Paulo Freire: o que diz a filosofia do educador brasileiro?
Escrito por Isabela Petrini Moya/Portal Politize!
Durante
sua campanha à presidência em 2018, Jair Bolsonaro afirmou que, para a melhoria
da educação brasileira, seria necessário “expurgar a ideologia de Paulo Freire”
das escolas. Alguns políticos e apoiadores do governo acreditam que a pedagogia
do educador representa uma tentativa de “doutrinação marxista”. Já os
defensores do pedagogo afirmam que essa é uma leitura equivocada da filosofia
freireana e que, se sua metodologia de ensino tivesse de fato sido aplicada no
Brasil, o sistema educacional do país seria mais eficiente.
Mas
afinal, quem é e o que diz Paulo Freire? Porque sua filosofia está sendo tão
debatida atualmente? Como ele é visto internacionalmente? Seu método foi
realmente aplicado? O que dizem os que o criticam e os que o defendem? Vamos
entender tudo isso nesse texto!
Quem foi Paulo Freire?
Paulo
Freire foi um educador e pedagogo pernambucano que ganhou atenção na década de
1950. Ele recebeu o título de patrono da educação brasileira em 2012 e foi o
brasileiro mais homenageado da história por títulos de Doutor Honoris Causa
(título de doutor concedido por causa de honra por universidades a pessoas
eminentes, que não necessariamente sejam portadoras de uma graduação acadêmica,
mas que se destacaram em determinada área). O educador recebeu 48 desses
títulos de universidades brasileiras e estrangeiras, além de ser indicado ao Prêmio
Nobel da Paz em 1995 e ganhar o prêmio de Educação para a Paz da Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (UNESCO) em 1986.
Professor
de língua portuguesa, Freire aplicou, em 1963, um método próprio de
alfabetização em Angicos, cidade do interior do Rio Grande do Norte. O projeto
foi um sucesso, conseguindo alfabetizar 300 adultos em um tempo muito curto (45
dias), partindo do conhecimento prévio que essas pessoas já possuíam. Por conta
dos resultados eficazes, o governo brasileiro — que estava realizando as
Reformas de Base — aprovou a multiplicação dessa primeira experiência em um
Plano Nacional de Alfabetização.
A
experiência de Freire foi financiada também pelo governo estadunidense, com a
Aliança para o Progresso, com o objetivo de promover a alfabetização pois,
dessa forma, acreditavam estar combatendo o avanço do comunismo no Brasil.
Em 1964,
meses após a implementação do Plano Nacional de Alfabetização, a ditadura
militar extinguiu o projeto pois enxergou na filosofia freireana um risco de
revolta, já que Freire acreditava na educação como ferramenta de transformação
social e como forma de reconhecer e reivindicar direitos. Freire foi preso por
72 dias, sob a acusação de traição e foi exilado do país, ficando 16 anos fora
do Brasil.
Em 1969,
foi professor visitante na Universidade de Harvard e atuou no Departamento de
Educação do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, onde trabalhou por 10 anos
com projetos de ação educativa em mais de 30 países — dos europeus aos africanos
—, podendo colocar em prática sua filosofia e voltando-se às classes mais
pobres. Mais tarde, foi professor universitário na Unicamp e na PUC-SP.
Em 1991,
foi fundado em São Paulo o Instituto Paulo Freire com o objetivo de estender e
elaborar as ideias do pensador. O instituto preserva os arquivos de Freire,
realiza atividades relacionadas ao seu legado e atua em temas da educação
brasileira e mundial.
A metodologia de ensino de Paulo Freire
A
metodologia de Paulo Freire consiste em uma maneira de educar conectada ao
cotidiano dos estudantes e às experiências que eles têm — e por isso, também
ligado à política, especialmente porque Freire trabalhou com a alfabetização de
adultos.
Sua
filosofia baseia-se no diálogo entre professor e aluno, procurando transformar
o estudante em um aprendiz ativo. Nesse sentido, ele criticava os métodos de
ensino em que o professor era tido como o detentor de todo o conhecimento, e o
aluno apenas um “depositório” — o que ele chamava de “educação bancária”.
