Pesquisa
revela que 19 milhões passaram fome no Brasil no fim de 2020
Dados são de
inquérito sobre insegurança alimentar na pandemia
Publicado em
06/04/2021 - 18:31 Por Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil - Rio de
Janeiro
O Inquérito
Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no
Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), indica que nos últimos meses do ano
passado 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios
no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar.
A sondagem
inédita estima que 55,2% dos lares brasileiros, ou o correspondente a 116,8
milhões de pessoas, conviveram com algum grau de insegurança alimentar no final
de 2020 e 9% deles vivenciaram insegurança alimentar grave, isto é, passaram
fome, nos três meses anteriores ao período de coleta, feita em dezembro de
2020, em 2.180 domicílios. De acordo com os pesquisadores, o número encontrado
de 19 milhões de brasileiros que passaram fome na pandemia do novo coronavírus
é o dobro do que foi registrado em 2009, com o retorno ao nível observado em
2004.
O inquérito
foi feito em parceria com a Action Aid Brasil, Friedrich Ebert Stiftung Brasil
(FES Brasil) e Oxfam Brasil, com apoio do Instituto Ibirapitanga. A coleta de
dados ocorreu entre os dias 5 e 24 de dezembro de 2020 nas cinco regiões
brasileiras, abrangendo tanto áreas rurais como urbanas, no período em que o
auxílio emergencial concedido pelo governo federal a 68 milhões de brasileiros,
no valor inicial de R$ 600 mensais, havia sido reduzido para R$ 300 ao mês.
Restituição
A pesquisa
traz algumas indicações e sugestões de ações a serem tomadas pelas autoridades
públicas. A mais óbvia, segundo disse hoje (6) à Agência Brasil o presidente da
Rede Penssan, Renato Maluf, é que seja restituído o auxílio emergencial, “pelo
menos com o mesmo valor do ano passado, ou seja, R$ 600”. Maluf disse acreditar
que se a pesquisa fosse feita agora os dados poderiam ser piores. “É crucial
que seja retomado o auxílio emergencial em um valor significativo”. Para Renato
Maluf, o valor que está sendo dado esta semana não pode ser considerado uma
política pública. Os valores variam de R$ 375 (para famílias chefiadas por
mulheres) a R$ 150 (para quem mora sozinho).
Na avaliação
do presidente da Rede Penssan, o quadro revelado pelo inquérito é fruto da
pandemia e da falta de políticas que melhorassem a situação. “É preciso
assegurar que a alimentação escolar seja oferecida no mesmo padrão e com a
mesma amplitude de quando as escolas estavam funcionando regularmente”,
sugeriu. Para isso, os governos federal, estaduais e municipais não devem
retroceder no fornecimento da alimentação escolar, como vem acontecendo em
vários lugares, apontou.
Nesse mesmo
tópico, disse da necessidade de se retomar o programa de apoio à aquisição de
alimentos da agricultura familiar, bem como os programas que eram dirigidos ao
semiárido do país, em especial às populações do semiárido nordestino, com a
construção de cisternas e outras iniciativas de apoio àquelas famílias. O
estudo deixa claro que os índices de fome são maiores na área rural do que na
urbana. A insegurança alimentar grave alcançou 12% dos domicílios na área
rural, contra 8,5% em área urbana, sendo a vulnerabilidade maior para quem tem
menor acesso à água potável. A proporção de domicílios classificados em situação
de insegurança alimentar grave nas áreas rurais dobra quando não há
disponibilidade adequada de água para a produção de alimentos, evoluindo de
21,1% para 44,2%.
Rosto à
fome
Renato Maluf
salientou que o inquérito “dá rosto à fome”. Por exemplo, os domicílios em que
a pessoa responsável é uma mulher apresentam insegurança alimentar grave, isto
é, ocorrência de fome, muito superior à média nacional. Argumentou que, se essa
pessoa responsável for uma mulher, de cor preta ou parda e de baixa escolaridade,
essa insegurança é ainda maior. “Portanto, a condição feminina, cor da pele e
escolaridade são determinantes da ocorrência da fome nos domicílios."
De acordo com
a pesquisa, existe fome em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres, e
outros 15,9% enfrentam insegurança alimentar moderada. Quando a pessoa de
referência é um homem, os números são menores: a fome atinge 7,7% dos
domicílios e outros 7,7% estão na situação de insegurança alimentar moderada.
Pela cor da pele, verificou-se que pessoas pretas ou pardas enfrentam
insegurança alimentar grave em 10,7% dos domicílios. O percentual é de 7,5% em
domicílios de pessoas de raça ou cor da pele branca. A insegurança alimentar
moderada também revela o mesmo desequilíbrio: 13,7% para pessoas de raça/cor da
pele preta ou parda, e 8,9% para pessoas de raça/cor da pele branca.
