QUESTÃO SOBRE INTERPRETAÇAO DE TEXTO –
LITERATURA ENEM 2018.2
A
orquestra atacou o tema que tantas vezes ouvi na vitrola de Matilde. Le
maxixe!, exclamou o francês [...] e nos pediu que dançássemos para ele ver. Mas
eu só sabia dançar a valsa, e respondi que ele me honraria tirando minha
mulher. No meio do salão os dois se abraçaram e assim permaneceram, a se
encarar. Súbito ele a girou em meia-volta, depois recuou o pé esquerdo,
enquanto com o direito Matilde dava um longo passo adiante, e os dois estacaram
mais um tempo, ela arqueada sobre o corpo dele. Era uma coreografia precisa, e
me admirou que minha mulher conhecesse aqueles passos. O casal se entendia à
perfeição, mas logo distingui o que nele foi ensinado do que era nela natural.
O francês, muito alto, era um boneco de varas, jogando com uma boneca de pano.
Talvez pelo contraste, ela brilhava entre dezenas de dançarinos, e notei que
todo o cabaré se extasiava com a sua exibição. Todavia, olhando bem, eram
pessoas vestidas, ornadas, pintadas com deselegância, e foi me parecendo que
também em Matilde, em seus movimentos de ombros e quadris, havia excesso. A
orquestra não dava pausa, a música era repetitiva, a dança se revelou vulgar,
pela primeira vez julguei meio vulgar a mulher com quem eu tinha me casado.
Depois de meia hora eles voltaram se abanando, e escorria suor pelo colo de
Matilde decote abaixo. Bravô, eu gritei, bravô, e ainda os estimulei a dançar o
próximo tango, mas Dubosc disse que já era tarde, e que eu tinha um ar
fatigado.
(CHICO
BUARQUE. Leite derramado. São Paulo: Cia. das Letras, 2009)
Os
recursos expressivos de um texto literário fornecem pistas aos leitores sobre a
percepção dos personagens em relação aos eventos da narrativa. No fragmento,
constitui um aspecto relevante para a compreensão das intenções do narrador a:
A)
inveja disfarçada em relação ao estrangeiro, sugerida pela descrição de seu
talento como dançarino.
C)
postura aristocrática, assinalada pela crítica à orquestra e ao gênero musical
executado.
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