FGV: aprendizagem pode retroceder
até 4 anos sem aulas presenciais
Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV), encomendada pela Fundação
Lemann, mostra que a educação brasileira pode retroceder até quatro anos nos
níveis de aprendizagem devido à necessidade de suspensão das aulas presenciais
na pandemia, com o agravante da dificuldade no acesso ao ensino remoto. Esse é
considerado o pior cenário, em que os estudantes não teriam aprendido o
conteúdo durante o ensino remoto. O impacto é maior entre negros e alunos com
mães que não concluíram o ensino fundamental.
A partir de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), foi
possível simular uma perda equivalente ao retorno à proficiência brasileira na
avaliação de quatro anos atrás em língua portuguesa e de três anos em
matemática, do 5º ao 9º ano do ensino fundamental, considerando o pior dos
cenários, chamado de pessimista.
Em uma estimativa intermediária, os componentes curriculares teriam uma
queda equivalente ao retorno à proficiência brasileira de três anos atrás.
Mesmo no cenário otimista, em que os alunos teriam aprendido por meio do ensino
remoto tanto quanto aprendem no presencial, a educação também pode ter perdido
três anos em língua portuguesa.
Em outro modelo de apresentação de resultados, o estudo mostrou que tanto
alunos dos anos finais (do 5º ao 9º) do ensino fundamental quanto aqueles do
ensino médio podem ter deixado de aprender o equivalente a 72% do aprendizado
de um ano típico, em língua portuguesa e matemática, considerando o pior
cenário. No cenário intermediário, o percentual ficou em 34% e 33%,
respectivamente. Considerando o cenário otimista, a perda no aprendizado
ficaria em 14% e 15%.
O diretor de Políticas Educacionais na Fundação Lemann, Daniel de Bonis,
considera que o ensino remoto reduz os prejuízos do fechamento das escolas, mas
não é um substituto da escola, do professor e do ensino presencial. “A
simulação mostra que, dependendo da qualidade do ensino remoto e do nível de dedicação
dos estudantes, ele pode reduzir até substancialmente esse prejuízo com o
fechamento das escolas, mas não substitui a escola, você vai continuar tendo um
prejuízo", diz.
A primeira conclusão do estudo é que a interrupção das aulas leva a uma
redução significativa no aprendizado dos alunos. “Em segundo lugar, entendemos
que, em um cenário de interrupção das aulas presenciais, o aprendizado dos
alunos depende do acesso ao ensino remoto e esse acesso é desigual no Brasil,
como evidenciado pelos dados da Pnad Covid-19”, afirmou André Portela,
pesquisador líder do estudo e professor titular de Políticas Públicas da Escola
de Economia de São Paulo, da FGV.
“Por fim, analisando dados do Saeb, concluímos que, em 2020, o
crescimento do aprendizado dos alunos brasileiros poderá desacelerar ou mesmo
retroceder. Esse resultado ocorre de maneira desigual no país, afetando mais
fortemente os menos favorecidos. Assim, esforços para mitigar essa perda e
garantir o acesso a um ensino remoto de qualidade a todos são urgentes, de modo
a evitar a perda de aprendizado e o aumento das desigualdades educacionais”,
acrescentou Portela.
Desigualdade
Os grupos populacionais mais prejudicados foram os do sexo masculino,
pardos, pretos e indígenas, com mães que não finalizaram o ensino fundamental.
Os menos prejudicados são, na maioria dos casos, do sexo feminino, que se
declararam brancas, com mães com pelo menos ensino médio completo.
“No caso daqueles que não tiveram acesso nem mesmo a ensino remoto, esse
prejuízo pode ser muito grande. É claro que a gente sabe que, em uma realidade
como a brasileira, essa situação acaba sendo muito desigual, porque nem todas
as famílias têm condições de ter esse acesso e com qualidade”, disse o diretor
da Fundação Lemann.
Ele citou a questão da oferta de conectividade como fator determinante
para que os estudantes de famílias mais pobres tenham acesso a videoaulas, que
são disponibilizadas de forma online, em sites ou aplicativos. “O acesso a um
aplicativo exige consumo de dados e nem todos os estados brasileiros
conseguiram financiar as famílias para que elas pudessem usar os aplicativos
sem consumir do seu plano”.
“Em São Paulo, o estado conseguiu fazer um acordo com as telefônicas,
pagando dentro do seu contrato, para que o uso do aplicativo da Secretaria de
Educação não fosse contabilizado como consumo do plano de dados, mas isso é
porque foi colocado recurso público. Em nível nacional, não tivemos uma
iniciativa semelhante, então depende de cada estado ter financiado isso para as
famílias”, acrescentou.
A desigualdade aparece também nos cálculos feitos para cada um dos
estados brasileiros. Em ambas as etapas de ensino, os alunos das regiões Norte
e Nordeste deixaram de aprender mais que alunos do Sul e Sudeste.
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