Aula 1
Objetivo da aula: organização do trabalho e leitura de textos.
Materiais específicos necessários: caderno, lápis, canetas, uma cópia do texto indicado para cada estudante.
Organização dos estudantes: grupo-classe.
Etapas de
desenvolvimento:
- Comente que o autor dos
textos que serão lidos é o Eduardo Galeano, um escritor uruguaio que fez muitas
obras literárias ao longo de sua vida. Nos textos que serão lidos nesta sequência
didática, o autor faz panoramas gerais do mundo no momento de cada Copa do
Mundo de futebol. Saliente que o autor não busca fazer uma abordagem de todos
os acontecimentos mundiais no período. Ele seleciona alguns desses
acontecimentos.
-
Realize com os estudantes uma leitura compartilhada dos textos selecionados (a
seguir), contextualizando os principais acontecimentos apresentados pelo autor.
-
Os textos selecionados fornecem informações diversas que podem ser utilizadas
para melhor compreensão de como se manifestava a chamada ordem mundial em cada
período abordado. O foco do bimestre são os conceitos geopolíticos, por isso,
enfatize os assuntos relacionados à geopolítica durante a leitura.
Trechos de Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano
A Copa de 50
“Nascia a televisão em cores. Os computadores
faziam mil somas por segundo, Marilyn Monroe surgia em Hollywood. Um filme de Buñuel, Los olvidados, arrasava em Cannes. O
automóvel de Fangio triunfava na França. Bertrand Russel ganhava o Nobel.
Neruda publicava seu Canto geral e
apareciam as primeiras edições de A vida
breve, de Onetti, e de O labirinto da
solidão, de Octavio Paz.
Albizu Campos, que tinha lutado muito pela
independência de Porto Rico, era condenado nos Estados Unidos a 79 anos de
prisão. Um delator entregava Salvatore Giuliano, o lendário bandido do sul da
Itália, que caía crivado pelas balas da polícia. Na China, o governo de Mao
dava seus primeiros passos, proibindo a poligamia e a venda de crianças. As
tropas norte-americanas entravam a sangue e fogo na península da Coreia,
envoltas na bandeira das Nações Unidas, enquanto os jogadores de futebol
aterrissavam no Rio de Janeiro para disputar a quarta Copa Jules Rimet, depois
do longo parêntese dos anos da guerra mundial.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 89-90.
“Gelsomina e Zampanó brotavam na mão mágica de
Fellini e sem nenhuma pressa faziam palhaçadas por La Strada, enquanto Fangio a mil por hora se consagrava campeão
mundial de automobilismo pela segunda vez. Jonas Salk preparava a vacina contra
a poliomielite. No Pacífico, explodia a primeira bomba de hidrogênio. No
Vietnã, o general Giap nocauteava o exército francês na fulminante batalha de
Dien Bien Phu. Na Argélia, outra colônia francesa, começava a guerra da
independência.
O general Stroessner era eleito presidente do
Paraguai, em uma dura competição contra nenhum candidato. No Brasil,
estreitava-se o cerco de militares e empresários, armas e dinheiro, contra o
presidente Getúlio Vargas, que pouco depois estouraria o próprio coração com um
tiro. Aviões norte-americanos bombardeavam a Guatemala, com a bênção da OEA, e
um exército fabricado no norte invadia, matava e vencia. Enquanto na Suíça se
cantavam os hinos de dezesseis países, inaugurando o quinto Campeonato Mundial
de Futebol, na Guatemala os vencedores cantavam o hino dos Estados Unidos
[...].”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 96-97.
“Os Estados Unidos lançavam um satélite para o mais
alto do céu: a nova luazinha girava em torno da terra, cruzava com os sputniks
soviéticos e não os cumprimentava. E enquanto as grandes potências competiam lá
longe, aqui perto começava a guerra civil no Líbano, a Argélia ardia, a França
se incendiava e o general De Gaulle levantava seus dois metros de altura sobre
as chamas e prometia a salvação. Em Cuba fracassava a greve geral de Fidel
Castro contra a ditadura de Batista, mas na Venezuela outra greve geral
derrubava a ditadura de Pérez Jiménez. Na Colômbia, conservadores e liberais
abençoavam com eleições sua partilha do poder, depois de uma década de guerra
de extermínio mútuo, enquanto Richard Nixon era recebido a pedradas em seu
passeio latino-americano [...].
