Brexit: veja o que muda nas
relações entre a UE e o Reino Unido
Acordo entrou em vigor
provisoriamente em 1º de janeiro
O acordo de comércio e parceria entre a
União Europeia (UE) e o Reino Unido entrou em vigor, provisoriamente, no dia 1º
de janeiro e será mantido até o último dia de fevereiro. Até lá, o Parlamento
Europeu terá que analisar, fiscalizar e aprovar para que em março o documento
assinado pelas duas partes passe a gerir, de forma definitiva, as relações
entre os 27 países do bloco e o Reino Unido.
O acordo aplica-se a todas as relações
que se estabelecerem entre a UE e o Reino Unido desde o primeiro dia deste ano.
Esse detalhe faz a diferença para quem já trabalhava e residia no Reino Unido e
quem pretende fazê-lo agora, por exemplo.
O chefe do secretariado da Comissão de
Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, José Luís Pacheco, falou sobre
algumas das principais questões que se colocam a partir de agora.
1 – A situação dos europeus
que trabalham ou querem trabalhar no Reino Unido
Para os cidadãos que já estão no Reino
Unido e que pediram o estatuto de residente ou de pré-residente permanente não
vai haver mudanças, porque os direitos foram salvaguardados pelo acordo de
saída que entrou em vigor há um ano.
Para já, 328 mil portugueses pediram o
direito de residência no Reino Unido, que devem obter, de forma definitiva, até
junho deste ano. A partir dessa data, quem não tiver esse estatuto, estará em
situação irregular no país.
O acordo não estabelece regras
específicas para os europeus que querem, agora, ir trabalhar ou residir no
Reino Unido. Londres não aceitou que houvesse entendimento para o futuro no que
se refere a essa questão. Para quem quiser ir trabalhar no Reino Unido, serão
aplicadas as regras de emigração daquele território.
Entre outras coisas, será necessário
obter um visto ainda no país de origem. O trabalhador tem que comprovar que tem
uma oferta de emprego e que possui as habilitações necessárias para desempenhar
as funções que vai exercer. Será necessário também comprovar que vai receber
pagamento compatível com as tabelas salariais do país.
2 - O acesso dos estudantes
europeus ao ensino no Reino Unido
O Reino Unido decidiu sair do programa
Erasmus, alegando que há mais estudantes europeus no país do que britânicos na
Europa. O primeiro-ministro Boris Johnson considerou que era difícil manter,
economicamente, essa parceria.
No entanto, os estudantes do Erasmus que
já estão em território britânico e incluídos no programa podem continuar até o
fim do intercâmbio, porque esses deslocamentos e estadias já foram devidamente
autorizadas e financiados pelo orçamento comunitário anterior, o último do qual
o Reino Unido fez parte.
Londres quer agora criar o seu próprio
programa de intercâmbio de estudantes e, por isso, será necessário esperar para
conhecer as regras e condições. Para os estudantes europeus que participam do
programa de intercâmbio Erasmus, o Reino Unido era o quarto destino mais
procurado.
A partir de agora, os europeus que
queiram ir estudar no Reino Unido, sem ser por meio de um programa de
intercâmbio, precisam obter um visto no país de origem e comprovar que há vaga
na universidade que pretendem frequentar, que dominam a língua inglesa e que
têm meios de subsistência. É que estudar no Reino Unido passará a ser mais
caro.
Se até agora qualquer estudante europeu
em solo britânico não podia ser discriminado e era tratado como um cidadão da
União com os mesmos direitos e os mesmos encargos financeiros de um cidadão
britânico, a partir de janeiro deste ano vão ter que pagar as propinas e os
custos de um cidadão de países terceiros o que, na maioria dos casos, pode
significar o dobro do que pagavam até agora
3 – O acesso dos pescadores
europeus a águas do Reino Unido
Esta foi uma das áreas que mais dividiu
as duas partes. A União Europeia defendeu o direito de acesso dos pescadores
europeus a águas britânicas como uma das contrapartidas do acesso, sem quotas e
sem taxas aduaneiras, do Reino Unido ao mercado de 450 milhões de consumidores
dos 27.
No acordo agora em vigor, está
estabelecido que os pescadores europeus vão perder, gradualmente e durante
cinco anos, 25% das cotas de pesca em águas britânicas. Depois destes cinco
anos, as possibilidades de captura vão ser negociadas ano a ano.
Se é um fato que os pescadores europeus
pescam mais no Reino Unido do que os pescadores britânicos na Europa, também é
verdade que Londres exporta, para o mercado da União Europeia, cerca de dois
terços dos derivados de pesca que produz.
A questão da pesca foi importante, não
por causa do valor econômico que representa – perto de 700 milhões de euros por
ano quando o valor do comércio total entre as duas partes é de 700 bilhões –
mas pela importância que tem para as comunidades costeiras europeias.
Portugal não é um dos países da União
Europeia com maior atividade pesqueira em águas do Reino Unido. O ministro do
Mar, Ricardo Serrão Santos, admite interesse na troca pela captura de outras
espécies.
4 – O acesso a cuidados de
saúde dos europeus no Reino Unido
Em visitas de curta estadia, o cartão
europeu de saúde mantém-se como válido para permitir que os europeus recebam
cuidados de saúde no Reino Unido e os britânicos em solo europeu.
O acerto de contas será feito depois
entre os sistemas de segurança social dos países envolvidos.
Diferente será a situação para quem vai
trabalhar ou residir no Reino Unido. Nesse caso, serão aplicadas as regras
nacionais britânicas de segurança social e acesso à saúde.
Essa é uma das áreas em que se admite que, ne futuro, as duas partes possam avançar para acordos mais específicos e definir situações que não estão contempladas no acordo de comercio e parceria.
