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AULA 2 SOBRE OS HOMENS E CARANGUEIJOS

 

Aula 2
Objetivo da aula: identificar a relação do conhecimento geográfico para a compreensão da realidade.
Materiais específicos necessários: uma cópia para cada estudante dos textos indicados.
Organização dos estudantes: grupo-classe, em semicírculo.
Etapas de desenvolvimento:
- Retome as discussões da aula anterior e registre na lousa palavras importantes sobre o que foi discutido, pedindo aos próprios estudantes que as mencionem.
- Explique que o texto a ser trabalhado na primeira parte da aula foi escrito por Josué de Castro como prefácio de seu romance Homens e Caranguejos e permite compreender como as experiências geográficas despertaram seu interesse e curiosidade para as pesquisas que viria a produzir futuramente.
 
Trechos do romance Homens e Caranguejos, de Josué de Castro
I.
Procuro mostrar neste livro de ficção que não foi na Sorbonne nem em qualquer outra universidade sábia que travei conhecimento com o fenômeno da fome. O fenômeno se revelou expontâneamente a meus olhos nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis da cidade do Recife: Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta é que foi a minha Sorbonne: a lama dos mangues do Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de sêres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo.
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1967. p. 12.
 
II.
Criei-me nos mangues lamacentos do Capibaribe cujas águas fluindo diante dos meus olhos ávidos de criança, pareciam estar sempre a me contar uma longa história. O romance das longas aventuras de suas águas descendo pelas diferentes regiões do Nordeste: pelas terras cinzentas do sertão sêco, onde nasceu meu pai e de onde emigrou na sêca de 77 com tôda a família, e pelas terras verdes dos canaviais da zona da mata, onde nasceu minha mãe, filha de senhor de engenho. Esta era a história que me sussurrava o rio com a linguagem doce de suas águas passando assustadas pelo mar cinza do sertão, caudalosas pelo mar verde dos canaviais infindáveis e remançosas pelo mar de lama dos mangues, até cair nos braços do mar de mar. Eu ficava horas e horas imóvel sentado no cais, ouvindo a história do rio, fitando as suas águas correrem como se fôsse uma fita de cinema.
Foi o rio, o meu primeiro professor de história do Nordeste, da história desta terra quase sem história. A verdade é que a história do Nordeste me entrou muito mais pelos olhos do que pelos ouvidos”.
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1967. p. 18-19.
 
III.
Foram com estas sombrias imagens dos mangues e da lama que comecei a criar o mundo da minha infância. Nada eu via que não me provocasse a sensação de uma verdadeira descoberta. Foi assim que eu vi e senti formigar dentro de mim, a terrível descoberta da fome. Da fome de uma população inteira escravizada à angústia de encontrar o que comer. Vi os caranguejos espumando de fome à beira da água, à espera que a correnteza lhes trouxesse um pouco de comida, um peixe morto, uma casca de fruta, um pedaço de bosta que êles arrastariam para o sêco para matar a sua fome. E vi, também, os homens sentados na balaustrada do velho cais a murmurarem monossílabos, com um talo de capim enfiado na boca, chupando o suco verde do capim e deixando escorrer pelo canto da boca uma saliva esverdeada que me parecia ter a mesma origem da espuma dos caranguejos: era a baba da fome.
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1967. p. 19.
 
- Após a leitura da parte I, destaque que o autor atribui à experiência, e não aos estudos acadêmicos, o descobrimento do problema da fome. Comente sobre as diferenças entre os modos de conhecimento e que não há desprezo por um ou outro, pelo contrário: um alimentou o outro.
- Após a leitura da parte II, destaque a própria história de vida da família como possibilidade de conhecimento sobre paisagens físicas, sociais e culturais do Nordeste, além do ato de observar enquanto fundamento do raciocínio geográfico.
- Após a leitura da parte III, destaque novamente a observação enquanto fundamento do raciocínio geográfico, assim como o princípio da analogia e conexão entre fenômenos geográficos.
- Na segunda parte da aula, trabalhe com o segundo texto (a seguir). Explique que ele é considerado o primeiro manifesto Mangue e que foi escrito com o intuito de convocar diversos artistas e habitantes da cidade do Recife para modificar as condições precárias da época (início da década de 1990), apropriando-se daquela realidade para criar obras em busca de dignidade e de melhores condições de vida.
- Se possível, trabalhe com o texto inteiro e mostre a conexão entre os ambientes físico, urbano e cultural à época. Entretanto, se precisar escolher um trecho, opte pelo último, "Mangue: a cena".
 
Trechos de “Mangue”, de Glaucia Peres da Silva
MANGUE: O CONCEITO
Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.
Estima-se que duas mil espécies de microrganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.
Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas de casa, para os cientistas os mangues são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.
 
MANGUETOWN: A CIDADE
A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade ‘maurícia’ passou a crescer desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais.
Em contrapartida, o desvario irresistível de uma cínica noção de ‘progresso’, que elevou a cidade ao posto de “metrópole” do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.
Bastaram pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos 60. Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da “metrópole” só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.
 
MANGUE: A CENA
Emergência! um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruir as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
 
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo é engendrar um – circuito energético, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama [...].
SILVA, Glaucia Peres da. “Mangue”: moderno, pós-moderno, global. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. 162 p. p. 156-157.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-01102008-175648/pt-br.php>. Acesso em: 25 set. 2018.
- Explique a definição do mangue enquanto ambiente natural.
- Destaque aspectos do processo de urbanização ligados aos rios e manguezais da cidade de Recife e identifique a crítica ao modelo de desenvolvimento e à concepção de progresso.
- Ressalte a relação entre os problemas urbanos e os problemas de saúde ligados às precárias condições de habitações, empregos e segurança alimentar.
- Incentive os estudantes a discutir a ideia do movimento Mangue de criar manifestações culturais ao mesmo tempo ligadas à terra natal, no caso o mangue e o Recife, mas conectadas às novas tecnologias ("rede mundial"). Lembre-os de que na época estava nascendo a internet, que iniciava sua expansão pela superfície terrestre.
- Destaque a imagem-símbolo do movimento: uma antena parabólica enfiada na lama.

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