A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil:
Numa
segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer pesquisas de
campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas, começa a ser levada
em conta.
Existem
vários autores desta geração que poderíamos referenciar, como Gilberto Freyre,
Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson
Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc. No entanto, vamos nos fixar em dois deles,
os quais podem ser vistos como clássicos do pensamento social brasileiro:
Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior.
Gilberto
Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no qual
demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação da
sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como a mistura das raças
ajudou a compor a sociedade brasileira.
Freyre
foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de 1900 e, no desenvolver de
sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia, como na Universidade do
Distrito Federal, fundada em 1935. Freyre faleceu em 1987.
Quando
escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, antirracista que era,
inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existente na época,
importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca. Segundo tal visão
racista, a mistura de raças seria a causa de uma formação “defeituosa” da
sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento da nação.
Freyre
propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele começa justamente
valorizando as características do negro, do índio e do mestiço acrescentando,
ainda, a ideia de que a mistura dessas raças seria a “força”, o ponto positivo,
da nossa cultura.
Este
autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a constituição da
nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma harmoniosa união entre
o branco (de origem europeia), o negro (de origem africana), o índio (de origem
americana) e o mestiço, ressaltando que essa “mistura” contribuiu, em termos de
ricos valores, para a formação da nossa cultura.
Veja
alguns trechos de sua obra a este respeito:
“Um traço
importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida doméstica do
brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002)
“Foi
ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua maior alegria.”
(FREYRE, 2002)
“Nos
engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tanques de bater
roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalhavam sempre cantando.”
(FREYRE, 2002).
No
entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar” aristocrático
e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de justificar as elites
no governo, sua descrição do tempo da escravidão em Casa Grande & Senzala
adquire uma conotação harmoniosa, ele não via conflitos nessa estrutura.
Mas se
para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças seria um atraso
para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar qual seria e onde
estaria a origem do atraso da nação brasileira. Estamos falando de Caio Prado
Júnior. Este autor vai nos fornecer uma visão muito mais crítica sobre a
formação da nossa sociedade. Veja por quê.
Enquanto
Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da formação da sociedade
brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, isto é, partindo do ponto de
vista material e econômico para o entendimento da nossa formação.
Caio
Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em direito e, de forma
autodidata, leu e tomou para si os ideais de Marx, o que o fez uma pessoa
comprometida com o Socialismo.
Caio
Prado também era uma espécie de “contramão” do Partido Comunista Brasileiro no
seu tempo, pois um dos militantes daquele partido, Octávio Brandão (1896-1980),
havia escrito um livro na década de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no
qual apresentava a tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava
no fato dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida pelo
PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que interpretava o
escravismo, no Brasil Colonial, como uma característica do feudalismo.
É por
essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista, pois a ideia de
que no passado o Brasil havia sido feudal era “importada” do marxismo oficial,
da Europa, e que na sua opinião, não funcionava aqui. E, para Caio Prado, a
prova disso estaria no fato de que no sistema feudal o servo não era
considerado uma mercadoria, coisa que ocorria aqui com os escravos, o que
denota uma característica do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à
análise da mão-de-obra.
No seu
livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942, Caio Prado apresenta
a tese de que a origem do atraso da nação brasileira estaria vinculada ao tipo
de colonização a que o Brasil foi submetido por Portugal, isto é, uma
colonização periférica e exploratória.
Traduzindo
para melhor compreendermos... Caio Prado explica que Portugal teve grande
contribuição no “nosso atraso” como nação, pois o centro do capitalismo, na
época do “descobrimento” do Brasil, estava na Europa, o que fazia com que as
riquezas daqui fossem levadas para lá. Este tipo de organização econômica foi
denominado de primária e exportadora, pois os produtos extraídos das
monoculturas brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que
estavam em processo de industrialização.
Segundo
Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo
“...um
território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de fornecer
qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham
em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias comerciais,
com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio, sua administração e defesa
armada; era preciso ampliar estas bases, criar um povoamento capaz de abastecer
e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que
interessassem ao seu comércio. A ideia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO
JÚNIOR, 1942: 24).
As teses
desse autor rompem com as análises dos autores que antes dele apresentaram um
pensamento conservador restrito, isto é, de reprodução daquilo que estava posto
na sociedade brasileira e, consequentemente, sem a intenção de apresentar
propostas para sua transformação.
Assim
sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em
Casa
Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja porque:
a) seus escritos nos levam a
pensar que a miscigenação acontecia sempre de maneira harmoniosa. Mas e a
relação entre os senhores brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se
verificarmos relatos da história veremos que as negras eram forçadas a terem
relações sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia.
b) sobre os problemas
sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma proposta para a solução dos
mesmos, ou para a transformação da sociedade.
Para Caio
Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima demonstram a postura
conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece um certo conformismo com a
situação em que se apresentava a sociedade. Conformismo que pressupõe
continuidade, sem transformação.
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