Postagens recentes

10/recent/ticker-posts

Geografia da fome e suas implicações – Revisitando Josué de Castro


Geografia da fome e suas implicações – Revisitando Josué de Castro
*por Peterson Azevedo
Fome, segundo o dicionário, “é o desejo e/ou a necessidade “urgente de alimento” ou também o estado de fragilidade provocado pela falta prolongada de alimento, carência alimentar, desnutrição, subnutrição”.
A fome atinge a todos e todas? A fome é um padrão universal? Existe tipos de fome no mundo? Para alguns autores, podemos dividir a fome em duas estruturas de escassez: a fome absoluta e a fome relativa, como trata o professor Josué de Castro em seu livo A geografia da fome, de 1946. A fome absoluta ocorre quando um indivíduo ou grupo social não possui o mínimo necessário para nutrir suas necessidades biológicas básicas. A fome relativa é de análises mais complexas. Basicamente, a fome relativa é a falta de nutrientes importantes para um grupo social, condicionados ou por isolamentos geográficos e/ou por escolhas equivocadas de políticas econômicas de produção e distribuição. A teoria Malthusiana, formulada pelo inglês Thomas Robert Malthus, em 1798, defendia que com o acelerado crescimento populacional no mundo, a oferta de alimentos não seguiria o mesmo ritmo, podendo ocasionar um colapso alimentar global. Malthus defendia que a fome atingiria as populações dos países periféricos do globo, em curto prazo de tempo, podendo ocasionar a extinção da raça humana. Com o passar do tempo, a teoria de Malthus fracassou por desconsiderar os diversos avanços tecnológicos na humanidade, em especial na área alimentar. Uma das tecnologias que foi amplamente difundida no mundo e em especial na América, foi a chamada Revolução Verde.
Quando pensamos em um cenário sobre a fome, o que chega ao nosso imaginário são as imagens que nos venderam anos atrás, as da África subsaariana, ou até mesmo as dos sertões das décadas de 60 e 70 em seus períodos de secas severas. Imagens de crianças desnutridas e quase sem gordura nenhuma no corpo, em alguns casos, as suas estruturas esqueléticas à mostra, como falou o professor Josué, uma verdadeira “procissão de múmias”. Mas será que esse é o único cenário sobre a fome? Será que existem outras formas cruéis de fome? Como aponta Josué, “na realidade, a fome coletiva é um fenômeno social bem mais generalizado. É um fenômeno geograficamente universal, não havendo nenhum continente que escape à sua ação nefasta.” Para além da fome absoluta, ou seja, da ausência completa de alimentos, existem as fomes relativas, que perpassam todos os espaços geográficos do planeta. Uma dieta territorialista baseada em apenas alguns minerais e que apresentam pouca diversidade alimentar podem ocasionar severas carências proteicas, vitamínicas e de minerais, lembrando sempre que estas carências não são frutos do acaso e da ineficiência tecnológica, mas fruto de políticas públicas “equivocadas”, de interesses capitalistas. Essas políticas alimentares baseadas no lucro podem ocasionar territórios com certa abundância alimentar e outros com severas manchas de fome relativa, silenciosa, como nos casos de porções da África, Ásia e Américas. No Brasil, que tem uma grande diversidade climatobotânica e de solo, é possível traçarmos o mapa da fome relativa, sem esquecermos dos fatores sociais e de políticas públicas equivocadas, baseadas no capitalismo contemporâneo.
Segundo Josué, é possível apresentar fomes endêmicas, baseados em um cardápio simplista e bastante regular. Para o professor Josué, existem cinco grandes regiões alimentares culturais: a área da Amazônia, área da Mata do Nordeste, área do Sertão do Nordeste, área do Centro-Oeste e a área do Extremo do Sul. Na sub-região da Amazônia, segundo a cartografia de Josué, temos, em sua maioria, um cardápio cultural baseado no consumo diário de peixe, feijão, mandioca e rapadura, caracterizando a fome endêmica, ou seja, a que só ocorre nessa região. Já na sub-região da Mata do Nordeste, a alimentação da grande maioria da população está baseada no consumo diário de milho, feijão, carne e rapadura, podendo ocorrer áreas de epidemias de fome. Na sub-região do Sertão, os produtos mais consumidos por grande parte da população é o aipim ou macaxeira, o charque, feijão e a farinha de mandioca, ocasionando também a fome endêmica. Já na sub-região do Centro-Oeste a alimentação da maioria está centrada no toucinho, feijão, carne e milho, apresentando áreas de subnutrição. A sub-região do Extremo Sul apresenta uma dieta baseada na batata, arroz, pão e carne, ocasionando áreas também de subnutrição. Só para lembrar, esta cartografia de Josué está baseada nas pesquisas de áreas mais pobres e desassistidas pelo poder público, entendendo que essas não são áreas territoriais ínfimas.
Fonte: Plataforma Anísio Teixeira

Postar um comentário

0 Comentários