Tudo
no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a
vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o
nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais
começou.
[...]
Enquanto
eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar
pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da
pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não
existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos –
sou eu que escrevo o que estou escrevendo. [...] Felicidade? Nunca vi palavra
mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Como
eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há
dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência
de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora
mesma em que sou lido. Só não início pelo fim que justificaria o começo – como
a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso registrar os fatos
antecedentes.
(LISPECTOR,
C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 - fragmento)
A
elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de
Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da
morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa peculiaridade porque o
narrador:
A)
observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente
aos fatos e às personagens.
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