Anomalia da temperatura dos oceanos em novembro de 2007, sob influência de um La Niña. |
Outono e
agricultura são influenciados pelo fenômeno La Niña
Estação começa
hoje no Hemisfério Sul
Publicado em
20/03/2021 - 13:40 Por Pedro Peduzzi - Repórter da Agência Brasil - Brasília
Começa hoje
(20) o Outono no Hemisfério Sul. Este ano, com um tom diferenciado, uma vez
que, no Brasil, a estação sofre influências diretas do fenômeno La Niña. E, com
ela, a produção agrícola brasileira.
O fenômeno La
Niña é um evento climático que ocorre quando as águas do Oceano Pacífico
esfriam, desencadeando em uma sucessão de efeitos climáticos nas cinco regiões
brasileiras. “É um evento climático natural oceânico-atmosférico caracterizado
pelo resfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical.
Em período de atuação, modula o regime pluviométrico do Brasil, por alterar a
circulação atmosférica que atuam sobre o país”, detalha o meteorologista do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Leydson Galvíncio Dantas.
“Vale
ressaltar que o La Niña não é, por si só, determinante. Ele potencializa os
fenômenos, mas com outros fatores, como a temperatura do [Oceano] Atlântico,
que pode influenciar [o clima] em direção oposta”, complementa o meteorologista
Mozar Salvador, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Segundo os
pesquisadores, em anos de La Niña, as regiões Norte e setor norte do Nordeste
apresentam aumento na frequência e volume das chuvas durante o verão. Já nas
regiões Sudeste e Sul, faz o contrário: diminuição de chuvas com as
temperaturas elevadas e o clima seco.
Na região
Centro-Oeste, o que se costuma observar são atraso da pré-estação chuvosa e
diminuição da atuação da chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul, sistema
que é o principal responsável pelas chuvas de janeiro e pelos avanços de
frentes frias, país adentro.
Para a
população em geral, o fenômeno é percebido como pouca chuva nas regiões
Centro-Oeste, Sudeste e Sul; e muitas chuvas na região Norte e em parte do
Nordeste.
Já para quem
extrai, da terra, o sustento ou um negócio, há muito mais coisa envolvida.
Produção
agrícola, La Niña e El Niño
Para o
produtor rural, tudo tem sua hora. Não dá para plantar soja antes de a chuva
começar. E se atrasa, atrasa a colheita, atrapalhando o planejamento que se fez
para a terra e para as plantações subsequentes.
“A percepção
dos agricultores é de que esses fenômenos estão cada vez mais frequentes, e que
o clima está cada vez mais difícil de ser interpretado dentro dos parâmetros
que se tinha, em termos de plantio e de colheita. Eles dizem que as estações
têm se alterado, e que essas mudanças têm ocorrido de forma muito rápida”,
detalha o coordenador de produção agrícola da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA), Maciel Silva.
Essa
frequência cada vez maior de eventos climáticos no Pacífico, citada pelo
engenheiro agrônomo, abrange, além do La Niña, o El Niño, fenômeno climático
inverso no qual, em vez de águas frias, é observada a presença de águas
superficiais quentes no Pacífico.
Capacidade
de adaptação
“Por outro
lado, as adaptações dos produtores a essas situações também têm ocorrido de
forma bastante rápida. Muito disso se deve ao fato de o Ministério da
Agricultura e a Embrapa desenvolverem estudos sobre zoneamento agrícola e risco
climáticos, onde avaliam diferentes culturas e localidades, para então definir
o intervalo ideal de uma cultura”, complementa o coordenador da CNA.
Ele explica
que ao definir áreas e períodos específicos para o plantio - e atrelar a isso
condicionantes para a obtenção de benefícios como o seguro rural –, as regras
de zoneamento fazem com que o produtor esteja “dentro de uma situação padrão
com margem de risco mensurável, já que envolvem seguradoras”.
Com a repetição dos fenômenos nas águas do pacífico, esse “risco mensurável” está cada vez mais estudado e entendido. “É algo que está sempre sendo discutido, uma vez que, sendo alterada a percepção, altera-se também as políticas públicas, porque a nova realidade passa a ser considerada”, explica Maciel Silva.
Segundo ele, a
agricultura evoluiu muito, e a tendência é de que os produtores usem cada vez
mais mecanismos de gestão de riscos, com contratos mais detalhados que incluem
seguros e questões ligadas à gestão da propriedade. Tudo isso tem amenizado os
efeitos negativos relacionados a riscos.
“Os produtores
têm buscado meios para se protegerem, buscando alternativas contratuais e
seguros. Essas são ferramentas que ajudam bastante e, por isso, têm sido cada
vez mais utilizadas. Não se tem controle sobre o clima. O que se faz, portanto,
é a mitigação de risco, trabalhando com ferramentas de gestão de riscos”,
complementa.
Atentos ao
clima
De acordo com
o Superintendente de Informações da Agropecuária da Conab, Candice Mello
Romero, “são diversas as variáveis que podem afetar a produtividade da
cultura”. Entre elas, solo, tipo de semente, manejo e pacote tecnológico, além
das condições climáticas.