“Transformar
os alunos em objetos receptores é uma tentativa de controlar o pensamento e a
ação, leva homens e mulheres a ajustarem-se ao mundo e inibe o seu poder
criativo.” (Paulo Freire)
Em seu
livro Pedagogia do Oprimido, Freire coloca o papel da educação como um ato
político, que liberta os indivíduos por meio da “consciência crítica,
transformadora e diferencial, que emerge da educação como uma prática de
liberdade”. Ele defende uma educação que incentive a criticidade do aluno, indo
além do português e da matemática. Suas ideias também possuem ligações com o
pensamento marxista e críticas ao capitalismo.
“Não
existe tal coisa como um processo de educação neutra. Educação ou funciona como
um instrumento que é usado para facilitar a integração das gerações na lógica
do atual sistema e trazer conformidade com ele, ou ela se torna a ‘prática da
liberdade’, o meio pelo qual homens e mulheres lidam de forma crítica com a
realidade e descobrem como participar na transformação do seu mundo.” (Paulo
Freire)
As escolas brasileiras aplicam a metodologia de Paulo Freire?
Antes da
Ditadura Militar (com as Reformas de Base) e durante a redemocratização (época
em que foi Secretário da Educação em São Paulo), a filosofia de Paulo Freire
exercia certa influência nas escolas públicas. Atualmente, suas obras continuam
presentes nos debates pedagógicos, porém com menos força do que antes, e a Base
Curricular Nacional (BNCC) já não faz referências ao educador.
De acordo
com Paulo Saldaña, repórter que cobre Educação pelo jornal Folha de S. Paulo,
muitas pessoas fazem uma análise errônea de que toda a educação brasileira é
ligada ao método de Paulo Freire e de que o fracasso educacional brasileiro é
culpa do uso de sua teoria, quando na verdade, as escolas — tanto as públicas
quanto as privadas — utilizam uma combinação de diferentes linhas de ensino, e
Freire não é a única referência.
Como Paulo Freire é visto internacionalmente?
Paulo
Freire é um dos intelectuais brasileiros mais referenciados do mundo — está
entre os 100 mais citados em estudos e o seu livro mais famoso, Pedagogia do
Oprimido, é a terceira obra mais citada em trabalhos acadêmicos da área de
humanas.
Ao redor
do globo, o educador é tido como referência mundial em qualidade de ensino e já
foi homenageado em diversos países. O Centro Paulo Freire Finlândia é um espaço
dedicado à discussão da obra do escritor brasileiro. Há também centros de
estudos semelhantes em outros países como África do Sul, Áustria, Alemanha,
Holanda, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá.
Pelo mundo,
há diversas instituições de ensino que adotam o método do educador brasileiro.
Uma delas é a Revere High School, escola em Massachusetts, nos Estados Unidos,
que foi reconhecida como a melhor instituição pública de Ensino Médio do país
em 2014 pelo National Center for Urban School Transformation (Centro Nacional
pela Transformação do Ensino Urbano) e, em 2016, recebeu o prêmio Schools of
Opportunity (Escolas de Oportunidade), do National Education Policy Center
(Centro Nacional de Educação Política).
Por que Paulo Freire é tão criticado atualmente?
O nome
Paulo Freire tem despertado diversas discussões na política brasileira — de um
lado, há os que o consideram um dos maiores nomes da educação no Brasil e
mundo; do outro, os que atribuem a ele responsabilidade pelos maus resultados
educacionais do país e afirmam que é preciso extinguir sua “metodologia
comunista” das escolas brasileiras. Mas a que se deve tamanha polêmica?
Educação neutra: meta ou mito?
A
principal crítica à metodologia do filósofo diz respeito ao fato dele defender
a não neutralidade da educação. Os defensores do projeto Escola Sem Partido
afirmam que ao trabalharem questões políticas em aula, os professores promovem
uma doutrinação dos alunos em favor de determinada ideologia. O projeto preza
pela imparcialidade, em oposição aos ideais de Freire, que acreditava não
existir um processo de educação neutro e que a escola é local para discussão
sobre a realidade social e política a fim de desenvolver “posturas criticamente
transformadoras do mundo”.