O presidente do Conselho Europeu,
Charles Michel, afirmou, depois de firmado o acordo, esperar uma próxima
cooperação entre as duas partes, para enfrentar a pandemia de covid-19 e mesmo
um tratado para cooperação na área de questões sanitárias.
5 – A confiança dos
consumidores europeus na qualidade dos produtos que chegam do Reino Unido
Não existem, no momento, razões para que
os consumidores europeus possam desconfiar da qualidade dos produtos importados
do Reino Unido, porque as condições de controle sanitário, por exemplo, devem
sempre respeitar as exigências de quem importa.
O acordo encontrou formas de simplificar
as trocas comerciais, de forma a que um excessivo controle sanitário não
bloqueasse o fluxo de bens.
Um aumento desse tipo de fiscalização
pode, no entanto, ocorrer a qualquer momento, se os serviços aduaneiros da
União Europeia registarem consequentes inconformidades com as regras
estabelecidas.
6 – O que vai ser exigido a
quem viaja para o Reino Unido
O Reino Unido, quando fazia parte da
União Europeia, não integrava o espaço Schengen, e as regras que vigoravam até
agora vão ser mantidas.
Quem viajar de e para o Reino Unido
continuará a ter que apresentar os documentos, na partida e na chegada e, no
caso dos aeroportos, em áreas diferentes das que são destinadas a cidadãos de países
que integram o acordo de Schengen, que permite a livre circulação de pessoas
dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte
nas fronteiras. Mas não será necessário obter um visto prévio no caso das
viagens de curta duração – até 90 dias – em turismo ou em negócios.
Até outubro deste ano, porém, será
suficiente a apresentação do cartão de cidadão, mas a partir dessa data será
exigida a exibição de um passaporte.
7 – A questão da
concorrência e das empresas da União Europeia e do Reino Unido
Conseguir uma concorrência justa e livre
entre as duas partes foi sempre uma das prioridades da União Europeia. O
negociador chefe, Michel Barnier, sempre insistiu na necessidade de aplicar
critérios de level playing field, criando as condições para que todos possam
ter a mesma possibilidade de sucesso no mercado, sem regras ou apoios que
possam distorcer uma concorrência justa.
Nesse sentido, os apoios e subsídios
estatais às empresas devem ser adequados e não permitir situações de vantagem
no mercado.
Se uma das partes considerar que as ajudas que estão a ser atribuídas às empresas são contrárias ao que ficou acordado, pode recorrer a um tribunal arbitral e, em último recurso, impor sanções que podem passar pela proibição de importação de produtos provenientes da indústria que está a ser subsidiada por Bruxelas ou Londres.
O Reino Unido queria impor as suas
próprias regras, mas a União Europeia entendeu que um acesso sem tarifas,
direitos alfandegários e limites à importação seria necessário para que não
existissem regras de distorção do mercado ou, em alternativa, a imposição de
impostos alfandegários ou um limite às importações. No acordo agora alcançado,
optou-se pela criação de situações de base justas com a definição das ajudas de
Estado que são compatíveis com uma concorrência saudável.
8 – Os futuros acordos
bilaterais e serviços bancários e financeiros
A partir de agora, os países da União
Europeia podem desenvolver acordos bilaterais ou multilaterais com o Reino
Unido em áreas que não estejam abrangidas – ou estejam apenas em certas
questões - pelos acordos já assinados. Mas a mais significativa dessas áreas é
a dos serviços financeiros.
Com o fim da liberdade de serviços entre
as duas partes, os bancos e as seguradoras britânicas que queiram prestar
serviços na UE têm que necessariamente se estabelecer em um dos
Estados-membros. A partir daí, um Estado-membro pode celebrar acordos
bilaterais que abordem a forma de funcionamento desses serviços.
Outra área em que, no futuro, podem ser
assinados acordos bilaterais é a da emigração. As exigências para trabalhar,
residir ou estudar podem ser definidas caso a caso entre o Reino Unido e um dos
países da União Europeia.
9 – O transporte de pessoas
e mercadorias entre a União Europeia e o Reino Unido
O acordo entre a UE e o Reino Unido
prevê que se mantenham os transportes de pessoas e mercadorias por terra, mar e
ar, mas com algumas alterações.
No caso do transporte aéreo de
passageiros, é possível a uma companhia aérea britânica voar de um ponto do
Reino Unido até um país da União Europeia, mas já não poderá fazer escala num
Estado-membro e viajar para outro e só depois regressar a um aeroporto do país
de origem.
No caso do transporte de mercadorias,
poderá ser possível fazer escalas, até para impedir que os veículos regressem
vazios, o que teria um custo ecológico e ambiental que as duas partes querem
evitar.
10 – Cooperação com o Reino
Unido em programas de investigação e ciência
O Reino Unido saiu da maioria dos
programas europeus – alguns bem significativos como o Erasmus – mas será
mantida estreita cooperação em outras áreas. São exemplos o programa Horizonte
Europa, o Programa de Inovação e Investigação em Ciência, o programa Copernicus
e o Programa de Observação da Terra, com grande relevância no estudo e combate
às alterações climáticas.
O trabalho conjunto entre europeus e
britânicos pode se estender a outras áreas.
Já é possível que outros Estados
participem de programas da União Europeia, desde que também contribuam para o
financiamento. O mesmo terá que ocorrer sempre que o Reino Unido queira ser
parte integrante de um projeto/programa europeu: terá que o financiar no
montante e na forma definidos.
Especialistas consideram desejável que
isso aconteça também em áreas como a de segurança, defesa e política externa,
nas quais os objetivos são comuns. Será preciso vontade política entre as duas
partes.
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