Tecnologia e campanhas
educativas melhoram gestão de resíduos
Publicado em 17/05/2021 - 06:50 Por
Pedro Rafael Vilela - Repórter da Agência Brasil - Brasília
As mudanças climáticas e o aquecimento
global, com efeitos potencialmente destrutivos para a humanidade, têm demandado
de governos e empresas a adoção de medidas robustas de mitigação de impactos
ambientais na produção econômica.
Nesse cenário, iniciativas em torno da
chamada economia circular desenvolvem soluções tecnológicas e campanhas
educativas que ajudam a "limpar" a cadeia produtiva e a melhorar a
gestão de resíduos em diversos setores.
"De forma simplificada, economia
circular é você tentar manter o recurso pelo máximo de tempo possível dentro da
cadeia produtiva. Investir nos seus ciclos, que é a questão da reciclagem, o
reuso, a remanufatura e, dessa forma, manter a durabilidade [do recurso] pelo
maior tempo possível", afirma Davi Bomtempo, gerente executivo de Meio Ambiente
e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Para Bomtempo, com a ascensão da agenda
ambiental ao centro das preocupações geopolíticas, a exemplo da Cúpula do
Clima, organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no mês
passado, fica mais evidente que a economia circular pode desempenhar um papel
transformador para que os países consigam atingir as metas de redução da
emissão de gases poluentes na atmosfera.
"Se você tiver os princípios de
economia circular implantados em um determinado país, com certeza passa a
reduzir emissões e contribuir para o alcance dessas metas. É importante lembrar
que há um contexto internacional muito forte. No acordo do Mercosul com a União
Europeia, por exemplo, há um capítulo inteiro sobre desenvolvimento
sustentável, onde o pilar central é a redução das emissões por meio do Acordo
de Paris. E é dessa forma que a economia circular poderia entrar para
contribuir", argumenta.
Pesquisa feita pela CNI em 2019 mostra
que 76,5% das indústrias desenvolvem alguma iniciativa de economia circular,
embora a maior parte não saiba que as ações se enquadram nesse conceito. Entre
as principais práticas estão a otimização de processos (56,5%), o uso de
insumos circulares (37,1%) e a recuperação de recursos (24,1%). A pesquisa
também mostra que 88,2% dos entrevistados avaliaram a economia circular como
importante ou muito importante para a indústria brasileira. E não se trata
apenas da busca por eficiência e economia.
Levantamento sobre o perfil dos consumidores
brasileiros, também da CNI, mostra que 38% dos entrevistados sempre verificam
ou verificam às vezes se os produtos foram produzidos de forma ambientalmente
correta. A pesquisa revela ainda que os brasileiros também têm mais consciência
sobre o destino do lixo. O número de pessoas que separa o lixo para a
reciclagem cresceu de 47%, em 2013, para 55% no ano passado.
Para incentivar a circularidade na
economia, a Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês)
está elaborando uma norma técnica internacional de economia circular, com a
participação de representantes de 70 países, incluindo o Brasil. A CNI
representa o Brasil e a América Latina nesse processo. No próximo ano, o país
deve sediar encontro para finalizar o texto do documento.
Circularidade de
produtos eletrônicos
A multinacional Flex, que vende
componentes eletroeletrônicos, como placas, computadores, celulares e
impressoras, é uma das empresas que vislumbrou esse potencial do país e, desde
2013, criou uma nova frente de negócios que existe só no Brasil, voltada para a
recuperação de resíduos eletrônicos próprios e de outras empresas. Naquele ano,
foi fundado o Sinctronics, um centro de inovação da companhia localizado em
Sorocaba (SP). Lá, diversos tipos de eletroeletrônicos são desmontados,
descaracterizados e separados de acordo com suas propriedades.
"Hoje temos 300 toneladas de
resíduo industrial da própria Flex e mais 300 toneladas de resíduos eletrônicos
de clientes que levamos para o Sinctronics todos os meses, e 70% disso a gente
consegue reinserir em cadeias produtivas. Uma boa parte volta para a Flex e
outra vai para diferentes cadeias produtivas", relata Leandro Santos,
vice-presidente de Operação da Flex no Brasil. Para o restante de 30% de
resíduos, que inclui itens como plástico, o Sinctronics desenvolveu tecnologia
para triturar, derreter e granular as matérias-primas, que depois são
reinseridas na cadeia sem necessidade de novas extrações.
Em 2018, o Sinctronics, da Flex, ganhou
o certificado Zero Waste (resíduo zero, do inglês), por um processo de
eliminação de 100% dos resíduos eletrônicos da HP, sua principal cliente, como
a recuperação de cartuchos de impressora.
Alimentos e cosméticos
Presente em 16 países e referência na
prestação de serviços ambientais para outras empresas, a Ambipar atua em vários
projetos de reaproveitamento de matéria-prima da produção. Na indústria de
alimentos, como chocolates e bolachas, por exemplo, a empresa usa as sobras
para fazer um composto para nutrição animal, com alto valor energético, que é
então absorvido em outras cadeias produtivas, evitando-se o descarte em aterros
ou lixões. Em outro projeto, as sobras de açúcar das sacas que ficam
armazenadas no Porto de Santos, para exportação, são recuperadas e encaminhadas
para uma usina de açúcar, a fim de serem fermentadas para se transformar em
álcool. A companhia também atuou no processamento dos resíduos da barragem da
Vale em Brumadinho (MG), rompida em 2019. Na pandemia, a Ambipar também tem
atuado em serviços de descontaminação de ambientes coletivos, como aviões,
centros médicos e outros espaços, para conter a propagação do vírus da
covid-19.