No Norte e no
Nordeste, a fome atinge 18,1% e 13,8% dos domicílios, respectivamente, contra
menos de 7% nas demais regiões do país, superando a média de 9% referente a
todo o território nacional. Renato Maluf chamou a atenção para o fato de que,
em números absolutos, o total das pessoas que convivem com a fome no Sudeste é
igual ao do Nordeste. “São os mesmos 7 milhões de pessoas. O Sudeste rico tem
um número de famintos igual ao do Nordeste. Só que, percentualmente, é menor
como percentagem da população”.
Durante a
pandemia, a insegurança alimentar afetou também os não pobres, com renda
familiar per capita (por individuo) superior a um salário mínimo, constatou a
pesquisa. A proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar leve
subiu de 20,7%, em 2018, para 34,7%, dois anos depois, mostrando que a classe
média não foi poupada dos efeitos da pandemia. “Nós estamos falando do trabalho
informal, do trabalho precário, do trabalho mal remunerado. É uma situação de
agravamento que não é sinônimo de fome, mas é sinônimo de alimentação
comprometida”.
Na avaliação
de Maluf, o Brasil precisa desse tipo de inquérito sendo feito com agilidade e
frequência. Ele pretende propor aos apoiadores uma nova rodada no segundo
semestre deste ano, para poder monitorar a situação da fome no país e como foi
sua evolução.
ActionAid
Parceira da
Rede Penssan na pesquisa, a ActionAid alertou para a gravidade dos dados
divulgados e para a urgência da implementação imediata de medidas essenciais
para a superação da fome no país. O analista de Políticas e Programas da
organização não governamental (ONG), Francisco Menezes, sublinhou que foi
revelado um processo de intensa aceleração da fome, com crescimento que passa a
ser de 27,6% ao ano, entre 2018 e 2020, contra 8% ao ano, entre 2013 e 2018.
“Chegamos ao final de 2020 com 19 milhões de pessoas em situação de insegurança
alimentar grave, mas podemos supor que agora no primeiro trimestre deste ano a
situação já piorou ainda mais. É urgente conter essa escalada. Não se pode
naturalizar essa questão como uma fatalidade sobre a qual não se pode
intervir”, afirmou.
Francisco
Menezes reiterou que existe uma emergência que exige ações imediatas dos
poderes públicos, com igual engajamento da sociedade. Mencionou ainda que após
avanços significativos em 2004, 2009 e 2013, pesquisa do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) referente a 2018 já revelava um veloz
retrocesso, quando 10,3 milhões de pessoas passavam fome no país.
Ministério
Procurado pela
Agência Brasil, o Ministério da Cidadania informou, por meio de sua assessoria
de imprensa, que o governo federal tem trabalhado “sistematicamente” para
fortalecer os programas sociais e estabelecer uma rede de proteção para a
população mais vulnerável. Somente em 2020, foram investidos mais de R$ 365
bilhões em políticas socioassistenciais, que vão da primeira infância à
terceira idade, executadas pela pasta. Iniciativas como o Programa Bolsa
Família (PBF), o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Auxílio
Emergencial reduziram em 80% a extrema pobreza no Brasil, segundo o ministério.
Revelou,
também, que o governo central estima alcançar cerca de 40 milhões de famílias
com o auxílio emergencial neste ano. “É compromisso desta gestão atender ao
maior número de cidadãos, assegurando uma renda mínima para essa parcela da
população, ao mesmo tempo em que, com responsabilidade fiscal, respeita-se o
limite orçamentário estabelecido pela Emenda Constitucional n.º 109/2021, no
valor de R$ 44 bilhões”, disse a nota.
Em 2020, foram
apoiados diretamente pelo auxílio emergencial 68,2 milhões de famílias, ou o
equivalente a 118,7 milhões de pessoas, o que representa 56,1% da população
brasileira. O investimento efetuado entre abril e dezembro de 2020 alcançou R$
295 bilhões. “Trata-se do maior benefício já criado no Brasil, o equivalente a
mais de dez anos de investimento no Bolsa Família”, apontou o ministério.
Visando
reduzir os impactos econômicos da covid-19, o ministério estruturou ainda um
sistema para doação de cestas de alimentos a famílias vulneráveis e residentes
em locais em situação de emergência ou estado de calamidade pública, no âmbito
da Ação de Distribuição de Alimentos (ADA). A primeira ação aconteceu em
Aparecida (SP), no último dia 26, quando foi lançado o projeto Brasil Fraterno,
parceria entre o Ministério da Cidadania, o Pátria Voluntária e a iniciativa
privada, por meio do Sistema S, concluiu o órgão federal.
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