto ao Estado, esse agente
administrador de riquezas públicas, o que compete a ele? A crise de 1929,
primeira grande crise mundial, faz 90 anos de idade em 2019 e pode dizer a
respeito do nosso mundo contemporâneo. Vamos conhecê-la melhor?
THE GOLDEN TWENTIES
Jakie
Rabinowitz foi jovem educado para ser rabino dentro de uma rigorosa família
judaica. Do pai, ele herdou o gosto pela música, porém a afeição pelo jazz o
colocou em rota de conflito com as tradições familiares. Rabinowitz enfrentou a
família, lutou pelo seu sonho e se tornou um cantor de jazz na nascente boêmia
metropolitana estadunidense.
Assim
como muitos, ele se deixou levar pelo frenesi urbano que provocou uma euforia
sem precedentes no pós-Guerra americano. A história de Rabinowitz é o filme “O
cantor de Jazz”, um clássico de 1927 que expressa a ascensão de um novo mito
social norte-americano, o do “self-made man”. A partir de então, a sociedade de
consumo deu um novo relevo ao culto da individualidade: “fazer-se a si mesmo”
passou a ser visto como um valor moderno.
O livro
“A história dos Estados Unidos”, organizado por Leandro Karnal, é uma ótima
leitura sobre o tema. Ele informa como a Primeira Guerra Mundial acabou sendo
um importante combustível para a expansão econômica dos EUA: a produção
industrial aumentou mais de 60%, a renda per capita subiu mais de 30% e o
índice de desemprego permaneceu em torno de 8% do total da força de trabalho
até a Crise de 1929. O aumento demográfico acompanhou os índices econômicos e a
população saltou de 106 para 123 milhões durante as duas primeiras décadas do
século XX.
Um último
dado importante a respeito desse cenário diz respeito à presença das mulheres
no conjunto da sociedade: o trabalho feminino teve aumento de 22% durante a
década de 1920, um resultado associado das crescentes lutas sociais pela
emancipação feminina com a euforia econômica.
Naquele
período, a nação norte-americana assistiu a uma sucessão de presidentes
republicanos: Harding, entre 1920 e 1924; Coolidge, entre 1924 e 1928 e Hoover,
entre 1928 e 1932. A euforia econômica tinha, então, um importante componente
político: a crença na redução do papel interventor do Estado foi acompanhada de
medidas de flexibilização das regras do mercado. Dessa maneira, houve inúmeras
fusões de empresas e corporações, assim como integrações de agentes
financeiros. O efeito era previsível: o aumento da concentração de renda e,
portanto, das desigualdades sociais.
Nas
cidades, enquanto os salários tinham um aumento real em torno de 1,45 ao ano,
os rendimentos dos acionistas e especuladores financeiros chegavam a margear os
16% ao ano. Ainda por contraste, enquanto as estatísticas oficiais consideravam
que um salário de 1,8 mil dólares anuais seria adequado para uma vida decente,
o patamar médio era de 1,5 mil dólares, sendo que cerca de 6 milhões de pessoas
– algo como 42% da população – ganhavam menos de mil dólares anuais.
Os
avanços tecnológicos também tiveram impactos sobre o mundo rural e o processo
de mecanização do campo levou mais de 3 milhões de pessoas em direção às
cidades em busca de trabalho e condições de vida. O filme “Vinhas da Ira”, um
clássico de John Ford com a presença de Henry Fonda, expressa bem a atmosfera
social dessa época. Enfim, como se pode notar, os anos vinte reluzia com diferentes
intensidades dentro da sociedade norte-americana.
UMA QUINTA-FEIRA EM 24/10: ESTOURA A CRISE DE 1929
Nesse
dia, as mais de 3 milhões de cabeças que estavam sintonizadas nas compras e
vendas de ações em Wall Street amanheceram percebendo algo estranho: a lógica
da oferta e da procura chegava ao mercado de ações. Assim, como havia um enorme
volume de ações à venda, seus preços começaram a despencar.
Direto
daquele nervo financeiro, as notícias feitas pelas transmissoras de rádio
informavam que a velocidade das negociações caíam, o que era um sinal de
precaução, ou melhor, de desconfiança por partes dos “players”. Em outras
palavras, os comportamentos humanos começaram a vacilar diante do que antes era
dado como certo e rentável: as negociações de ações de bancos, lojas,
instituições e empresas como Ford e General Motors.
Ao som de
“extra, extra” – algo bastante inusitado para a época, os locutores informavam
que a Bolsa de Nova York caía mais de 30%. Para conter o pânico dos mais de mil
membros de Wall Street, foram mobilizados mais de 400 policiais. Em 36 horas, a
General Motors perdeu 22% de seu valor de mercado e dentro de dois dias foram
noticiados onze suicídios pelos jornais escritos.
O
presidente republicano Hoover levou tempo para se pronunciar e quando o fez,
chegou a subestimar a ocorrência ao afirmar que a crise duraria cerca de três
semanas. A realidade foi mais dura e longeva: seus efeitos se estenderam por
três anos, sendo que a produção industrial caiu próximo da metade e o PIB do
país diminuiu a um terço.
