Resolvo-me
a contar, depois de muita hesitação, casos passados há dez anos — e, antes de
começar, digo os motivos por que silenciei e por que me decido. Não conservo
notas: algumas que tomei foram inutilizadas e, assim, com o decorrer do tempo,
ia-me parecendo cada dia mais difícil, quase impossível, redigir esta
narra-tiva. Além disso, julgando a matéria superior às minhas forças, esperei
que outros mais aptos se ocupassem dela. Não vai aqui falsa modéstia, como
adiante se verá. Também me afligiu a ideia de jogar no papel criaturas vivas, sem
disfarces, com os nomes que têm no registro civil. Repugnava-me deformá-las,
dar-lhes pseudônimo, fazer do livro uma espécie de romance; mas teria eu o
direito de utilizá-las em história presumivelmente verdadeira? Que diriam elas
se se vissem impressas, realizando atos esquecidos, repetindo palavras
contestáveis e obliteradas?
(RAMOS,
Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2000, v.1, p. 33)
Em
relação ao seu contexto literário e sócio-histórico, esse fragmento da obra
Memórias do Cárcere, do escritor Graciliano Ramos,
A) inova
na ficção intimista que caracteriza a produção romanesca do modernismo da
década de 30 do século XX.
0 Comentários