"Nosso objetivo é sair daquele
padrão linear de consumo, produção, consumo e descarte e fazer aquele conceito
cíclico, de tentar sempre trazer o máximo desses resíduos, evitar que
sejam descartados, evitando problemas ambientais e gerando custos. Além disso,
retornar com matéria-prima de produtos e, com isso, aumentar o ciclo de vida
desses materiais, diminuir os impactos, a questão do carbono e gerar
receita", diz Gabriel Estevam, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da
Ambipar.
No setor de cosméticos, a Ambipar presta
serviços de reaproveitamento de resíduos de produtos como shampoo, perfumes e
cremes, que são transformados em base para produção de sabonetes, amaciantes e
álcool. Na produção de celulose, um projeto da multinacional no Paraná ajuda a
processar todos os resíduos da produção de papel, como folhas, lodo e casca,
que são transformados em compostagem usada na própria adubação das florestas de
eucaliptos.
Cimento mais limpo
Responsável por 7% de todas as emissões
mundiais de carbono na atmosfera, atrás apenas da siderurgia, de acordo com a
Associação Global de Cimento e Concreto, o setor tem buscado em matérias-primas
alternativas a possibilidade de reduzir os impactos ambientais. Uma dessas
iniciativas, consolidada no Brasil, é a adição de resíduos de outras indústrias
- como a siderúrgica e as cinzas geradas por usinas termoelétricas -, na
composição do clínquer (composto de calcário e argila aquecidos), que é o
produto base da fabricação de cimento.
"Quanto menos clínquer a gente
colocar no cimento, melhor em termos de impactos ambientais. Então, a gente
pode produzir um cimento com 80% de clínquer e 20% de adições, ou 60% de um e
40% de outro. No futuro, nosso objetivo é chegar a uma proporção de 50% de
clínquer com 50% de produtos alternativos", afirma Gonzalo Gonzalo Visedo,
chefe de Sustentabilidade do Sindicato Nacional da Industria do Cimento (SNIC).
Outra mudança estrutural na indústria do
cimento é o uso de resíduos alternativos ao coque, um subproduto do refino de
petróleo usado no fornos das fábricas. Atualmente, o nível de substituição do
coque por resíduos chega a cerca de 21% e a projeção é chegar a 55% até 2050.
Entre os materiais coprocessados nessa queima, estão cerca de 600 mil unidades
de pneus por ano e biomassas típicas de cada região, como açaí, casca de arroz,
casca de babaçu, cavaco de madeira, além de resíduos industriais e lixo
doméstico.
"O coprocessamento nada mais é do que destinação de diversos tipos de resíduos provenientes de diversas fontes geradoras, como plástico, borracha, vidro, medicamentos. Os fornos das fábricas, que aquecem as matérias-primas a 1,5 mil grau Celsius, têm capacidade de destruição térmica extremamente eficiente", explica Daniel Mattos, chefe do setor de coprocessamento da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP).
Durante o vazamento de 5 mil toneladas
óleo que atingiu todo o litoral do Nordeste em 2019, a indústria do cimento
desempenhou papel importante no coprocessamento desses resíduos que eram
retirados das praias e incinerados nos fornos. As fabricantes de cimento também
têm atuado no coprocessamento de cerca de 120 mil toneladas por ano de resíduos
sólidos urbanos na Paraíba e em São Paulo. Nos próximos dez anos, a meta é
expandir o serviço para outros estados do país e chegar a um patamar 2,5
milhões de toneladas/ano de lixo urbano coprocessado.
Tampinha Legal
Além da mudanças de padrões produtivos
da própria indústria, campanhas educativas impulsionadas por empresas ajudam a
mobilizar o envolvimento da comunidade, gerando renda e incentivando a
circularidade de matérias-primas. É o caso do projeto Tampinha Legal, promovido
pelo Instituto Sustenplást, em Porto Alegre. O programa estimula a entrega de
tampinhas de plástico de garrafas pet em centenas de pontos de coleta
espalhados pela cidade.
Participam do projeto entidades assistenciais
do terceiro setor devidamente regularizadas como Apaes, escolas, asilos,
associações civis, hospitais, entre outras. Com os recursos obtidos por meio do
Tampinha Legal, as entidades assistenciais podem adquirir medicamentos,
alimentos, equipamentos e materiais, além de custear tratamentos e exames de
saúde e reformas.
"Somente em 2020, foram geradas
receitas de R$ 1,2 milhão e a coleta de 350 milhões de tampinhas, cerca de 670
toneladas", afirma o presidente do Instituto Sutenplast, Alfredo Schimitt.
Desafios regulatórios
Para melhorar o ambiente de negócios da
economia circular no país, os especialistas ouvidos pela Agência Brasil
defendem mudanças regulatórias para criar estímulos, principalmente em relação
à tributação.
"Lá fora, no exterior, você tem
subsídios para a economia circular. Aqui a gente compete por igual com os
setores extrativistas, muitos deles contemplados com desonerações tributárias.
Esse é um ponto em que valeria uma discussão nesse sentido, pensar alguma linha
de fomento, alguma linha que alavanque o segmento", diz Gabriel Estevam,
diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Ambipar.
"No Brasil e no mundo, o pensamento
ainda é o de punir quem não faz. Precisamos de modelos que premiam quem faz
produção no formato circular. Esse custo deveria voltar como benefício",
diz Leandro Santos, da Flex.
Há um otimismo em torno do marco
regulatório do saneamento básico, aprovado no ano passado, que prevê maior
participação de empresas privadas na oferta de serviços. Na opinião de Daniel
Mattos, da ABCP, a nova legislação deve ter potencial impacto na economia
circular.
"Nossa expectativa é que isso traga
maior segurança jurídica para a abertura de novos investimentos pela iniciativa
privada, além de trazer recursos financeiros, a partir da criação de taxas
municipais de gestão de resíduos, a exemplo do que já acontece no setor de
energia e esgoto".
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