Na Hungria, caíam fuzilados Imre Nagy e outros
rebeldes de 56, que tinham querido democracia em vez de burocracia, e no Haiti
morriam os rebeldes que tinham se lançado contra o palácio onde Papa Doc Duvalier reinava rodeado de
feiticeiros e verdugos. João XXIII, João, o Bom, era o novo Papa de Roma, o
príncipe Charles era sacramentado como futuro rei da Inglaterra. Barbie era a
nova rainha das bonecas [...].
Os suecos puderam ver as partidas nos estádios e
também em suas casas. Pela primeira vez uma Copa foi transmitida pela
televisão, embora só tenha chegado ao vivo aos suecos: o resto do mundo
recebeu-a depois.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 103-104.
“Alguns
astrólogos indianos e malaios haviam anunciado o fim do mundo, mas o mundo
continuava girando, e entre uma volta e outra nascia uma organização batizada
com o nome de Anistia Internacional, e a Argélia deva seus primeiros passos de
vida independente, após mais de sete anos de guerra contra a França. Em Israel
enforcavam o criminoso nazista Adolf Eichmann, os mineiros de Astúrias entravam
em greve, o Papa João queria mudar a Igreja e devolvê-la aos pobres. Eram
fabricados os primeiros disquetes para computadores, realizadas as primeiras
operações com raios laser, e Marilyn Monroe perdia a vontade de viver.
Qual
seria a cotação do voto internacional de um país? O Haiti vendia seu voto em
troca de quinze milhões de dólares, uma estrada, uma represa e um hospital, e
assim dava à OEA a maioria necessária para expulsar Cuba, ovelha negra do
pan-americanismo. Fontes bem informadas de Miami anunciavam a iminente queda de
Fidel Castro, que ia despencar em questão de horas [...].
Em
Memphis, Elvis Presley anunciava sua aposentadoria, depois de vender trezentos
milhões de discos, mas se arrependia rapidinho, e em Londres uma empresa de
discos, a Decca, negava-se a gravar as canções de uns músicos cabeludos que se
chamavam os Beatles [...] enquanto os jogadores do Brasil aterrissavam no
Chile, dispostos a conquistar o sétimo Campeonato Mundial de Futebol contra
outros cinco países americanos e dez europeus.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 115-117.
“Os militares banhavam a Indonésia de sangue – meio milhão de mortos, um milhão, quem sabe? –
e o general Suharto iniciava sua longa ditadura assassinando os poucos
vermelhos, rosados ou duvidosos que continuavam vivos. Outros militares
derrubavam N'Krumah, presidente de Ghana e profeta da unidade africana,
enquanto seus colegas na Argentina derrubavam o presidente Illia com um golpe
de Estado.
Pela primeira vez na história, uma mulher, Indira
Gandhi, governava a Índia. Os estudantes derrubavam a ditadura militar no
Equador. A aviação dos Estados Unidos bombardeava Hanói, numa nova ofensiva,
mas na opinião pública norte-americana crescia a certeza de que nunca deviam
ter entrado no Vietnã, que não deviam ter ficado por lá e que deviam sair o
quanto antes.
Truman Capote publicava A sangue frio. Aparecia Cem
anos de solidão, de García Márquez, e Paradiso,
de Lezama Lima. O padre Camilo Torres caía lutando nas montanhas da Colômbia,
Che Guevara cavalgava seu magro Rocinante pelos campos da Bolívia, Mao
deflagrava a Revolução Cultural na China. Várias bombas atômicas caíam na costa
espanhola de Almería, e embora não explodissem, semeavam pânico. Fontes bem
informadas de Miami anunciavam a queda iminente de Fidel Castro, que ia
despencar em questão de horas.
[...] as moças andavam de minissaia, Carnaby Street
ditava a moda e todo mundo cantarolava as canções dos Beatles, enquanto
começava o oitavo Campeonato Mundial de Futebol.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 121-122.
