Estudo revela tamanho da desigualdade de gênero no
mercado de trabalho
Fatores como afazeres domésticos trazem limitações
Publicado em 04/03/2021 - 10:05 Por Léo Rodrigues -
Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro
Levantamento divulgado hoje (4) pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) revela que 54,5% das mulheres com 15 anos ou
mais integravam a força de trabalho no país em 2019. Entre os homens, esse
percentual foi 73,7%. A força de trabalho é composta por todas as pessoas que
estão empregadas ou procurando emprego.
Os dados constam da segunda edição do estudo Estatísticas
de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil. Ele traz informações
variadas sobre as condições de vida das brasileiras em 2019.
Outros indicadores podem contribuir para melhor
compreensão em torno das dificuldades que elas enfrentam para inserção no
mercado de trabalho. Na faixa etária entre 25 e 49 anos, a presença de crianças
com até 3 anos de idade vivendo no domicílio se mostra como fator relevante. O
nível de ocupação entre as mulheres que têm filhos dessa idade é de 54,6%,
abaixo dos 67,2% daquelas que não têm.
A situação é exatamente oposta entre os homens. Aqueles
que vivem com crianças até 3 anos registraram nível de ocupação de 89,2%,
superior aos 83,4% dos que não têm filhos nessa idade. Uma dificuldade
adicional para inserção no mercado pode ser observada no recorte racial dos
dados. As mulheres pretas ou pardas com crianças de até 3 anos apresentaram os
menores níveis de ocupação, inferiores a 50%, enquanto as brancas registraram
um percentual de 62,6%.
O levantamento apurou ainda o impacto dos afazeres domésticos.
"No Brasil, em 2019, as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas ou
afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas semanais
contra 11,0 horas). Embora na Região Sudeste as mulheres dedicassem mais horas
a essas atividades (22,1 horas), a maior desigualdade se encontrava na Região
Nordeste", mostrou o estudo.
A renda causa impacto significativo no período dedicado
aos afazeres domésticos. Entre as mulheres que integram o grupo de 20% da
população com os menores rendimentos, mais de 24 horas semanais foram
consumidas por atividades voltadas para a casa. Entre aquelas que integram a
fatia de 20% dos brasileiros com os maiores rendimentos, esse tempo se reduz
para pouco mais de 18 horas semanais.
"Elas têm mais possibilidade de terceirizar o
trabalho. Podem recorrer ao trabalho doméstico remunerado ou contratar uma
babá. E também podem colocar as crianças em creches particulares, o que acaba
por reduzir a média de horas semanais destinadas às tarefas voltadas para a
casa. As mulheres que não têm condições financeiras de arcar com esses custos
ficam sujeitas à prestação de serviço público. e nem sempre ele está
disponível. Temos necessidade de avançar em políticas públicas de
creches", analisa André Simões, um dos pesquisadores que participou do
levantamento.
Além de dificultar a inserção no mercado de trabalho, os
afazeres domésticos trazem limitações mesmo para as mulheres que conseguem se
inserir. A pesquisa mostra que a conciliação da dupla jornada fez com que, em
2019, cerca de um terço delas trabalhasse em tempo parcial, isto é, até 30
horas semanais. Esse tipo de situação se verificou em apenas 15,6% entre os
homens empregados.
A diferença de salários e rendimentos também foi apurada
no levantamento. Em 2019, as mulheres receberam, em média, 77,7% do montante
auferido pelos homens. A desigualdade atinge proporções maiores nas funções e
nos cargos que asseguram os maiores ganhos. Entre diretores e gerentes, as
mulheres receberam 61,9% do rendimento dos homens. O percentual também foi alto
no grupo dos profissionais da ciência e intelectuais: 63,6%.
"A responsabilidade quase duas vezes maior por
afazeres domésticos e cuidados ainda é fator limitador importante para maior e
melhor participação no mercado de trabalho, pois tende a reduzir a ocupação das
mulheres ou a direcioná-las para ocupações menos remuneradas", diz o
estudo.
