Vale pagará
R$ 37 bilhões para reparar tragédia de Brumadinho
Acordo foi
selado hoje no Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Publicado em 04/02/2021 - 13:53 Por Léo Rodrigues - Repórter
da Agência Brasil - Rio de Janeiro Atualizado em 04/02/2021 - 16:03
Mais de dois
anos após a tragédia de Brumadinho (MG) foi selado hoje (4) no Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG) um amplo acordo que engloba todo o processo de
reparação dos danos coletivos.
O documento
estima que a mineradora Vale, responsável pelo episódio, deverá desembolsar
pelo menos R$ 37,68 bilhões, valor que pode aumentar porque os custos da
reparação ambiental foram incluídos na conta como uma projeção.
Ficou acertado
que o meio ambiente deverá ser recuperado integralmente, sem nenhum limite de
gasto, ressalvado os danos que já foram identificados como irreparáveis e serão
compensados com projetos já previstos.
Ocorrido em 25
de janeiro de 2019, após o rompimento de uma barragem na Mina Córrego do
Feijão, a tragédia deixou 270 mortos, dos quais 11 corpos ainda estão
desaparecidos. O episódio também causou destruição de comunidades, devastação
ambiental, impactos socioeconômicos em diversos municípios e poluição no Rio
Paraopeba.
Além da
mineradora, assinaram o acordo o governo de Minas Gerais, o Ministério Público
de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria
Pública do estado.
As negociações
vinham se arrastando desde o ano passado. Foram realizadas diversas audiências
que envolvem diferentes ações civis públicas movidas pelo MPMG e pelo governo
mineiro. Ambos apresentaram como pedido inicial uma indenização de R$ 54
bilhões. Desse montante, R$ 28 bilhões seriam para cobrir danos morais sociais
e coletivos. Os R$ 26 bilhões restantes se referiam às perdas econômicas,
segundo estudo da Fundação João Pinheiro, instituição de pesquisa e ensino
vinculada ao estado de Minas Gerais.
Na primeira
contraproposta da Vale, o valor era de R$ 21 bilhões. Sem evolução nas
tratativas, o governo mineiro chegou a dar as negociações por encerradas no fim
do mês passado.
O termo de
medidas de reparação, como foi nomeado o acordo, prevê o custeio de diversas
medidas de caráter reparatório e compensatório dos danos coletivos. As
indenizações individuais e trabalhistas que deverão ser pagas aos atingidos
estão sendo discutidas em outros processos judiciais e extrajudiciais.
Foram criados
sete grupos de despesas: transferência de renda e demandas das comunidades
atingidas; investimentos socioeconômicos na Bacia do Paraopeba; segurança
hídrica; reparação socioambiental; mobilidade urbana; melhoria dos serviços
públicos; e medidas de reparação emergencial.
Valor
O valor
acordado de R$ 37,68 bilhões inclui R$ 5,89 bilhões que já foram gastos com
determinadas obras e ações realizadas pela mineradora desde a tragédia. Serão
destinados R$ 3 bilhões para projetos nas comunidades que sofreram impactos e
R$ 6,1 bilhões para um programa de transferência de renda aos atingidos.
Outros R$ 4,7
bilhões serão para investimentos socioeconômicos em 26 municípios da Bacia do
Paraopeba: a Vale irá executar as medidas, mas projetos das prefeituras e
também dos atingidos poderão ser contemplados dentro desse montante. A
recuperação ambiental foi estimada em R$ 6,55 bilhões, valor que poderá ser
maior já que todos os danos ao meio ambiente deverão ser reparados.
Além disso, R$
6,42 bilhões serão revertidos para variadas obras nas áreas de saúde,
saneamento e infraestrutura. São previstas reformas de hospitais e intervenções
consideradas necessárias para assegurar a segurança hídrica da região
metropolitana.
Os R$ 4,95
bilhões restantes financiarão, como medida compensatória, obras de mobilidade.
A principal delas será o Rodoanel Metropolitano, um projeto do governo mineiro
para desafogar o tráfego que passa por áreas urbanas de Belo Horizonte,
Contagem e Betim. A previsão é a construção de 100 quilômetros de vias que
contornarão a Região Metropolitana de Belo Horizonte e ligarão as rodovias
federais BR-040, BR-381 e BR-262.
Um dos
objetivos do governo estadual é deslocar para o futuro Rodoanel o fluxo de
veículos, sobretudo caminhões de carga e grandes carretas de passagem que hoje
entram na capital mineira por falta de uma alternativa. A expectativa é reduzir
consideravelmente o fluxo em regiões marginais e urbanas de Belo Horizonte e
reduzir acidentes, principalmente no Anel Rodoviário, via que anualmente
registra um alto volume de colisões e atropelamentos.
Em 2017, um
levantamento apresentado pela prefeitura de Belo Horizonte apontou que no
período de 10 anos, entre 2007 e 2016, morreram 319 pessoas e 10.209 ficaram
feridas em acidentes no Anel Rodoviário.
O acordo não
quita danos socioambientais que ainda não foram diagnosticados. Isso significa
que os prejuízos que venham a ser futuramente conhecidos poderão motivar novas
negociações. Também não há interferência no processo criminal. Da mesma forma,
continua a tramitar normalmente a ação civil pública movida pelo MPMG com base
na Lei Anticorrupção de Empresas.
Nesse
processo, a Vale é acusada de corromper o mercado de certificação de barragens
e R$7,9 bilhões foram bloqueados de sua conta.