“O mundo perdia sua música: desintegravam-se os
Beatles, por overdose de sucesso, e por overdose de drogas perdíamos o
guitarrista Jimi Hendrix e a cantora Janis Joplin.
Um ciclone arrasava o Paquistão e um terremoto
acabava com quinze cidades nos Andes peruanos. Em Washington, ninguém mais
acreditava na guerra do Vietnã, mas a guerra continuava, os mortos já chegavam
a um milhão, e os generais do Pentágono fugiam para a frente, invadindo o
Camboja. Allende iniciava sua campanha para a presidência do Chile, depois de
três derrotas, e prometia dar leite a todas as crianças e nacionalizar o cobre.
Fontes bem-informadas de Miami anunciavam a queda iminente de Fidel Castro, que
ia despencar em questão de horas. Começava a primeira greve na história do
Vaticano, em Roma cruzavam os braços os funcionários do Santo Padre, enquanto
no México moviam as pernas os jogadores de dezesseis países e começava o nono
Campeonato Mundial de Futebol.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 133.
“O presidente Nixon estava contra as cordas,
joelhos bambos, apanhando sem parar por causa do escândalo de espionagem no
edifício Watergate, enquanto uma sonda espacial viajava para Júpiter, e em
Washington era declarado inocente o tenente do exército que tinha assassinado
cem civis no Vietnã, pois afinal de contas tinham sido só cem, e civis, e
vietnamitas.
[...] Morria Duke Ellington, rei do jazz. A filha
do rei da imprensa, Patricia Hearst, apaixonava-se por seus sequestradores,
denunciava que seu pai era um porco burguês, e desandava a assaltar bancos.
Fontes bem-
-informadas de Miami anunciavam a queda iminente de
Fidel Castro, que ia despencar em questão de horas.
Na Grécia caía a ditadura, e caía a ditadura em
Portugal, onde no ritmo da canção Grandola,
Vila Morena, se desencadeava a Revolução dos Cravos. A ditadura de Augusto
Pinochet se firmava no Chile, e na Espanha Francisco Franco era internado no
hospital Francisco Franco, doente do poder e dos anos.
Num plebiscito histórico, os italianos votavam pelo
divórcio, que lhes pareceu preferível à adaga, o veneno e os demais métodos que
a tradição recomendava para resolver disputas conjugais [...] na Alemanha
começava o décimo Campeonato Mundial de Futebol.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 138-139.
“Na Alemanha morria o popular besouro da
Volkswagen, na Inglaterra nascia o primeiro bebê de proveta, na Itália se
legalizava o aborto. Sucumbiam as primeiras vítimas da Aids, uma maldição que
ainda não tinha nome. As Brigadas Vermelhas assassinavam Aldo Moro, os Estados
Unidos se comprometiam a devolver ao Panamá o canal usurpado no princípio do
século. Fontes bem-informadas de Miami anunciavam a queda iminente de Fidel
Castro, que ia despencar em questão de horas. Na Nicarágua cambaleava a
dinastia de Somoza, no Irã cambaleava a dinastia do Xá, os militares da
Guatemala metralhavam uma multidão de camponeses no povoado de Panzós. Domitila
Barrios e outras quatro mulheres das minas de estanho iniciavam uma greve de
fome contra a ditadura militar da Bolívia, em um momento a Bolívia inteira
estava em greve de fome e a ditadura caía. A ditadura militar argentina, por
outro lado, gozava de boa saúde, e para prová-la organizava o décimo primeiro
Campeonato Mundial de Futebol.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 149-150.
“Na Polônia era preso Lech Walesa, o chefe dos
sindicatos operários.
García Márquez recebia o Nobel em nome dos poetas,
mendigos, músicos, profetas, guerreiros e malandros da América Latina. Matança
do exército numa aldeia de El Salvador: mais de setecentos camponeses caíram
fuzilados, metade eram crianças. Na Guatemala, o general Ríos Montt tomava de
assalto o poder, para multiplicar a carnificina dos índios: proclamava que Deus
lhe havia confiado o comando do país e anunciava que o Espírito Santo ia
dirigir seus serviços de inteligência.