Educação
O levantamento aponta que não há influência educacional
na desigualdade. "As menores remunerações e maiores dificuldades
enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho não podem ser atribuídas à
educação. Pelo contrário, os dados disponíveis indicam que as mulheres
brasileiras são, em média, mais instruídas que os homens", registra a
pesquisa.
Entre a população com 25 anos ou mais, 37,1% das mulheres
não tinham instrução ou possuíam apenas fundamental incompleto. Entre os
homens, esse percentual alcança 40,4%. "Evidentemente precisamos pontuar
as desigualdades entre as mulheres. A taxa ajustada de frequência escolar
líquida das mulheres brancas é 40,9% e das mulheres pretas ou pardas, de
22,3%", diz o pesquisador do IBGE Bruno Perez.
Elas levam vantagem também quando se compara a proporção
de pessoas com nível superior completo. Entre os homens, esse índice é 15,1%, e
entre as mulheres, de 19,4%. Os dados revelam uma mudança do cenário nas
últimas décadas, já que entre a população de 65 anos ou mais observa-se
situação inversa. Nessa faixa etárias, as mulheres registram nível de instrução
ligeiramente inferior ao dos homens.
Evolução tímida
Avanços na área da saúde e dos direitos humanos são
relatados no estudo, como o aumento da expectativa de vida e a redução do
casamento de menores de idade. Por outro lado, o IBGE chama a atenção para
dificuldades do país na produção dos indicadores sobre violência contra a
mulher.
Outra observação da pesquisa diz respeito à
sub-representação. Na política, a evolução da participação feminina é bem
tímida. "Apesar de um aumento no número de deputadas federais entre 2017 e
2020, temos atualmente apenas 14,8% de mulheres em exercício na Câmara dos
Deputados. Com esse dado, o Brasil tem a menor proporção entre os países da
América do Sul e fica na posição de número 142 em um ranking de 190
países", observa a pesquisadora Luanda Botelho.
De acordo com a pesquisa, apesar de as mulheres serem
maioria na população brasileira e mais escolarizadas, somente 16% dos
vereadores eleitos no país em 2020 foram mulheres. Comparado com 2016, houve
aumento de menos de 3 pontos percentuais.
"A ampliação de políticas sociais ao longo do tempo,
incrementando as condições de vida da população em geral, fomenta a melhora de
alguns indicadores sociais das mulheres, como nas áreas de saúde e educação. No
entanto, não é suficiente para colocá-las em situação de igualdade com os homens
em outras esferas, em especial no mercado de trabalho e em espaços de tomada de
decisão", acrescenta o levantamento.
Políticas públicas
Para o IBGE, a sistematização de indicadores sociais que
retratam desigualdades da sociedade brasileira, como foi feita nesta segunda
edição do levantamento sobre as estatísticas de gênero, serve de subsídio para
a formulação de políticas públicas. Parte dos indicadores reunidos será
divulgada na plataforma da Agenda 2030 para o monitoramento dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, pactuados no âmbito da Organização das Nações
Unidas (ONU).
A primeira edição do levantamento, publicada em 2014, foi
elaborada com base nos resultados do Censo Demográfico 2010. Ela já revelava a
maior escolarização das mulheres e a considerável inferioridade de rendimentos
na comparação com os homens.
Desde 2012, o Brasil integra o Grupo Interinstitucional
de Peritos em Estatísticas de Gênero (IAEG-GS) instituído pela ONU. A entidade
tem como objetivos definir áreas prioritárias no debate sobre desigualdades de
gênero e fortalecer as capacidades estatísticas para produção de informações
relevantes para a temática. Os estudos do IBGE levam em conta recomendações
internacionais feitas pelo IAEG-GS, o que permite chegar a indicadores de
monitoramento que possam ser comparáveis entre os países.
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