Unicef: 5,5 milhões estavam sem atividades
escolares em outubro
Covid-19 se reflete na reprovação e abandono
escolar no Brasil
Publicado em 28/01/2021 - 12:18 Por Vinícius Lisboa -
Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro
A pandemia de covid-19 agravou as desigualdades que afetam
estudantes vulneráveis e se refletem na reprovação, distorção idade-série e
abandono escolar.
A conclusão é do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) e do Instituto Claro, que divulgaram hoje (28), no Rio de Janeiro,
pesquisa com dados indicando que chega a 5,5 milhões o número de crianças e
adolescentes que estavam sem atividades escolares ou fora da escola em outubro
do ano passado, no Brasil. Meninos, negros, indígenas, estudantes com
deficiência e moradores de áreas rurais ou do Norte e Nordeste do país são as
principais vítimas do problema.
O estudo analisa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e
indica que 1,38 milhão de estudantes de 6 a 17 anos, ou 3,8% do total, não
participaram de aulas presenciais ou remotas em outubro de 2020. O percentual é
quase duas vezes maior que a média de 2019: 2%.
Entre os que disseram ter frequentado as aulas, ao menos
remotamente, 4,12 milhões relataram que não tiveram acesso às atividades
escolares. "Assim, estima-se que mais de 5,5 milhões de crianças e
adolescentes tiveram seu direito à educação negado em 2020", afirma a
pesquisa.
Disparidades
Os dados mostram grandes disparidades entre estados.
Enquanto Acre (10%), Amapá (12%) e Roraima (15%) tiveram percentuais de dois
dígitos para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos que não frequentavam a
escola, nem remotamente em outubro, a média no país era perto de 4%. Minas
Gerais e Sergipe tiveram o menor percentual: 2%. As desigualdades aparecem
também quando considerada a raça dos estudantes, com desvantagem para negros e
indígenas em relação a brancos e amarelos.
O chefe de educação do Unicef no Brasil, Ítalo Dutra,
apresentou o estudo hoje (28) e alertou que as crianças que deixaram de ter
aulas presenciais e não participaram de atividades remotas perderam o vínculo
com a escola e precisam ser trazidas de volta ao ambiente escolar.
"Precisamos ir atrás desses 5,5 milhões de crianças e
adolescentes e garantir que tenham acesso à escola já, imediatamente. E, nesse
contexto, trabalhar para que a gente faça uma reabertura segura das escolas,
onde as condições epidemiológicas permitirem, abrindo e fechando se houver
piora ou melhora, mas a gente não pode deixar que milhões de crianças e
adolescentes no país não tenham acesso à educação", disse ele, que
defendeu também um reconhecimento e enfrentamento das desigualdades.
Cultura do fracasso escolar
A análise também caracteriza o cenário de desigualdade
anterior à pandemia. Em 2019, segundo o Censo Escolar, seis milhões de
estudantes estavam pelo menos dois anos atrasados na escola, o que configura a
situação de distorção idade-série. Além disso, 2,1 milhões de estudantes foram
reprovados no Brasil naquele ano, e mais de 620 mil abandonaram a escola.
Os números, apontam os pesquisadores, são sintomas da
cultura do fracasso escolar, que torna aceitável que um perfil específico de
estudantes passe pela escola sem aprender, sofrendo sucessivas reprovações até
desistir.
O estudo explica que essa naturalização se dá culpando os
próprios estudantes e suas famílias, professores ou o sistema educacional,
alimentando a ideia de que não há nada a ser feito.
"É importante assumir que o abandono escolar
ultrapassa as escolhas individuais, sobre as quais não se pode incidir. A
reprovação e o abandono são desafios de toda a sociedade, o que inclui a
escola, seus profissionais, gestores da educação, estudantes e suas
famílias", alerta a pesquisa.
Se a reprovação escolar atingiu 7,6% dos alunos
matriculados em 2019, esse percentual passa de 10% se consideradas as
populações preta e indígena, enquanto na população branca não chega a 6%. Os
estudantes com deficiência foram ainda mais afetados, com 11,5% de reprovação
em 2019.
Altas taxas de reprovação
"A persistência de altas taxas de reprovação é um
desafio nacional. As reprovações em cada estado e cada município incidem mais
sobre as populações preta e indígena e também sobre os meninos e sobre as
pessoas com deficiência", analisa o levantamento, que considera a
reprovação um "poderoso indutor" do abandono escolar, que também está
relacionado a fatores externos, como a gravidez na adolescência e a
incompatibilidade das atividades escolares com a necessidade de trabalhar ou
realizar afazeres domésticos, por exemplo.
"A escola precisa acolher, ensinar e contribuir para
que as(os) estudantes possam atribuir sentidos às aprendizagens, sendo parte da
construção de seus projetos de vida no presente, durante a escolarização, e
também na imaginação e no desejo dos planos de futuro", disse.
Entre os mais de 620 mil alunos que abandonaram a escola em
2019, 333 mil saíram no ensino médio. No Norte do país, chega a quase 10% a
taxa de abandono escolar no ensino médio, contra 5,5% na média do Brasil e 4,1%
no Sudeste.
O abandono escolar, considerando o ensino médio e o
fundamental nas escolas estaduais e municipais, é mais grave entre a população
indígena, em que chega a 5,3%, e atinge 5,7% se analisada apenas a população
que vive em terras indígenas. Os valores representam mais que o dobro da média
nacional de 2,3%.
Pretos (2,9%) e pardos (2,6%) também apresentam números
maiores que a média, enquanto brancos chegam ao percentual de 1,4%. Meninos
(2,4%), estudantes com deficiência (2,7%), moradores de assentamentos (3%) e de
quilombos (2,8%) são outros grupos acima da média nacional.
O resultado de sucessivas reprovações, abandonos e
tentativas de retorno à escola é a distorção idade-série, que chega a 21,1% dos
estudantes nas escolas públicas municipais e estaduais. A distorção afeta 46,8%
dos estudantes com deficiência, 40,2% dos indígenas, 29,6% dos pretos, 26,4%
dos estudantes de áreas rurais e 24,9% dos meninos.
Transformação das relações
"Sem o reconhecimento de que a melhoria dos resultados
escolares, entendidos como a permanência e o sucesso dos estudantes em suas
trajetórias, passa pela transformação das relações, pela inclusão, pelo combate
ao racismo, ao sexismo, ao capacitismo, ao classismo, à LGBTfobia (lésbicas,
gays, bissexuais e transgêneros), não haverá mudança nos patamares
atuais", indica o estudo.
Para a reversão da cultura do fracasso escolar, o Unicef
propõe, entre outras medidas, reconhecer as diversas formas de desigualdades
que afetam os estudantes, abrir mais espaço para que se engajem e sejam ouvidos
pelas escolas e buscar novas soluções para a avaliar o processo de
aprendizagem.
Diretor de Pesquisa e Avaliação do Centro de Estudos e
Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Romualdo Portela
lembra que questões culturais mudam lentamente.
"As mudanças de cultura são as mais difíceis de serem
processadas, porque não se muda isso pela lei ou administrativamente. Você tem
que conseguir convencer as pessoas", afirma. "A sociedade pensa que a
escola boa é a escola que reprova muito, e isso tem efeitos sistêmicos",
finaliza.
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