O Egito recuperava a península do Sinai, ocupada
por Israel desde a guerra dos seis dias. O primeiro coração artificial batia no
peito de alguém. Fontes bem-informadas de Miami anunciavam a queda iminente de
Fidel Castro, que ia despencar em questão de horas. Na Itália, o Papa
sobrevivia a seu segundo atentado. Na Espanha, eram condenados a trinta anos os
oficiais que tinham organizado o ataque à Câmara dos Deputados, e Felipe
González iniciava sua fulminante corrida para a presidência do Governo,
enquanto se inaugurava em Barcelona o décimo segundo Campeonato Mundial de
Futebol.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 155.
“Baby Doc Duvalier fugia do Haiti, roubando tudo, e
roubando tudo fugia Ferdinando Marcos das Filipinas, enquanto os arquivos
norte-americanos revelavam, antes tarde do que nunca, que Marcos, o aclamado
herói filipino da Segunda Guerra Mundial, tinha sido na realidade um desertor.
Um cometa Halley visitava nossos céus depois de
grande ausência, descobriam-se nove luas em torno do planeta Urano, aparecia o
primeiro buraco na camada de ozônio que nos protege do sol. Difundia-se uma
nova droga, filha da engenharia genética, contra a leucemia. No Japão se
suicidava uma cantora da moda e, seguindo-a, escolhiam a morte 23 de seus
devotos. Um terremoto deixava sem casa duzentos mil salvadorenhos e a
catástrofe da central nuclear soviética de Chernobyl provocava uma chuva de
veneno radioativo, impossível de medir e de deter, sobre sabe-se lá quantas
léguas e populações.
Felipe González dizia sim à OTAN, a aliança militar
atlântica, depois de haver gritado não, e um plebiscito bendizia a mudança
enquanto a Espanha e Portugal entravam no mercado comum europeu [...].
Numa prisão de Lima morriam metralhados
quatrocentos presos. Fontes bem-informadas de Miami anunciavam a queda iminente
de Fidel Castro, que ia despencar em questão de horas. Ruíram muitos edifícios
sem alicerces, com gente dentro, quando um terremoto sacudiu a cidade do
México, no ano anterior, e boa parte da cidade estava ainda em ruínas quando se
inaugurava ali o décimo terceiro Campeonato Mundial de Futebol.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 163-164.
“Nelson Mandela estava em liberdade depois de ter
passado 27 anos na prisão, por ser negro e por ser digno, na África do Sul
[...]. O Chile recuperava sua gravemente ferida democracia, mas o general
Pinochet, que continuava mandando nos militares, vigiava os políticos e
marcava-lhes o passo. Fujimori, montado num trator, derrotava Vargas Llosa nas
eleições peruanas. Na Nicarágua, os sandinistas perdiam as eleições, vencidos
pelo cansaço de dez anos de guerra contra os invasores armados e treinados
pelos Estados Unidos, enquanto os Estados Unidos iniciavam uma nova ocupação do
Panamá, depois de ter concluído com êxito sua vigésima primeira invasão deste
país.
Na Polônia, o sindicalista Walesa, homem de missa
diária, passava do cárcere ao governo. Em Moscou, uma multidão fazia fila nas
portas do McDonald's. O muro de Berlim era vendido em pedacinhos, começava a
unificação das duas Alemanhas e a desintegração da Iugoslávia. Uma insurreição popular
derrubava o regime de Ceausescu, na Romênia, e fuzilava o veterano ditador, que
se fazia chamar de Danúbio Azul do
Socialismo. Em todo o leste da Europa, os velhos burocratas se
transformavam em novos empresários e as gruas arrastavam as estátuas de Marx,
que não tinha como dizer: 'Sou inocente'. Fontes bem-informadas de Miami
anunciavam a queda iminente de Fidel Castro, que ia despencar em questão de
horas. Lá no céu, máquinas terrestres visitavam Vênus e espiavam seus segredos,
enquanto aqui na terra se inaugurava, na Itália, o décimo quarto Campeonato
Mundial de Futebol.”
GALEANO,
Eduardo. Futebol ao sol e à sombra.
Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 176-177.
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