A Conab tem de
estar atenta às condições e aos fenômenos climáticos, para melhor cumprir a
missão que tem com estoques e abastecimento dos produtos agrícolas do país.
Segundo Candice, os riscos relativos ao clima sempre estarão presentes nos
cultivos agrícolas.
Com relação
aos próximos meses e à influência do La Niña na produção brasileira, ela
explica que, segundo o “multimodelo de previsão” utilizado pela companhia, a
probabilidade de o fenômeno La Niña terminar nos próximos meses está em 55%,
“dando início a fase de neutralidade no trimestre abril, maio, junho de 2021”.
De acordo com
Dantas, do Inpe, de fato vem sendo observado, nos últimos meses, diminuição do
resfriamento anômalo das águas do Pacífico equatorial. “Se persistido, será
possível verificar condições de temperaturas próximos da neutralidade no
Pacífico durante o inverno, ou seja, teremos o término da La Niña. Portanto é
fundamental seguir estudando o comportamento dos oceanos tropicais, para que
tenhamos o melhor prognóstico climático para os próximos meses”.
Previsões
“Neste outono
é esperado persistência do déficit pluviométrico [menor intensidade de chuvas]
no Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Além disso, volume de chuvas acima da climatologia em grande parte da Região
Norte do país e em algumas localidades entre o litoral do Maranhão e Ceará”,
prevê o Inpe.
A previsão de
chuvas abaixo do normal no centro e sul do país inclui partes de Tocantins,
Bahia, Rondônia, Acre, Mato Grosso do Sul e São Paulo, além dos estados da
Região Sul. “Este padrão previsto para as extremidades norte e sul do país
refletem a possível modulação do atual fenômeno [La Niña] nas condições
climáticas dos próximos meses”, complementa Candice Mello, da Conab.
Para o
trimestre março, abril, maio, a Conab trabalha com um cenário onde a “maior
probabilidade” é a de chuvas acima do normal sobre a região Norte, em áreas do
Mato Grosso, na “mesorregião” do Pantanal no Mato Grosso do Sul, e na faixa
entre os estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo.
Produção
“Essas chuvas
acima da média que têm sido observadas em MT, GO, MG, SP e parte do Matopiba
[região formada por áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia] têm afetado o avanço da colheita da soja e o
progresso da semeadura do milho segunda safra [nessas referidas localidades]”,
detalha Candice.
Por outro
lado, segundo a Conab, o menor volume de chuvas observado em março, na Região
Sul e parte do MS, tem favorecido a colheita da soja e colaborado para
implantação do milho segunda safra. “Registra-se que as lavouras de milho
segunda safra têm apresentado um bom desenvolvimento inicial”, acrescenta a
superintendente da companhia.
Maciel Silva,
da CNA, acredita que o La Niña não afetará a previsão de recorde da produção de
grãos no Brasil. No entanto, seus efeitos serão percebidos de forma mais intensa
nas produções de café e laranja. E, em menor escala, na de cana-de-açúcar.
“Os cultivos que devem ter efeito direto da La Niña são os localizados no Sul e no Sudeste. Seus danos, em alguns casos, afetarão futuras colheitas. É o caso da laranja, que deve ter uma redução de 30% na safra 2020-2021. Reduzirá também o tamanho da fruta”, disse ele à Agência Brasil.
No caso do
café, que enfrentou uma seca forte em outubro e novembro, o efeito do La Niña
coincide também com a safra “que será ainda mais baixa por causa dos efeitos
climáticos percebidos no ano passado”.
A redução,
segundo o engenheiro agrônomo da CNA, pode chegar a 30,5% na produção de café.
“Não só pela seca, mas porque a safra já seria menor por causa do efeito da
bienalidade da produção (ano de alta seguido de ano de baixa produção). Se a
previsão já era de ano de baixa, essa tendência é ainda maior porque coincide
com um ano em que temos os efeitos climáticos do La Niña”, justifica.
De acordo com
a CNA, a soja foi afetada pelo deficit de chuva no Centro-Oeste, já que o
plantio só pode ser feito após o início das chuvas. O efeito dominó, causado
por esse estreitamento de janela, acabou atrasando o plantio do milho segunda
safra e, em menor escala, do algodão na região.
“Mesmo com o
atraso da colheita da soja, os produtores seguem semeando o milho segunda safra
dia e noite e estima-se um aumento de área em torno de 6.7%”, relata a
superintendente da Conab ao lembrar que, na atual safra, o produtor de milho
tem investido no pacote tecnológico devido a liquidez e alta rentabilidade do
cereal.
Segundo
Candice, o La Niña não alterou a previsão de aumento na produção de soja e de
milho. “Mas tudo está ainda no campo da especulação, e dependerá da situação
que encontraremos nas próximas semanas”.
A cana-de-açúcar,
segundo a CNA, foi prejudicada principalmente pelos incêndios consequentes do
clima seco e a falta de chuva mais intensas, em setembro e outubro passados –
já causados pelo La Niña.
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