Prioridade
A mineradora
divulgou comunicado dizendo a reparação da tragédia é uma prioridade.
"Desde as primeiras horas após a ruptura, há pouco mais de dois anos, a
empresa tem cuidado das famílias impactadas, prestando assistência para
restaurar sua dignidade, bem-estar e meios de subsistência. Além de atender às
necessidades mais imediatas das pessoas e regiões afetadas, a Vale atua também
na entrega de projetos que promovam mudanças duradouras para recuperar as
comunidades e beneficiar a população de forma eficaz", diz o texto.
Em nota
conjunta, o governo de Minas Gerais, o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública do
estado afirmaram que o acordo dá às pessoas atingidas a certeza e a celeridade
da reparação socioambiental e socioeconômica dos danos difusos e coletivos,
além de implicar ganhos para a população em geral já que o meio ambiente é
patrimônio de todos.
"Este é o
meio mais efetivo de garantir os direitos das pessoas atingidas, haja vista que
o processo judicial tem resultados incertos e pode demorar muito. Por exemplo,
há outros casos de desastres ambientais, inclusive em Minas Gerais, cujos
processos ainda não acabaram, quase 20 anos depois", acrescentou o MPMG.
Protesto
Assim como nas
demais audiências realizadas para negociar o acordo, atingidos pela tragédia realizaram
um protesto em frente ao edifício do TJMG onde ocorreu o encontro. A principal
crítica diz respeito à falta de transparência. Como as negociações se deram sob
o princípio da confidencialidade, apenas os participantes das tratativas
tiveram conhecimento dos detalhes. Não foram tornados previamente públicos os
projetos que estavam em discussão.
As três
organizações escolhidas pelos atingidos da tragédia de Brumadinho para
assessorá-los - a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), o Núcleo
de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e o Instituto
Guaicuy - chegaram a publicar documento pleiteando que todos os termos do
acordo sejam tornados públicos. Também cobraram a criação de espaços abertos
para discuti-lo. No início do mês, a Aedas também apresentou uma lista com 220
medidas consideradas prioritárias para a reparação dos danos.
O Movimento
dos Atingidos por Barragem anunciou que questionará judicialmente o acordo.
"O valor não cobre o prejuízo causado a todas às famílias, mortes e
destruição ambiental. Quem ganha é a Vale. A ação pedia R$ 54 bilhões e a
reparação vai sair por R$ 37 bilhões. É uma imensa violação esse acordo sem a
participação dos atingidos. Vamos continuar lutando para que o crime seja
punido e a reparação integral seja alcançada. O que o acordo garantir será
considerado por nós apenas uma parte da reparação", disse Joceli Andrioli,
integrante da coordenação nacional do movimento.
Governança
Um ponto-chave
das negociações era a governança dos projetos de reparação. A solução pactuada
foi dividir responsabilidades pela execução dos projetos, definindo também os
atores responsáveis por fiscalizar cada um. São dezenas de projetos, sendo que
alguns serão executados diretamente pela Vale. Em outros, caberá a ela apenas
disponibilizar os recursos para ações do governo estadual e para definição dos
atingidos em conjunto com o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública do estado.
O
acompanhamento das medidas e dos gastos envolverá a Controladoria-Geral do
Estado, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, o Tribunal de
Contas do Estado, as instituições de Justiça e auditorias independentes que
deverão ser contratadas.
A solução
superou impasse colocado desde o início das negociações: o governo de Minas Gerais,
o MPMG e o MPF manifestavam discordância em ter como referência a experiência
da Fundação Renova. Trata-se da entidade que assumiu a gestão de todos os
projetos da reparação dos danos da tragédia no município mineiro de Mariana,
ocorrida em 5 de novembro de 2015, após o rompimento de uma barragem da Samarco
deixar 19 mortos e causar impactos sociais, econômicos e ambientais em diversos
municípios da Bacia do Rio Doce, até a foz no Espírito Santo.
A Fundação
Renova foi criada conforme acordo firmado em março de 2016. Participaram das
negociações a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e
os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Na época, o MPMG e o MPF foram
contra os termos negociados. Eles avaliam que a estrutura da Fundação Renova
permite que suas decisões sejam, em última instância, controladas pelas
mineradoras.
O presidente
da Fundação Renova, André de Freitas, considera legítimo que se busque
alternativa específica para Brumadinho, mas também avalia que aprendizados da
reparação da tragédia de Mariana deveriam ser levados em conta.
"Foi um
desastre sem precedentes. A solução criada também foi inédita. Se fossemos
começar de novo, eu faria algumas melhorias. Há muitos aprendizados. Tentamos
algo novo e a minha avaliação é que entregamos muito mais da reparação em
comparação com o que ocorreu em outros desastres, como o acidente radiológico
com césio-137 em Goiânia e a poluição industrial em Cubatão (SP), onde
predominaram processos na Justiça que podiam levar mais de década", disse
Freitas.
De acordo com
a Fundação Renova, a reparação da tragédia de Mariana demandou, até o momento,
R$ 11,33 bilhões para as ações integradas de recuperação e compensação, sendo
R$ 3,07 bilhões pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para
cerca de 320 mil pessoas. A entidade também informa, em nota, que mais de 1.600
obras foram executadas ao longo de todo o território atingido. "A Fundação
Renova permanece dedicada ao trabalho de reparação dos danos provocados pelo
rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), propósito para o qual foi
criada", acrescenta o texto.
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