Florestan Fernandes
E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil:
Já a partir
dos anos de 1940 novos sociólogos começam a aparecer no cenário brasileiro.
Esta
terceira geração é formada por sociólogos que vieram de diferentes instituições
universitárias, fundadas a partir de 1930 e inauguram estilos mais ou menos
independentes de fazer Sociologia.
Dessa
forma, e progressivamente, a intelectualidade sociológica no Brasil começa a
ganhar corpo. Também começam a surgir estilos ou tendências, o que fez com que
surgissem diferentes “escolas” de Sociologia em São Paulo, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e em outros lugares.
Dos
autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar Oliveira Viana,
Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, dentre vários outros. Mas vamos nos deter
na obra do sociólogo paulista Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome
da Sociologia crítica no Brasil.
Qual é a
proposta de Sociologia que ele apresenta?
Florestan
Fernandes foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento sobre a realidade
social e das teorias que tentavam explicar essa realidade. O objetivo deste
autor foi de, numa intensa busca investigativa e crítica, ir além das reflexões
já existentes.
Florestan
Fernandes tinha como metodologia “dialogar”, de maneira muito crítica, com a
produção sociológica clássica, com os autores citados no Folhas 02. Mas veja, o
diálogo não se dava somente com aqueles autores, pois a lista de clássicos,
principalmente modernos, é bem extensa.
Florestan
também mantinha contínuo diálogo com o pensamento crítico brasileiro. Autores
como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior, os quais vimos anteriormente, fazem
parte de sua lista de interlocutores. O diálogo com esses autores foi
fundamental para o seu trabalho de análise dos movimentos e lutas existentes na
sociedade, principalmente aquelas travadas pelos setores populares.
Um outro
aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a sua afinidade com o
pensamento marxista, principalmente sobre o modo de analisar a sociedade, o que
se constituiu numa espécie de “norte” crítico orientador de seu pensamento.
As
transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil foram, também,
uma espécie de “motor” para os trabalhos de Florestan. Mas não apenas para ele,
pois como já mencionamos, essas transformações serviram de impulso para os
trabalhos sociológicos no Brasil como um todo. E isso se deu principalmente a
partir de 1940, pois essas transformações se intensificaram muito por causa do
aumento da industrialização e da urbanização.
Algumas
das consequências da urbanização, inclusive gerada pela migração de pessoas
que, vindas do campo, procuravam trabalho nas indústrias das grandes cidades,
foram o surgimento de problemas de falta de moradia, desemprego e
criminalidade. Essas situações emergentes, logicamente, tornavam-se temas para
a análise sociológica.
Para
finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan inaugura
também tinha o “olhar” voltado aos mais diversos grupos e classes existentes na
sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos indígenas e sobre as relações
raciais em São Paulo, por exemplo, tiveram o mérito de fornecer explicações que
se contrapunham às explicações dadas pelas classes dominantes da sociedade
brasileira.
Para exemplificarmos a forma do trabalho sociológico de Florestan...
Veja que interessante:
Uma de
suas pesquisas, sobre os negros em São Paulo, demonstrada no livro A integração
do negro na sociedade de classes, de 1978, vai auxiliar nossa explicação. Nesse
trabalho, Florestan analisa como os negros foram sempre situados à margem na
nossa sociedade.
Na
presente obra podemos perceber as seguintes características sociológicas de
Florestan:
a) O interesse em explicar
fatos relativos aos setores populares da sociedade, neste caso, os negros.
Florestan queria saber como se deu o processo que colocou esse grupo “à margem”
na sociedade brasileira. E, mais, queria uma interpretação diferente daquelas
que as elites da sociedade forneciam a este respeito.
b) Ele se filia ao
pensamento crítico brasileiro ao afirmar que o negro não era um problema para a
nação. Inclusive desenvolve a ideia de que os negros sempre foram agentes
participantes das transformações sociais do país, ainda que de maneira menos
privilegiada que os brancos.
c) Faz uma crítica à
sociedade capitalista que não “absorveu” os negros, que, segundo as elites da
sociedade, encontravam-se em iguais condições em relação aos brancos e,
inclusive, em relação aos inúmeros estrangeiros que chegavam ao Brasil para
viverem e trabalhar.
Hum... Iguais condições? Será?
Imagine
só... De um dia para outro todos os negros, os que antes foram de maneira
desumana tratados como “coisas” e úteis apenas para o trabalho, tornaram-se
livres para atuarem nas empresas e comércio da época, se é que assim podemos
chamar os empreendimentos daquele tempo, isto é, em 1888.
Os negros
tentaram, mas “...viram-se repudiados, na medida em que pretenderam assumir os
papéis de homem livre com demasiada latitude de ingenuidade, num ambiente em
que tais pretensões chocavam-se com generalizada falta de tolerância, de
simpatia militante e de solidariedade.” (FERNANDES, 1978: 30-31).
Afinal,
quem é que daria emprego a um homem que “até ontem à tarde” era não mais que um
pertence de alguém, isto é, um utensílio de um senhor?
E se você
fosse um patrão na época da Abolição, daria trabalho a tal pessoa em sua loja?
Hoje, no
Brasil, ainda podemos encontrar muitos problemas quanto à aceitação da
diversidade cultural, apesar dos muitos movimentos que combatem a desigualdade
racial e social nas mais diversas áreas da sociedade. Esses problemas são, na
verdade, heranças de um passado, que fora muito pior.
Ora veja,
ainda que o discurso das elites privilegiasse a liberdade dos negros, eles não
tinham condições de igualdade na concorrência com os brancos,
“como não
se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernir a
necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações sociais para proteger o
negro (como pessoa e como grupo) nessa fase de transição, viver na cidade
pressupunha, para ele, condenar-se a uma existência ambígua e marginal.”
(FERNANDES, 1978: 20).
Segundo
Florestan, para os negros e os mulatos apenas duas portas se abriam, pois...
“vedado o
caminho da classificação econômica e social pela proletarização, restava-lhes aceitar
a incorporação gradual à escória do operariado urbano em crescimento ou
abater-se penosamente, procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem
sistemática ou na criminalidade fortuita meios para salvar as aparências e a
dignidade de “homem livre. (FERNANDES, 1978:20).
Portanto,
pela interpretação de Florestan, a inexistência de um plano de incorporação do
negro, elaborado pela sociedade que o libertou, com estratégias de aceitação
social dos mesmos, foi fator importante que contribuiu para sua marginalidade
social.
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