A
partida de trem
Marcava
seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise.
Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e
encaminharam-se para os trilhos. A velha bem-vestida e com joias. Das rugas que
a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma boca que
outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo
ponto – e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode
comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem
partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela
se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um
pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas
para o caminho.
Angela
Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
— A
senhora deseja trocar de lugar comigo?
Dona
Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava
no mesmo. Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu
filigranado de ouro, espetado no peito, passou a mão pelo broche. Seca.
Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
— É
por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?
(LISPECTOR,
C. Onde estivestes de noite.
Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980)
A
descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na
obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a):
A)
comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada.
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