Cegueira
Afastou-me
da escola, atrasou-me, enquanto os filhos de seu José Galvão se internavam em
grandes volumes coloridos, a doença de olhos que me perseguia na meninice.
Torturava-me semanas e semanas, eu vivia na treva, o rosto oculto num pano
escuro, tropeçando nos móveis, guiando-me às apalpadelas, ao longo das paredes.
As pálpebras inflamadas colavam-se. Para descerrá-las, eu ficava tempo sem fim
mergulhando a cara na bacia de água, lavando-me vagarosamente, pois o contato
dos dedos era doloroso em excesso. Finda a operação extensa, o espelho da sala
de visitas mostrava-me dois bugalhos sangrentos, que se molhavam depressa e
queriam esconder-se. Os objetos surgiam empastados e brumosos. Voltava a
abrigar-me sob o pano escuro, mas isto não atenuava o padecimento. Qualquer luz
me deslumbrava, feria-me como pontas de agulha [...].
Sem
dúvida o meu espectro era desagradável, inspirava repugnância. E a gente da
casa se impacientava. Minha mãe tinha a franqueza de manifestar-me viva
antipatia. Dava-me dois apelidos: bezerro-encourado e cabra-cega.
(RAMOS,
G. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1984)
O
impacto da doença, na infância, revela-se no texto memorialista de Graciliano
Ramos através de uma atitude marcada por:
A)
recompor, em minúcias e sem autopiedade, a sensação da dor.
B)
preservar a sua condição de vítima da negligência materna.
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