O
nascimento da crônica
Há um
meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado
calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente
sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos,
fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre
amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada
a crônica.
Mas,
leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam
de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó,
antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que
o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão
andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não
havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os,
Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas
províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.
(ASSIS,
M. In: SANTOS, J.F. As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva,
2007)
Um dos
traços fundamentais da vasta obra literária de Machado de Assis reside na preocupação
com a expressão e com a técnica de composição. Em O nascimento da crônica,
Machado permite ao leitor entrever um escritor ciente das características da
crônica, como:
A) texto
breve, diálogo com o leitor e registro pessoal de fatos do cotidiano.
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