Segundo
Sérgio Haddad, do programa de pós-graduação em Educação da Universidade de
Caxias do Sul, e autor da biografia de Freire, o pedagogo era a favor de que o
professor expressasse sua opinião sobre temas gerais da sociedade na sala de
aula, em um ambiente franco de debate com seus alunos. No entanto, ele não era
favorável à doutrinação política ou partidária – afinal em um ambiente de
diálogo e respeito às diversas opiniões é possível discordar livremente.
Contudo,
o que opositores dessa filosofia argumentam é que o professor muitas vezes está
em uma posição de “superioridade”, e por isso pode abusar da audiência cativa
dos seus alunos para influenciá-los a concordar com a sua própria visão de
mundo. De acordo com eles, os estudantes teriam dificuldade em discernir a
opinião do professor do que é o fato, por ele ser uma autoridade, aceitando o
que foi dito como verdade sem contestar ou não expressando uma opinião
contrária por constrangimento.
Por outro
lado, aqueles que defendem a metodologia de Paulo Freire, afirmam que seu
objetivo era justamente que o professor não fosse essa figura de superioridade
na sala de aula e que seu método promove o contrário da doutrinação: dá espaço
para que os alunos pensem por conta própria e reflitam criticamente sobre a
realidade, ao invés de aceitar passivamente o que foi falado pelo professor.
Doutrinação marxista?
O
ideólogo brasileiro Olavo de Carvalho é um dos principais críticos da teoria
freireana e alguns de seus seguidores entendem que o método de ensino de Freire
causa a “doutrinação marxista” dos alunos e tenta convertê-los aos ideais
comunistas. A justificativa é de que, em seus livros, o educador faz referência
a Karl Marx, Jean-Paul Sartre, George Lukács e outros pensadores da esquerda,
além de figuras políticas como Fidel Castro, Che Guevara, Mao Tsé-Tung e Lenin.
Os livros
do pedagogo também abordam conceitos marxistas como opressor e oprimido e a
luta de classes. Freire acreditava que, por trabalhar com a alfabetização de
adultos pobres, esses conceitos auxiliariam no objetivo de tornar a educação
libertadora e que, dessa forma, despertaria a consciência dos alunos para as
relações de opressão nos ambientes de trabalho e para as injustiças sociais
existentes na sociedade. No entanto, há quem discorde e condene o fato de suas
teorias apresentarem posicionamentos políticos junto às explicações
pedagógicas.
Em
entrevista, Sérgio Haddad diz que o educador tecia críticas ao capitalismo, mas
também aos regimes socialistas autoritários que desrespeitavam a liberdade e a
democracia.
Destruição da autoridade do professor ou combate ao autoritarismo?
Outra
acusação é de que Freire teria destruído a autoridade do professor ao tentar
colocá-lo de “igual para igual com os alunos”. Isso pode, de acordo com os
críticos, ocasionar em um clima de caos nas salas de aula.
Porém, em
seu livro Pedagogia da Esperança, Freire diz que “os professores não são iguais
aos alunos”. Sua tentativa de aproximar a relação entre professor e aluno não
seria, segundo os que o defendem, um empecilho para uma boa dinâmica de aula,
mas um combate ao autoritarismo que alguns professores usam e às táticas de
disciplina baseadas no medo e nas ameaças.
“O
professor que desrespeita a curiosidade do educando, (…) que ironiza o aluno,
que o minimiza, que manda que ‘ele se ponha em seu lugar’ ao mais tênue sinal
de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento
de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de
ensinar, (…) transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa
existência.” (Paulo Freire)
Segundo
reportagem da BBC News Brasil, especialistas afirmam que a raiz da controvérsia
em torno da pedagogia de Paulo Freire não é sua aplicação em si, mas o uso
político-partidário que foi feito dela, historicamente e nos dias atuais.
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