Quanto à
sociedade, os números ainda dizem muito: até meados de 1932, cerca de dois mil
bancos faliram; a Ford Motor Company, símbolo maior da época, viu o número de
funcionários cair de 128 mil para 37 mil e, em escala global, o índice de
desempregados permaneceu em torno de 25% do total da população – algo como 15
milhões de pessoas.
Em seu
livro “A Era dos extremos”, Hobsbawm informa sobre o impacto global da crise
registrando que, em escala europeia, os índices de desemprego e
desindustrialização atingiram uma amplitude semelhantes aos números
norte-americanos. O caso mais grave teria sido o da Alemanha, onde cerca de
metade da população ficou sem emprego até meados de 1930. Em síntese, a
expressão “hard times” (tempos difíceis) – que serviu de título ao livro de
memórias do radialista Stud Terkel – ganhou a história como um sinal daqueles
anos 1930. A interpretação de Bob Dylan à canção homônima evidencia a dimensão
dramática da época.
O NEW DEAL E O ESTADO COMO INDUTOR ECONÔMICO
Em 1932,
o democrata Franklin Delano Roosevelt venceu as eleições depois de doze anos de
hegemonia republicana. Dentre as promessas de campanha, estavam a recuperação
agrícola e industrial do país, a defesa da regulação do sistema financeiro e
medidas que criassem redes de assistência social aos setores mais desamparados.
Dono de
grande habilidade política, Roosevelt chamou à mesa de negociação sindicatos,
patrões, financistas, empresários e setores burocráticos do governo tendo em
vista conciliações em torno dos ajustes e limites de preços e salários, assim
como planejamento de ações de investimentos em obras públicas.
O
marketing político inspirados nas propostas econômicas de John Maynard Keynes
foi bem-sucedido: apresentado como “New Deal” e tendo como apelo noções em
torno da ideia de justiça social, o novo acordo foi implantado em duas etapas,
sendo que a segunda foi mais radical em seus propósitos: adotou medidas de
taxação de fortunas privadas, incentivou à sindicalização dos trabalhadores –
para atribuir aos sindicatos certos compromissos sociais; desenhou propostas de
previdência social para desempregados, deficientes e idosos.
Apesar de
modestos, os impactos sociais garantiram a estabilidade das condições de vida
da população e diminuiu o índice de desemprego, que se manteve entre 10% e 7%
até a Segunda Guerra Mundial. Em linhas gerais, o plano tinha um projeto claro:
tornar o Estado um indutor econômico. O balanço do governo Roosevelt havia
concluído que, dentre as causas da Crise de 1929, estavam três grandes fatores;
a baixa diversificação da economia nacional, a grande disparidade na
distribuição das riquezas sociais e a alta dependência dos bancos para sistemas
de crédito.
Sendo
assim, o Estado injetou investimentos em obras públicas de infraestrutura como
rodovias, hidrelétricas, pontes e viadutos. Também assumiu riscos financeiros
de longo prazo baixando taxas de juros e subsidiando investimentos e, por fim,
impôs limites às agências bancárias para evitar que, novamente, as negociações
de ações ficassem à mercê de empréstimos e de especulações financeiras. A
recuperação definitiva do “sonho americano” só veio, de fato, com a presença
dos Estados Unidos na 2º Guerra Mundial, mas isso é assunto para um próximo
post.
CODA: AS CRISES DE ONTEM E HOJE
Em 2008,
os Estados Unidos protagonizaram mais uma vez uma crise econômica de escala
planetária: as especulações financeiras em torno dos “subprimes” provocou a
falência do Lehman Brothers, um banco de investimentos com 158 anos de
história, deixou mais de 20 milhões de pessoas sem casa no EUA e, ao fim,
custou mais de US$ 2 trilhões aos cofres públicos do governo norte-americano.
Dentre as
diferenças entre 1929 e 2008, pode-se começar dizendo que, enquanto aquela teve
como epicentro o setor produtivo dos EUA, a de 2008 se irradiou do setor
financeiro. As suas relações podem ser compreendidas através de dois filmes. Vencedor
do Oscar de Melhor Documentário em 2010, o filme “Trabalho Interno” se esforça
para explicar da maneira mais clara possível o universo do “economês” comum às
duas crises.
Já o filme
“A grande aposta”, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, é composto por
grandes estrelas que interpretam a história real de Mike Burry, um gênio que,
prevendo o colapso financeiro americano, apostou contra o mercado e fez fortuna
junto com o corretor Jared Vennet.
NEW DEAL NA ATUALIDADE?
Quanto à
atualidade de programas como o New Deal na atualidade, os estudos de André
Singer têm tido recepção no debate público brasileiro. Ao analisar a inserção
do Brasil em meio aos impactos dessa crise mundial, o autor desenvolve a ideia
de um “sonho rooseveltiano” em andamento durante o Governo Lula (2002-2010)
tendo em vista o papel do Estado como um indutor econômico. O conceito é
passível de discussão, porém o intenso diálogo que procura estabelecer entre o
passado e o presente o torna uma referência bastante atual.
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